São Paulo – Os reflexos do novo coronavírus, batizado de Covid-19, sobre a economia global ainda são desconhecidos até o momento, mas alguns dados já refletem os prejuízos do surto sobre a economia chinesa e seus vizinhos. Cálculos feitos por analistas consultados pela Agência CMA mostram desde queda no tráfego aéreo na Ásia até a diminuição da demanda por energia, impulsionando projeções de uma expansão bem menores para os países da região.
“Os números são fortes: as vendas de imóveis na China caíram e o consumo de energia não se recuperou após a queda habitual no feriado. Também há sinais de que a ruptura está começando a se espalhar para as economias vizinhas por meio de cadeias de suprimentos”, disse o economista chefe da Capital Economics, Neil Shearing.
Segundo dados da consultoria, o tráfego de passageiros na China diminuiu cerca de 60% no feriado do Ano Novo celebrado no final do mês passado em comparação com o mesmo período do ano anterior. Além disso, as importações chinesas para a Coreia do Sul durante os primeiros dez dias deste mês caíram quase 50% em termos anuais.
“Essa é a maior queda desde a crise financeira da Ásia em 1999 e é maior que a queda experimentada desde o auge da crise financeira global em 2008 e 2009”, afirmou Shearing.
Diante desse cenário, os especialistas acreditam que o Covid-19 possa ser mais perturbador do que os mercados atualmente estão precificando, especialmente porque o número real de pessoas infectadas permanece incerto.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) com base em um levantamento feito nas últimas 24 horas mostram que 51.857 casos foram confirmados em laboratório no mundo. Desse total, 51.174 casos estão na China, com 1.666 mortes no país. Fora da China, 683 casos foram confirmados em laboratório em 25 países, com três mortes.
Já os números de hoje do governo chinês indicam que as mortes causadas pelo novo coronavírus subiram para 1.770, com 70.548 casos confirmados em 31 províncias do país. Além disso, há 7.264 casos suspeitos.
“É quase certo que a economia da China se contrairá no primeiro trimestre. Projetamos uma queda na produção de 2,5% em base trimestral nos primeiros três meses do ano. A questão mais importante, no entanto, é a rapidez com que qualquer recuo na produção pode ser recuperada”, afirmou Shearing, da Capital Economics.
De acordo com o estrategista sênior do Rabobank para a Ásia e o Pacífico, Michael Every, os três principais canais pelos quais o Covid-19 afetará a economia global são turismo, exportações líquidas e bens intermediários.
“Trabalhamos com quatro cenários possíveis: o ruim, o pior, o grave e o impensável. No cenário ruim, o surto não dura muito além do primeiro trimestre e o crescimento chinês pode ficar abaixo de 5% este ano, com a produção sendo mais atingida e se recuperando no terceiro e quarto trimestres. Este é o nosso cenário de base”, afirmou Every, do Rabobank.
De acordo com ele, com o aumento expressivo de casos de coronavírus na China, o segundo cenário está se tornando cada vez mais provável. Nesse contexto, o Rabobank projeta que o surto de vírus irá durar além do primeiro trimestre, fazendo com que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China fique abaixo de 4% em 2020.
“Nesse cenário, a Ásia suportará o peso do surto prolongado devido à dependência da China como mercado de exportação e importações intermediárias, bem como para o turismo. Na própria China, a inadimplência de empresas não financeiras pode começar a aumentar rapidamente, levando a um declínio no potencial de crescimento do país em longo prazo, já que as empresas privadas sofrerão mais, enquanto as empresas estatais menos eficientes provavelmente serão socorridas”, disse Every.
Em um cenário mais grave, o banco holandês acredita que o vírus se espalhe para além da China e a Ásia e atinja também para economias desenvolvidas. “Seus efeitos provavelmente se parecerão com a crise financeira global de 2008 e 2009 mais do que com o surto de Sars em 2003. Já no cenário impensável, o vírus sofre mutação e se torna uma pandemia verdadeiramente global”, completou.
Para mitigar os efeitos do Covid-19 na economia chinesa, o governo tem adotados medidas de apoio via banco central. Além de injeções de liquidez, hoje o Banco do Povo da China (Pboc, na sigla em inglês) cortou a taxa de empréstimos de médio prazo (MLF, na sigla em inglês) de um ano de 3,25% para 3,15% – essa taxa de juros é considerada crucial já que pode abrir caminho para a queda nos custos de financiamento de referência.
AVANÇADOS E EMERGENTES
Autoridades de países avançados, entre eles os Estados Unidos, não acreditam em um impacto severo do novo coronavírus em suas economias. Na semana passada, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, disse que a China deve sentir os efeitos mais severos do surto, enquanto nos Estados Unidos esse impacto será secundário, embora ainda não possa ser medido.
Segundo o economista chefe do Wells Fargo para os Estados Unidos, Sam Bullard, os primeiros efeitos nos Estados Unidos devem ser sentidos via queda da confiança do consumidor e das empresas, que vem avançando nos últimos meses.
“É provável que o surto de coronavírus interrompa essa melhoria, pois as empresas avaliam a extensão que uma interrupção na cadeia de suprimentos poderia ter sobre seus negócios. Com os níveis de estoques relativamente elevados, resta saber se o impacto imediato de tal interrupção na cadeia de suprimentos para fornecedores emergirá nos dados de fevereiro”, afirmou Bullard, do Wells Fargo.
No caso da Europa, o Covd-19 é visto como um risco temporário para o crescimento da zona do euro, segundo o presidente do Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças da região), Mario Centeno.
“O surto do coronavírus deve pesar em alguns dados desta semana. De fato, vemos o Zew alemão e a confiança do consumidor da zona do euro caindo, enquanto o PMI composto da região deve permanecer inalterado”, disse o economista chefe do Société Générale, Klaus Baader.
No caso dos países emergentes, o economista chefe da Capital Economics para mercados emergentes, William Jackson, acredita que o impacto do Covid-19 significa que o PIB agregado provavelmente se contrairá nos primeiros três meses do ano em base trimestral pela primeira vez desde a crise financeira global de 2008.
“Se o surto for contido rapidamente, a maior parte da produção perdida deverá ser recuperada no final do ano. Mas se o vírus se espalhar ainda mais ou se as interrupções da cadeia de suprimentos persistirem por muito mais tempo, achamos que isso pode derrubar em até um ponto percentual o crescimento dos emergentes este ano. E os preços dos ativos sofreriam quedas renovadas”, afirmou Jackson.
Projeções da Capital Economics mostram que em um cenário no qual o surto permaneça sob controle e limitado à China e Ásia, os emergentes devem crescer, em média, 3,8% este ano – ante estimativa de 3,7% em 2019.
“Mas há claramente riscos para essa projeção, principalmente se o fechamento de fábricas na China causar problemas nas cadeias de suprimentos globais. Isso poderia levar a um impacto muito maior nas economias e produtores de commodities asiáticos”, disse.
Nessa situação, segundo Jackson, o coronavírus poderia plausivelmente eliminar um ponto percentual do crescimento dos emergentes, levando-o a cerca de 3,0%. “Nos últimos 30 anos, o crescimento dos emergentes só teria sido mais lento durante a crise financeira global e a crise financeira asiática”, completou.