Divisão sobre próximos passos do Fed aumenta após inflação de maio

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São Paulo – O Federal Reserve (Fed) parece ter, finalmente, convencido os mercados de que sua retórica para a inflação tem fundamento e que o salto no índice de preços ao consumidor norte-americano (CPI, na sigla em inglês) em abril e maio é transitório. O curioso, no entanto, é que os economistas passaram a duvidar dessa aceleração temporária e começaram a prever uma mudança de tom do banco central dos Estados Unidos na direção de um aperto monetário nos próximos meses.

A reação dos investidores a alta de 5,0% do CPI em maio em base anual – depois de um salto de 4,7% em abril na mesma base de comparação – foi quase instintiva: os juros dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de dez anos ficaram acima de 1,5% assim que o dado foi divulgado pelo Departamento do Comércio norte-americano, mas voltaram a se acomodar em 1,49%, flertando com a mínima de março, alcançada no fechamento de ontem.

Da mesma forma, o mercado de ações dos Estados Unidos desafiou a maior taxa de inflação do país em quase 13 anos. Os principais índices de Nova York seguem operando em alta, com o S&P 500 renovando recorde após flertar com máxima nas últimas sessões.

A vice-presidente sênior e estrategista-chefe de renda fixa da Schwab, Kathy Jones, lembra que, historicamente, os títulos do Tesouro tendem a acompanhar a inflação porque têm vencimentos curtos e podem ser rolados com frequência à medida que o Fed aumenta a taxa básica.

“No entanto, com o Fed indicando que manterá a taxa básica perto de zero, mesmo com a aceleração da inflação, os investidores podem querer considerar a transferência de alguns títulos do Tesouro para Títulos do Tesouro Protegidos contra a Inflação (TIPS), que são projetados para acompanhar o ritmo da inflação”, afirma Jones.

O TIPS tem uma taxa de cupom fixa, mas recebe um ajuste no valor principal com base na  inflação. Embora a taxa de cupom permaneça fixa, o pagamento do cupom sobe com o aumento do principal.

“Isso proporciona o benefício de um fluxo de renda diretamente ligado à inflação e o potencial para um principal maior no vencimento em um ambiente de inflação acelerando”, acrescenta Jones.

Desde março do ano passado, o Fed mantém a taxa de juros na faixa entre zero e 0,25% ao ano e realiza compras de títulos do Tesouro e lastreados em hipotecas, hoje no ritmo de US$ 120 bilhões ao mês.

No entanto, a reabertura econômica acelerada graças ao processo rápido de vacinação contra a covid-19 somada aos estímulos federais tem provocado uma disparada da inflação nos Estados Unidos, alimentando a crença de que o banco central será forçado a retirar parte de sua política de dinheiro fácil antes do previsto.

Muitos membros do Federal Reserve, incluindo o presidente Jerome Powell, vêm reforçando que essa aceleração da inflação está ligada a fatores transitórios da reabertura econômica como o descompasso entre a oferta e a demanda, e que o apoio monetário ainda é necessário porque o processo de recuperação de incerto.

Uma prova dessa teoria é o mercado de trabalho que, junto com a inflação em 2,0% ao ano, faz parte do mandato duplo do banco central norte-americano. Apesar de sinais de recuperação, a criação de vagas segue muito abaixo das expectativas. Em abril, a economia dos Estados Unidos gerou 278 mil postos de trabalho ante uma projeção de 1 milhão e em maio foram abertas 559 mil vagas, abaixo da estimativa de 663 mil dos analistas consultados pela CMA.

Esses dados trouxeram algum conforto aos mercados, que entenderam que a política acomodatícia do Fed continuará em vigor até que haja a recuperação substancial na direção das metas de pleno emprego e estabilidade de preços – a premissa do banco central para uma mudança de postura.

Mas os dados de inflação de hoje colocaram mercado e economistas em lados opostos. Muitos passaram a prever que a alta de 0,6% do CPI de maio em base mensal e de 5,0% em termos anuais levará o Federal Reserve a mudar sua linguagem em um futuro próximo.

Para o economista sênior da Capital Economics para os Estados Unidos, Andrew Hunter, o novo salto no núcleo do CPI para o maior nível em 28 anos, a 3,8% em maio, foi novamente impulsionado pelo mesmo punhado de categorias mais diretamente afetadas pela suspensão das restrições ao novo coronavírus. Ele, no entanto, vê sinais de pressões inflacionárias emergentes em outros setores, incluindo custos de habitação e preços de restaurantes, o que sugere que nem toda a pressão atual de alta sobre a inflação será transitória.

“Em um momento no qual a escassez de oferta está colocando pressão ascendente sobre o crescimento dos salários de forma mais geral e contribuindo para uma tendência ascendente contínua nas expectativas de inflação de longo prazo, a pressão ascendente nesses outros setores parece muito menos provável de ser transitória e pode começar a se tornar mais difundida. Embora a inflação deva desacelerar no próximo ano, conforme os efeitos de base enfraquecem e parte da pressão de alta sobre os preços nos setores afetados pela pandemia diminuem, esperamos que o núcleo da inflação permaneça acima da meta do Fed”, disse Hunter.

A economista da CIBC Economics, Katherine Judge, levanta o mesmo questionamento sobre a transitoriedade da aceleração da inflação nos Estado Unidos após os dados de CPI de maio divulgados hoje. Segundo ela, embora os números anuais estejam sendo impulsionados pela comparação com as fracas leituras do ano anterior, e o salto da inflação tenha sido antecipado pelo Fed, mesmo ao retirar os efeitos de base comparando o índice com fevereiro de 2020, o núcleo da inflação está acima de 2,0% em uma base anual.

“Esta leitura levanta questões sobre o que poderia ser principalmente temporário e relacionado a questões da cadeia de abastecimento, mas pode começar a ser incorporado às expectativas de inflação. Por enquanto, ainda vemos o Fed aguardando até o terceiro trimestre de 2022 para sua primeira alta de juros devido às evidências de um aperto no mercado de trabalho”, afirmou Judge.

Somando tudo, o economista chefe internacional do ING, James Knightley, projeta que a  inflação nos Estados Unidos ficará acima de 4,0% até primeiro trimestre de 2022, com chances mínimas de o núcleo da inflação ficar abaixo de 3,0% até o segundo trimestre do ano que vem.

“O Fed provavelmente continuará a falar sobre a inflação transitória na reunião da próxima semana, mas com dúvidas começando a surgir entre vários membros do Fed, suspeitamos que a Conferência de Jackson Hole no final de agosto poderia ser muito interessante. Isso pode significar uma mudança na linguagem que realmente abra as portas muito mais para um anúncio de redução da compra de ativos em dezembro”, afirma Knightley.