São Paulo – A Advocacia Geral da União (AGU) usou transcrições da reunião ocorrida em abril e citada pelo ex-ministro Sergio Moro como uma ocasião em que Jair Bolsonaro fez pressão para a troca de comando na Polícia Federal para defender o presidente, mas a defesa de Moro disse que a peça omite trechos e contexto relevantes para o caso.
O documento faz referência a comentários do presidente Jair Bolsonaro em que ele demonstra insatisfação com as informações que recebe dos órgãos de inteligência do governo. Neste momento, Bolsonaro afirma que vai interferir.
“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação”, teria dito Bolsonaro, segundo a transcrição apresentada pela AGU.
“E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”, acrescentou Bolsonaro, mais à frente em seus comentários, segundo a AGU.
O órgão também cita um outro trecho que, na visão da defesa do presidente, estão relacionados ao inquérito. Nele, Bolsonaro diz que demitirá pessoas até que consiga alterar a equipe que faz a segurança dele e de sua família no Rio de Janeiro.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira.”
A AGU alega que há uma diferença de tempo de quase uma hora entre as críticas aos serviços de informações e os comentários de Bolsonaro a respeito da segurança de sua família e diz que o presidente fazia referência, em seu segundo comentário, ao Gabinete de Segurança Institucional, e que não teria mencionado a Polícia Federal, o que invalidaria a acusação feita por Moro.
Os advogados do ex-ministro, porém, dizem que “a transcrição parcial revela disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sergio Moro não tem. A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do Presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão do que ocorreu na reunião – inclusive, na parte da ‘segurança do RJ’, do trecho imediatamente precedente.”
A defesa de Moro afirma também que “fatos posteriores, como a demissão do diretor-geral da PF, a troca do superintendente da PF e a exoneração do ministro da Justiça, confirmam que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI. A transcrição parcial busca apenas reforçar a tese da defesa do presidente, mas reforça a necessidade urgente de liberação do vídeo na íntegra.”
LIBERAÇÃO DO SIGILO
O ministro Celso de Mello, que é o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) responsável pelo inquérito, consultou as partes e a Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a possibilidade de se remover o sigilo do vídeo em que Bolsonaro faz estes comentários.
Bolsonaro disse publicamente que é favorável a remover os trechos que estão relacionados ao inquérito – ou seja, os que foram divulgados pela AGU. A defesa de Moro defendeu a liberação integral do vídeo. Faltava a manifestação da PGR, entregue ontem ao STF, e que ficou alinhada com a vontade do presidente.
“A divulgação integral do conteúdo o converteria, de instrumento técnico e legal de busca da reconstrução histórica de fatos, em arsenal de uso político, pré-eleitoral (2022), de instabilidade pública e de proliferação de querelas e de pretexto para investigações genéricas sobre pessoas, falas, opiniões e modos de expressão totalmente diversas do objeto das investigações”, disse o procurador-geral Augusto Aras.
“Outro grave efeito colateral seria politizar a própria atuação das instituições de Estado responsáveis pela condução dos trabalhos (Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Judiciária), algo incompatível com o Estado democrático de direito, cujas instituições hão de primar pela impessoalidade, objetividade e técnica.”
“Em outras palavras, o Procurador-Geral da República não compactua com a utilização de investigações para servir, de forma oportunista, como
palanque eleitoral precoce das eleições de 2022. Em conclusão, a divulgação completa do registro em vídeo da reunião, além de contrária às regras e princípios constitucionais de investigação, sobre fatos específicos e do objeto do procedimento, distanciaria os padrões adotados na condução de inquéritos perante essa Suprema Corte.