Incerteza fiscal reduz atratividade de títulos longos

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São Paulo – As incertezas sobre a questão fiscal no Brasil levaram o Tesouro a adequar a oferta de títulos públicos em leilão à demanda dos investidores por vencimentos mais curtos e com um prêmio mais elevado. Essa estratégia mantém dúvidas sobre o financiamento da dívida pública nos próximos meses, o que retrai a atratividade de investimento em papéis de longo prazo, ainda que haja uma perspectiva de inflação e Selic maiores no horizonte à frente.

Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, é natural que haja uma mudança de composição e prazo da dívida, considerando-se a preocupação do mercado financeiro com a rolagem dos vencimentos que se aproximam. “O Tesouro tenta entender o que o mercado acha que vai acontecer e (tenta) lidar com isso”, afirma, acrescentando que a estratégia é reduzir o efeito de uma expectativa “não benigna”.

Nesse sentido, não é por acaso que os prêmios de alguns papéis, como LTN (prefixado) e LFT (pós-fixado, atrelado à Selic), ficaram mais altos, o que acabou se refletindo na curva a termo de juros futuros, com as taxas dos vértices mais longos voltando a abrir. “O Tesouro está pagando um preço para administrar essa estratégia e corre risco à frente por não estar conseguindo alongar a dívida”, observa o agente autônomo de investimentos Antenor Leão.

Nem mesmo a perspectiva de um ciclo de aperto monetário combinada com uma inflação mais “salgada” entre 2021 e 2023 alterou a demanda por papéis pós-fixado. “LFT [o Tesouro] não está conseguindo colocar porque a Selic está baixa e aí tem que pagar uma taxa muito alta, de 120% ou 130% do CDI. Por isso, [oferta] lotes pequenos. Mesmo a NTN-B (atrelada ao IPCA), é [com maturidade] curta”, afirma Leão.

Essa concentração grande de vencimentos de curto prazo tem elevado a preocupação do mercado financeiro em relação ao caixa do Tesouro, que tem que garantir recursos para honrar obrigações de quase R$ 650 bilhões que vencem entre janeiro e abril de 2021.”Isso é mais uma pressão para dizer que a situação fiscal está grave, que é preciso avançar com as reformas e manter o ‘teto dos gastos'”, avalia Gonçalves, do Fator.

NO LONGO PRAZO, ESTAREMOS MORTOS

Com isso, a reabertura da janela para leilões e aportes em papéis de prazos mais longos depende de um encaminhamento da pauta fiscal e também de avanços na agenda de reformas. “Essa fase atual de conseguir apenas emitir títulos com prazos mais curtos deve permanecer enquanto não houver sinalização mais contundente de que o ‘teto dos gastos’ será mantido e sem ‘artimanhas'”, avalia o consultor de investimentos, Renan Sujii.

Para ele, a dificuldade do Tesouro em lançar títulos mais longos se acentua com o apoio político incerto do governo no Congresso, os constantes sinais de desgaste da equipe econômica e as polêmicas recentes sobre fontes de financiamento de um novo programa social, como foi o caso do uso de precatórios. “Nesse sentido, a palavra de ordem do mercado financeiro e da indústria de fundos de renda fixa tem sido cautela”, completa.

Além do cenário fiscal doméstico deteriorado e da incerteza econômica global por causa da pandemia, a perspectiva para a taxa básica de juros também deve ser levada em conta. “O risco em investir em títulos longos é muito alto porque a Selic deve subir, mas os papéis [LFT] são contratados com uma taxa menor e aí passam a valer menos, com a taxa básica em alta. Além de ser difícil ver a condição econômica em um horizonte tão a longo prazo”, avalia a economista da Toro Investimentos, Paloma Brum.

O atual cenário da Selic no piso histórico de 2% também reduziu a atratividade dos títulos do Tesouro Direto, resultando na retirada de grandes recursos, com os investidores em busca de maior rentabilidade. “2020 resultou em uma forte saída [dos títulos] com a busca de ganhos no mercado de ações, principalmente, ou com investidor recorrendo à reserva de emergência por causa da pandemia”, comenta o gestor de investimentos da Longea Capital, Alfredo Cunha.

Em meio à baixa rentabilidade das LFTs, Cunha sugere investimentos em títulos de médio prazo, levando-se em conta o perfil do investidor no Tesouro Direto, que é majoritariamente (98%) pessoa física. “Se ainda não há um objetivo de investimento traçado, talvez seja melhor optar por títulos de médio prazo, algum com vencimento em 2026”, comenta o gestor.

Em setembro, os resgates somaram R$ 2,024 bilhões, alta de 24,8% ante setembro de 2019, com a LFT sendo o título com mais saída de recursos. Ainda assim, Paloma, da Toro, avalia que os investidores que querem fugir da poupança devem optar pelo Tesouro Selic, mesmo com baixo rendimento.

Segundo a economista, o foco deve estar no tipo de aplicação e na disposição em manter o título no portfólio. “Se o investidor está com foco na aposentadoria e vai esperar o vencimento desses títulos, as NTN-Bs para 2035 e 2045 estão com um valor melhor e podem ser boas apostas. Ainda assim, é arriscado”, diz Paloma.

Para ela, tanto um prefixado (LTN) quanto uma NTN-B mais longa pode ser atrativo. “Até porque a diferença de rentabilidade entre um [papel com vencimento em] 2026 e um [com vencimento em] 2035 é pequena para ficar tão exposto”, finaliza.