São Paulo – O Ibovespa fechou em queda de 3,75%, aos 69.537,56 pontos, em meio ao aumento de casos de coronavírus e após o fechamento de vagas de trabalho acima do esperado nos Estados Unidos. A cena política local também voltou a preocupar e fez a Bolsa brasileira cair mais do que seus pares no exterior, com a desaprovação ao governo de Jair Bolsonaro crescendo. O total negociado foi de R$ 21,8 bilhões. Na semana, o índice recuou 5,30%.
“Os dados do payroll impactaram muito globalmente e a questão política aqui também está pesando. Bolsonaro quer fazer Mandetta [Henrique, ministro da Saúde] perder força”, disse o CEO da WM Manhattan, Pedro Henrique Rabelo.
No exterior, as Bolsas norte-americanas caíram com o sentimento de cautela prevalecendo depois que os dados de emprego no país, conhecidos como payroll, mostraram o fechamento de 701 mil vagas em março, acima do esperado pelo mercado.
Além disso, o número de casos segue crescendo nos Estados Unidos, sendo que o governador de Nova York, Andrew Cuomo, disse que o estado viu o maior aumento de mortes pelo novo coronavírus desde o início da crise. Nas últimas 24 horas, 2.935 nova-iorquinos morreram do novo coronavírus. Os casos no estado superaram hoje os 100 mil.
Já na cena doméstica, a questão política voltou ao foco. Ontem, Bolsonaro criticou abertamente o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que tem sido elogiado pelo seu trabalho. A postura de Bolsonaro tem sido pior avaliada dentro do mercado e pela população, já que o percentual de pessoas que consideram a atual administração ruim ou péssima passou de 36% no início de março para 42%, segundo um levantamento feito pela XP Investimentos e pelo Ipespe.
A pesquisa ainda mostrou que a atuação de ministros é mais bem vista do que a do presidente. Um levantamento do Datafolha também mostrou piora na avaliação de Bolsonaro.
Entre as ações, Rabelo destaca que alguns papéis mais ligados à economia doméstica sofreram mais hoje, com o receio de impacto da pandemia na atividade. Entre as maiores quedas do Ibovespa ficaram a Usiminas (USIM5 -11,94%) e a CSN (CSNA3 -11,87%). A Usiminas anunciou uma série de medidas em função dos efeitos da pandemia, como a paralisação dois altos-fornos na usina de Ipatinga e a suspensão de atividades na usina de Cubatão, em um sinal de que prevê drástica queda da demanda interna de aço.
Ainda entre as maiores quedas, ficaram as ações do Grupo Notre Dame Intermédica (GNDI3 -12,15%) e da Localiza (RENT3 -10,48%). Na contramão, as maiores altas foram da Cyrela (CYRE3 2,57%), da Cogna (COGN3 1,91%) e da Yduqs (YDUQ3 1,84%).
Na semana que vem, a pandemia e a cena política devem continuar no foco, além de na segunda-feira, estar prevista a reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que pode trazer um acordo sobre a produção de petróleo.
Para o analista da Necton Corretora, Gabriel Machado, investidores ainda devem observar se as medidas que estão sendo tomadas pelo governo vão ser aprovadas e chegar à população, além de acompanhar se as quarentenas serão estendidas. “O Ibovespa pode ficar nessa faixa entre 65 a 75 mil pontos. Já foi precificada uma quarentena até em torno de maio, mas se ela durar até junho e julho podemos ver novos ajustes”, disse.
O dólar comercial fechou em alta 1,15% no mercado à vista, cotado a R$ 5,3270 para venda, e renovou a máxima de fechamento pelo terceiro dia seguido, além de engatar a sexta alta consecutiva. A forte aversão ao risco prevaleceu no exterior em meio aos primeiros dados do mercado de trabalho em março no qual mostrou o fechamento de vagas de trabalho e o crescimento da taxa de desemprego nos Estados Unidos, em março.
“A sequência de indicadores ruins divulgados no exterior com destaque para a impressionante destruição de 701 mil vagas de trabalho e o salto para 4,4% de desemprego no país, deixam evidentes os efeitos nocivos da pandemia nas economias”, comenta o analista de câmbio da Correparti, Ricardo Gomes Filho.
Para a equipe econômica do Bradesco, os dados dos Estados Unidos, agora atual epicentro do coronavírus, já apontam para recessão. “Os dados do mercado de trabalho mostraram queda importante do emprego, com mais de seis milhões de pessoas pedindo auxílio desemprego na última semana de março”, acrescenta.
O economista da Guide Investimentos, Victor Beyruti, avalia que na medida em que o número de infectados pelo vírus ultrapassa um milhão de pessoas no mundo, o mercado passa a considerar “novas postergações” nos períodos de isolamento na Europa e nos Estados Unidos. “Investidores estão avaliando os efeitos nefastos do fechamento dos negócios nas maiores economias do mundo para o crescimento econômico”, diz.
Os desdobramentos acerca do novo coronavírus levaram a moeda a encerrar a semana em alta de 4,39%, engatando a sétima semana seguida de valorização. Desde meados de fevereiro, quando a divisa estrangeira iniciou a nova trajetória de alta, o dólar saltou do patamar de R$ 4,30 para o novo nível alcançado hoje, acima de R$ 5,30. Nesta semana, a moeda chegou aos 30% de valorização no ano, no qual o real detém a marca de divisa mais desvalorizada no mundo.
“O câmbio vem de uma forte sequência de valorização e vai seguir pressionado. A gente não sabe qual é o fundo do poço [em relação aos efeitos do coronavírus]”, comenta o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira.
Na próxima semana, com feriado na China na segunda-feira e mercados fechados na sexta-feira em decorrência do feriado da Paixão de Cristo, a agenda de indicadores concentrará números ao longo da semana com novos dados de trabalho nos Estados Unidos, além de preços ao produtos e da ata do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano).
“O mercado perdeu referência e quando isso acontece, tem perdas e volatilidade. O câmbio nesse patamar é uma realidade de curto prazo porque não sabemos o desfecho do coronavírus. E os próximos indicadores devem trazer pioras em outros setores da economia global. Enquanto fica difícil diagnosticar quando tudo isso vai acabar, a tendência é o dólar seguir forte”, pondera.