Pandemia pode ampliar diferença entre economias na Europa

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São Paulo – A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus pode aumentar a diferença entre o desenvolvimento econômico dos países da zona do euro, e a viabilidade da moeda única vai depender das respostas de cada nação a esses impactos econômicos, bem como de possíveis soluções europeias comuns, de acordo com especialistas consultados pela Agência CMA.

“Ao menos no curto prazo, a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus vai ampliar a diferença entre o norte e o sul da Europa”, disse o economista da Focus Economics, Massimo Bassetti. “O setor de turismo, um dos mais expostos à atual pandemia, tende a ser mais importante, em termos tanto de PIB quanto de emprego, para as economias do sul da Europa do que para as do norte”.

Da mesma forma, analistas do Société Générale afirmaram que “a natureza desse choque econômico sugere que as economias com um grande setor industrial – como a Alemanha – estão sendo menos atingidas do que as economias com forte peso e baseadas em serviços, em particular no turismo”.

Além disso, os estímulos econômicos que cada país pode oferecer para combater os impactos da pandemia são diferentes, devido ao tamanho do espaço fiscal de cada membro do bloco. “Nem todos os membros dispõem atualmente do mesmo espaço orçamental para intervenções em grande escala”, disse um porta-voz do Commerzbank.

“As finanças públicas mais sólidas no norte do continente se traduzem em respostas fiscais mais ousadas e provavelmente mais efetivas, o que também vai contribuir para ampliar o hiato econômico entre territórios”, acrescentou Bassetti, Focus Economics.

O Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro caiu 3,8% no primeiro trimestre deste ano na comparação com igual período de 2019, de acordo com dados da agência de estatísticas Eurostat. Entre os países que compõem a zona do euro, o PIB italiano encolheu 4,7%, o da França recuou 5,8% e o da Espanha teve queda 5,2%, com uma contração mais moderada na Alemanha, de 2,3%.

À SOMBRA DA PANDEMIA

As projeções para o ano como um todo são ainda mais sombrias. A Comissão Europeia espera queda de 7,7% no PIB da zona do euro, contração bem mais profunda do que a vista na crise financeira de 2008 e 2009, antes de recuperar-se e avançar 6,3% em 2021. Em 2019, o crescimento econômico da zona do euro foi de 1,2%.

Os países mais afetados pela pandemia serão também os com maior contração econômica este ano. Para a Itália, a projeção é de queda de 9,5% no PIB em 2020, após a alta de 0,3% em 2019, seguida pela Espanha, com contração de 9,4% este ano após a alta de 2,0% no ano passado, e pela França, com baixa de 8,2% no PIB, após avançar 1,3% em 2019.

Na Alemanha, a economia deve encolher 6,5% este ano, após o crescimento de 0,6% no ano passado. Para o ano que vem, a expectativa é de retorno ao crescimento em todos esses países, segundo a Comissão Europeia. O PIB da Itália deve crescer 6,5%, o da Espanha 7,0%, o da França 7,4% e o da Alemanha 5,9%.

Governos de toda a Europa já anunciaram planos de reabertura econômica, mas ainda assim a recuperação será gradual e incompleta, de acordo com analistas do Société Générale.

“Em médio prazo, além deste ano, também esperamos ver efeitos subsequentes”, disseram, acrescentando que o desemprego deve aumentar, as empresas precisarão reconstruir os amortecedores de caixa e as perdas e defaults serão inevitáveis, levando a reflexos negativos no PIB.

VIABILIDADE DO EURO

Os fortes impactos da pandemia do novo coronavírus na zona do euro, bem como as diferentes respostas entre os países do bloco, têm levantado dúvidas sobre a viabilidade da moeda única. Para os analistas consultados pela Agência CMA, isso dependerá dos esforços adotados por cada nação no pós-crise, bem como de possíveis soluções comuns.

“A gestão da dívida soberana, bem como a sua viabilidade em longo prazo, constituirá um desafio para todos os membros quando a crise provocada pela pandemia terminar”, de acordo com um porta-voz do Commerzbank. Ele, porém, está otimista de que as autoridades alcançarão uma resposta comum.

“Com o Banco Central Europeu (BCE) fortemente comprometido a evitar qualquer ameaça à moeda comum, acreditamos firmemente que a viabilidade do euro no longo prazo não seja comprometida”, afirmou.

