São Paulo – A Suprema Corte foi o ponto de partida do enfrentamento direto entre o presidente norte-americano, Donald Trump, e o rival Joe Biden no primeiro debate presidencial que aconteceu na noite de ontem em Ohio. De um lado, o republicano defendeu seu direito de instalar um novo juiz nas próximas semanas e, de outro, o democrata argumentou que os eleitores devem votar primeiro em 3 de novembro e avaliar depois a nomeação de um juiz.
No início do debate, Trump defendeu sua decisão de indicar antes da eleição Amy Coney Barrett para a Suprema Corte depois do falecimento da juíza liberal Ruth Bader Ginsburg, ignorando um movimento bem-sucedido dos republicanos para bloquear uma indicação do ex-presidente Barack Obama para a alta corte nove meses antes da eleição de 2016. “Vencemos a eleição e, portanto, temos o direito de escolhê-la”, disse Trump.
Em resposta, Biden afirmou que o povo norte-americano deve ter o direito de avaliar o indicado depois da eleição de novembro. “Devemos esperar para ver qual será o resultado desta eleição”, disse Biden, observando que o tribunal poderia retirar a cobertura de saúde sob a Lei de Cuidados Acessíveis. O tribunal deve ouvir uma contestação da lei em 10 de novembro, uma semana após a eleição.
SISTEMA DE SAÚDE
A declaração de Biden trouxe à tona a saúde como tema do debate. Enquanto Trump classificou como ruim a reforma promovida pelo seu antecessor, Barack Obama, o democrata prometeu ampliar o chamado Obamacare, indicando que permitirá que as pessoas tenham seguro privado.
“Baixei os preços dos medicamentos e quero melhorar os planos de saúde. O Obamacare não é bom e terei um plano melhor, com mandato individual”, afirmou Trump, quando foi questionado pelo mediador Chris Wallace, da Fox News, sobre os motivos pelos quais ele teria apresentado um plano para doenças preexistentes cinco dias antes do debate.
“Temos o Medicaid pelo qual as pessoas de baixa renda podem conseguir remédios de graça”, disse Biden.
COVID-19
Outro tópico abordado pelos candidatos foi a pandemia de covid-19. Enquanto Trump defendeu suas medidas de bloqueio e culpou a imprensa pelas notícias falsas sobre sua gestão da crise, Biden lembrou que o atual presidente norte-americano sugeriu que as pessoas injetassem desinfetantes para se curar da doença.
“Se tivéssemos ouvido você, o país teria ficado aberto e milhões teriam morrido. A culpa disso tudo é da China. Eu salvei milhares de vidas com as decisões que tomei, incentivei a produção de respiradores e de máscaras e estamos há semanas de uma vacina. A imprensa foi negativa sobre a pandemia”, afirmou Trump.
Segundo o presidente norte-americano, existe a possibilidade de uma vacina estar disponível nos Estados Unidos até o dia 1 de novembro. “Temos as forças armadas que podem distribuir 200 mil vacinas por dia”, disse ele ao ser questionado pelo moderador sobre o acesso rápido da população norte-americana a uma vacina.
Biden acusou o rival de não ter um plano para a pandemia. “Ele sabia dos perigos da doença desde fevereiro e não agiu. Tem isso gravado. Ele foi alertado e não avisou as pessoas para não gerar pânico. Ele chegou a dizer que tínhamos uma dívida de gratidão com a China e que o presidente Xi [Jinping] estava fazendo um bom trabalho”, afirmou.
“Esse foi o homem que disse que com o verão a doença iria desaparecer e que você poderia injetar desinfetante para melhorar”, acrescentou Biden.
Sobre a vacina, o democrata afirmou que não acredita que as doses estariam disponíveis nos Estados Unidos antes do meio do ano que vem.
ECONOMIA
Talvez o tema de maior interesse dos eleitores norte-americanos, a economia não recebeu devida atenção dos candidatos no primeiro debate presidencial. Trump enalteceu o fato de ter construído a economia mais forte da história dos Estados Unidos, enquanto Biden acusou o rival de forçar uma reabertura econômica em meio à pandemia.
“Construímos a melhor economia da história. Foi duro fechar a economia por causa do vírus, mas devolvemos 10,4 milhões de pessoas ao mercado de trabalho. O país está se recuperando bem”, afirmou Trump. “Quando a bolsa de valores sobre, isso significa mais empregos. Eu trouxe os empregos de volta, não desisti das indústrias norte-americanas”, acrescentou.
Biden, por sua vez, disse que não era possível colocar a economia nos trilhos sem o controle do vírus. “Nós entregamos a você uma economia forte, com milhares de empregos criados e agora estamos em recessão. O governo de Obama herdou uma das piores crises da história. Os empregos aos quais você se vangloria foram criados por nós”, disse.
O democrata apresentou, em linhas gerias, sua proposta para a economia, afirmando que criaria 7 milhões de empregos a mais do que Trump em quatro anos e que geraria mais de US$ 1 trilhão para a economia com a venda de produtos fabricados nos Estados Unidos. Ele prometeu ainda eliminar impostos para algumas empresas e taxar outras empresas com faturamento elevado.
