Expansão francesa está comprometida sem reforma previdenciária, dizem analistas

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Por Caroline Aragaki

São Paulo – Em um ambiente de desaceleração econômica e elevado déficit público, a França deve se concentrar em implementar a reforma da previdência que, apesar de ter grande oposição popular, é pré-requisito para que o país alcance um cenário mais otimista.
É o que afirmaram os analistas consultados pela Agência CMA.

“Sem ajuste fiscal, como o indicado na reforma da previdência, não tem como a França crescer mais”, afirmou o professor e Pesquisador do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ulisses Ruiz de Gamboa.

A França gasta em torno de 14% do Produto Interno Bruto (PIB) com a previdência do setor público e, neste ano, a expectativa é de que o PIB francês tenha um crescimento de 0,8% de 1,3% em 2019, de acordo com a consultoria Capital Economics.

“A menos que o sistema previdenciário seja reformado, o custo deve aumentar substancialmente e de forma insustentável”, afirmou a economista da Capital Economics para a Europa, Jessica Hinds.

Ela apontou ainda que a proposta de reforma do governo de Emmanuel Macron visa aumentar a força de trabalho, incentivando as pessoas a adiar a aposentadoria, e aliviar a pressão sobre as finanças públicas.

“Apesar de a reforma proposta ser custo-efetiva e proporcionar uma maior economia para o Estado, ela desencadeia um forte apelo popular”, afirmou o professor de Economia da Universidade Anhembi Morumbi, Antonio Pescuma Jr.

A declaração se refere à grande onda de manifestações contra a reforma da previdência na França que, desde 5 de dezembro, mobiliza milhares de pessoas e paralisa o transporte público no país.

Pescuma Jr, da Anhembi Morumbi, afirmou ainda que “o governo francês terá muita dificuldade para implementar a reforma e, mesmo se tiver êxito, certamente os efeitos negativos das paralisações serão transmitidos para a economia”.

Ele cita a perda de 400 milhões de euros, devido às greves, da empresa do segmento ferroviário Société Nationale des Chemins de fer Français (SNCF).

Uma pesquisa recente do Instituto Francês de Opinião Pública feita com 1.004 pessoas mostrou que 76% acreditavam que o governo deveria revisar o sistema previdenciário do país. No entanto, apenas 36% confiam no atual presidente, Emmanuel Macron, para executá-la.

DÉFICIT PÚBLICO

Outro fator de preocupação é o déficit público francês, que alcançou 100,4% do PIB no terceiro quadrimestre de 2019, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (Insee).

“Esse valor se deve a uma combinação de déficits orçamentários persistentes – a França não registra superávit orçamentário desde a década de 1970 – e um fraco crescimento do PIB na última década”, explicou Hinds, da Capital Economics.

Macron comprometeu-se a reduzir os gastos do governo como uma parcela do PIB ao longo de seu mandato, que vai até 2022. “Mas mesmo que cumpra suas propostas, os gastos [como uma parcela do PIB] ainda serão um dos mais altos das economias avançadas”, afirma a Capital Economics em relatório.

ZONA DO EURO

A União Europeia também passa por uma fase de desaceleração, o que causa um prejuízo ainda maior para a economia francesa devido estagnação dos principais parceiros comerciais do país, como Alemanha e Itália.

A expectativa de crescimento do PIB da zona do euro – formada por 19 países que utilizam a moeda única europeia – é de 1,7% em 2020, uma desaceleração antes os 2,1% de 2019, de acordo com relatório da Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia.

O Banco Central Europeu (BCE) pede para que economias com maior espaço fiscal façam investimentos para estimular a expansão da região, no entanto “o alto ônus da dívida e os maiores déficits orçamentários como parcela do PIB significam que o governo francês ainda tem pouco espaço fiscal para manobra”, afirmou Hinds, da Capital Economics.

A visão é compartilhada por Pescuma Jr, da Anhembi Morumbi. “Com a perspectiva atual, o impulso fiscal para a zona do euro deve ser muito limitado: um aumento de 0,1% ou 0,2% no não há perspectivas animadoras para o aumento de investimentos para estes países, com relação a zona do euro”.

Gamboa, do Mackenzie, disse que a dinâmica da zona do euro não é favorável para a França, porque “a valorização da moeda faz com que os produtos franceses se tornem muito caros para países fora do bloco e, consequentemente, pouco competitivos”.

Além disso, Pescuma Jr ressalta que a instabilidade da União Europeia pode ser agravada com as tensões comerciais internas e a queda nas atividades da zona do euro.

“Quase 70% das exportações europeias estão relacionadas a cadeias globais de valor, portanto os conflitos e barreiras comerciais teriam forte impacto sobre a economia da França, principalmente com relação aos efeitos multiplicadores de renda e emprego”, disse o professor da Anhembi Morumbi.