O BCE lançou em março um novo programa de compra de emergências pandêmicas (PEPP, na sigla em inglês) de 750 bilhões de euros, e manteve as aquisições de ativos mensais de 20 bilhões de euros, juntamente com as compras sob o envelope temporário adicional de 120 bilhões de euros até o fim do ano.

Além disso, o Eurogrupo (que reúne os ministros de Finanças da zona do euro) concordou com um pacote de pouco mais de 500 bilhões de euros para conter os efeitos da pandemia, enquanto o Conselho Europeu, de chefes de Estado e de governo da União Europeia (UE), concordou em criar um fundo de recuperação, embora ainda não haja consenso sobre como financiá-lo.

“Como os membros já chegaram a um acordo sobre as amplas linhas de recuperação econômica por vários meios – incluindo o fundo de recuperação ainda a ser estabelecido -, estamos otimistas quanto à possibilidade de evitar a fragmentação”, disse o porta-voz do Commerzbank.

Para Bassetti, da Focus Economics, a viabilidade do euro “dependerá crucialmente da resposta da política econômica pós-pandemia nos países do sul da Europa”. Segundo ele, mesmo que o apoio do BCE evite episódios fatais de inadimplência da dívida soberana, “será responsabilidade dos governos nacionais criar as condições para reduzir o déficit econômico”.

“Isso exigirá liberalização dos mercados de trabalho e serviços; racionalização do setor público; redução da carga tributária sobre empresas e famílias; e políticas de gastos mais responsáveis”, disse. “Se essas questões não forem abordadas, os problemas econômicos provavelmente se agravarão ainda mais, e a viabilidade do euro, como a conhecemos hoje, poderá ser ameaçada”, acrescentou.

CORONABONDS CONTRA A PANDEMIA

Mesmo com a intenção do Conselho Europeu de criar um fundo de recuperação, muitas questões importantes ainda precisam der definidas sobre o financiamento e a forma dos desembolsos, de acordo com especialistas. Neste cenário, aumenta a defesa do uso de títulos comuns europeus para fornecer liquidez em meio à pandemia do novo coronavírus, os chamados “coronabonds”.

“A decisão de um fundo de recuperação é de importância crucial, pois determinará o grau de cooperação e assistência aos países do sul da Europa, altamente endividados, mais afetados até agora pelo vírus causador de covid-19, após o término da pandemia”, segundo o IHS Markit.

Para a instituição, a ausência de consenso indica negociações muito difíceis sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da UE para o período entre 2021 e 2027. “A dificuldade em obter consenso agrava o risco de adiar o acordo sobre o QFP para além de 2020 e aumenta a probabilidade de a UE cortar fundos para iniciativas de pesquisa e inovação, defesa e meio ambiente”, disse a IHS.

O porta-voz do Commerzbank, por sua vez, acredita que os detalhes sobre o fundo de recuperação pós-pandemia serão definidos nas próximas semanas. “Nesse cenário, não acreditamos que os ‘coronabonds’ sejam a ferramenta certa para enfrentar esta crise”, afirmou.

“A zona do euro carece de uma política econômica e fiscal europeia comum, que é um pré-requisito obrigatório para a responsabilidade conjunta. O atual arsenal de ferramentas, bem como as medidas previstas, proporcionam espaço suficiente para enfrentar a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus em nível nacional”, acrescentou o porta-voz.

Para a IHS Markit, a emissão de dívida comum no nível da zona do euro é improvável nas perspectivas de dois anos. “Isso ocorre devido à oposição doméstica, especialmente na Holanda e na Alemanha, e às limitações técnicas relacionadas ao desenvolvimento de tais instrumentos”.

Segundo a instituição, a UE deve manter-se flexível quanto às regras de dívida pública e déficit dos países do bloco. “O prazo durante o qual uma postura mais flexível será mantida estará intimamente ligado ao sucesso ou fracasso das medidas de estímulo em economias maiores e mais angustiadas, como Itália, Espanha e França”.

Por fim, o porta-voz do Commerzbank destacou que as abordagens nacionais foram diferentes no início da crise provocada pela pandemia de covid-19, mas os países europeus estão comprometidos com ações coordenadas. “Como tem sido frequentemente o caso, a tomada de decisões não é facilmente realizada, pois muitas visões diferentes precisam ser acomodadas. No entanto, acreditamos que uma forte resposta europeia pode e será alcançada”.