IMPOSTOS
O pagamento de impostos pelos candidatos foi um dos assuntos mais polêmicos do debate, depois que o New York Times publicou uma matéria afirmando que Trump pagou US$ 750 em tributos federais em 2016 e 2017. O presidente norte-americano trava na justiça uma batalha para não apresentar suas declarações de imposto de renda.
Questionado pelo moderador sobre os US$ 750, Trump disse: “Paguei milhões em impostos federais. Você verá assim que a auditoria acabar. Tem um relatório de 118 páginas com tudo o que fiz, com meus ativos, que são ótimos”. “Quando eu era empresário havia leis que nos davam benefícios tributários, créditos que me foram dados pelo governo de Obama”, afirmou ele.
Biden, que horas antes do debate divulgou sua declaração de imposto de renda de 2019, acusou Trump de beneficiar bilionários com cortes de imposto em detrimento aos trabalhadores norte-americanos. “Bilionários e milionários como ele se saíram bem graças aos cortes de impostos. Ele mesmo pagou apenas US$ 750”, disse.
QUESTÃO RACIAL
Após a onda de protestos que tomou conta de várias cidades dos Estados Unidos com a morte de afro-americanos por policiais, a questão racial se tornou um tema central das eleições deste ano no país.
Mais uma vez, Trump usou a lei e a ordem para tratar do tema. “Defendo a aplicação da lei e a ordem. Esses protestos não são pacíficos, as pessoas vandalizam e queimam lojas e carros”, disse. “Os democratas querem nos ensinar que somos um país racista. O racismo não existe neste país”, acrescentou.
Falando em unidade, Biden reconheceu que não há equidade nos Estados Unidos e defendeu o trabalho da polícia. “Não conseguimos equidade, mas nunca desistimos disso. A maioria dos policiais são decentes, mas há maçãs podres que precisam ser retiradas dali. Vou convocar grupos que representem a sociedade para mudar isso e trabalharmos com mais transparência”, afirmou ele, defendendo a responsabilização de oficiais por seus atos.
HISTÓRICO DOS CANDIDATOS
Sob este tema, os candidatos tiveram alguns minutos para falar sobre sua experiência e o que poderiam oferecer para o país. Trump se elogiou, dizendo que era o melhor presidente que os Estados Unidos já tiveram, enquanto Biden ressaltou os pontos fracos do rival.
“Nunca houve um presidente que fez mais do que eu fiz em três anos, apesar da brincadeira do impeachment. Antes da covid-19 éramos a melhor economia da história, tínhamos os melhores dados de emprego, íamos bem”, disse Trump. “Estou reconstruindo as forças armadas e no final do meu primeiro mandato terei 300 juízes em cortes de apelação, talvez três juízes na Suprema Corte e isso é um recorde que poucos conseguiram”, acrescentou.
Já Biden disse que sob a gestão de Trump os Estados Unidos se enfraqueceram, ficaram mais divididos e violentos. “Os bilionários ficaram mais ricos e os pobres, mais pobres. As pessoas têm mais problemas do que antes, os crimes violentos caíram em 15% sob nossa gestão”, afirmou. “O país não pode ficar tão dividido, os militares mortos em guerras não são perdedores, são heróis”, acrescentou.
CLIMA
A questão climática também foi abordada, com Trump dizendo que quer água e ar limpos e Biden defendendo o uso de energia renovável para impulsionar empregos e o crescimento econômico norte-americano.
“O acordo de Paris foi um desastre. China e Rússia poluem o mundo e nós temos que ser o bons moços”, disse Trump. “Acabei com o plano climático de Obama porque estava fazendo os preços da energia subirem e os carros ficaram mais caros”, acrescentou.
Biden, por sua vez, prometeu baixar o custo da energia renovável e substituir a frota federal por carros elétricos. “Nossa economia será
reconstruída com redução de emissões. Podemos zerar as emissões em 2035 gerando empregos bem remunerados. A primeira coisa que farei é voltar ao acordo de Paris”, afirmou.
VOTAÇÃO PELOS CORREIOS
O último tema dos 90 minutos de debate foi a votação pelos correios. Trump retomou a abordagem de fraude no voto à distância, enquanto Biden pediu que os eleitores votem de qualquer maneira para decidir o futuro do país.
“Não vejo problema com os votos solicitados, mas o voto pelo correio é um desastre. Eles estão mandando milhares de cédulas que não foram solicitadas e isso é fraude. Eles mandam das cédulas para uma mesma pessoa, votos serão perdidos por meses. Essa será uma fraude jamais vista”, disse Trump lembrando de casos como o da Virginia, onde cédulas foram enviadas para endereços
errados e em nome de pessoas mortas.
Já Biden reconheceu que muitas pessoas votarão por correio nesta eleição por conta da pandemia e lembrou que o próprio Trump vota à distância. “Trump quer dissuadir as pessoas de votar pelo medo. Vá votar do jeito que for melhor para você, mas não deixe de votar. Se eu perder, aceitaria o resultado, mas Trump já disse que talvez não aceite”, afirmou.