Demanda por petróleo voltará este ano, mas crise no setor vai até 2022

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São Paulo – A crise do setor de petróleo, provocada pelo excesso de oferta num momento de demanda reduzida e falta de espaço para a estocagem em alguns mercados, deve começar a arrefecer partir do segundo semestre. Isso deve levar ao aumento gradual dos preços da commodity no mercado internacional, mas uma recuperação para níveis pré-crise só deve acontecer em 2022, segundo analistas.

Eles apontam que, mesmo neste cenário, será improvável no curto prazo o valor do petróleo tipo Brent – a referência mundial para os preços do petróleo – voltar para perto de US$ 70, nível em que estava em janeiro deste ano.

As estimativas mais otimistas apontam para um patamar de US$ 35 a US$ 40 por barril no primeiro trimestre do ano que vem e um valor médio de US$ 50 por barril durante 2021.

Segundo o analista da Tendências Consultoria, Walter de Vitto, apesar do momento mais agudo da crise ter sido entre março e abril, os estoques globais da commodity estão altos e a recuperação depende de como as economias ao redor do mundo vão se comportar após o fim da pandemia da covid-19, previsto para ocorrer a partir de julho.

Ele menciona, porém, que ainda há dúvidas em relação à possibilidade de uma segunda onda de contaminações pelo novo coronavírus e ao impacto que a pandemia terá sobre a atividade econômica mundial. “Então o mercado trabalha com uma premissa mais baixa para este ano, observando uma recuperação lenta no segundo semestre, mas ainda longe de levar o petróleo ao patamar que tinha antes da pandemia”, disse.

Vitto disse também que os estoques globais estão muito elevados, e que será mais demorado encontrar um equilíbrio entre a oferta e a demanda, mesmo com cortes na produção de alguns dos maiores produtores.

Para o sócio-diretor da Leggio Consultoria, Marcus D’Elia, a demanda por petróleo deve começar a se recuperar de maneira mais forte entre setembro e outubro, estabelecendo um patamar de preços da commodity mais próximo de US$ 40 entre o final deste ano e o início de 2021.

“Para começar a estabelecer esse novo patamar de preço, precisa restabelecer a demanda, e isso ainda vai demorar por causa do coronavírus e das dificuldades que o mercado encontra hoje com a armazenagem”, comentou.

Ele lembrou que eventuais problemas com o armazenamento de petróleo, como ocorreu há algumas semanas, podem levar a novas distorções nos preços, fazendo com que ocorram novas quedas acentuadas no valor da commodity. “Isso é sempre ponto de atenção que a gente acompanha, porque, se de alguma maneira não consegue manter estoques compatíveis com armazenagem, pode ter distorções como aconteceu nos Estados Unidos”.

O analista da Ativa Investimentos, Ilan Albertman, acredita que o acordo entre Rússia e Arábia Saudita no âmbito da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, para reduzir a produção de petróleo em 10 milhões de barris diários a partir deste mês, pode mitigar o problema da oferta, mas é insuficiente para resolver de vez a questão.

“A gente viu que mesmo com o risco mitigado a oferta ainda está pressionada devido à conjuntura atual, com algumas das principais economias do mundo sofrendo por causa do coronavírus”, comentou.

PETROBRAS

Os analistas enxergam também dificuldades para a Petrobras no curto prazo, devido aos baixos preços do petróleo, que chegaram a menos de US$ 20 o barril no auge da crise e ainda estão distantes de um patamar em que a petrolífera estatal esteja preparada para atuar, acima dos US$ 40 por barril.

Para Vitto, da Tendências, 2020 é um ano perdido para todas as empresas do setor, o que pode levar a Petrobras a ter resultados piores que os apresentados até então. No limite, ele acredita que a estatal poderá adiar ou rever alguns pontos de seu programa de desinvestimentos, caso perceba que os potenciais compradores estão descapitalizados ou que houve uma deterioração no valor dos ativos colocados à venda.

“É momento excepcional, de crise, não estamos em situação de equilíbrio de mercado. Então é possível uma reavaliação do cronograma de alienação dos ativos, porque a maioria deles pode perder valor e pode ter também um problema no tamanho do mercado, caso os potenciais compradores sejam muito afetados”.

D’Elia, da Leggio Consultoria, considera que o processo de desinvestimentos vai continuar, mesmo que em ritmo mais lento, uma vez que é uma política de abertura do mercado, embora a crise possa gerar atrasos nesse plano. “O momento gerou adiamento nas propostas, pois dificulta determinadas avaliações nas propostas vinculantes. Esse adiamento é um efeito natural”, comentou.

Em relação os impactos financeiros de curto prazo, provocados pela redução na demanda de petróleo, a empresa já anunciou o corte na produção de 200 mil barris de petróleo por dia e avalia o cenário para contrabalancear seus custos de produção com o atual momento do setor. Estas medidas devem ser mantidas até que o mercado encontre um novo equilíbrio, o que pode demorar entre um e dois anos.

D’Elia afirmou que uma das soluções para a Petrobras melhorar sua rentabilidade neste momento é aumentar o refino de petróleo para a venda de derivados no mercado interno, mas que essa medida só surtirá efeito após o fim da pandemia de coronavírus e a retomada da economia, com a recuperação na demanda interna por combustíveis.

“Neste momento a margem do refinador fica até mais elástica, e a empresa pode ocupar mais espaço no refino. Por isso, talvez a tendência seja utilizar máximo possível para refino nacional, que é o contrário do que vinha acontecendo nos últimos anos”.

Ilan Albertman, da Ativa Investimentos, enxerga a possibilidade de a Petrobras reduzir os investimentos programados para este ano, além do pacote de contenção de despesas como fundamentais para a empresa garantir uma rentabilidade mínima para este período.

Ele destaca também que a estatal brasileira pode se beneficiar de ter uma dependência menor do mercado internacional, em comparação com suas principais concorrentes.

“A gente sabe que ela não é tão internacional como as outras e tem uma dependência forte do Brasil. Mesmo em relação às vendas internacionais, quase dois terços delas são para a China, que é um dos poucos países que está começando a se restabelecer, e isso pode ajudar”, disse.