Reforma tributária pode trazer impacto negativo de até 15% no lucro de empresas

Na avaliação de analistas, propostas do governo como o fim do JCP e taxação de dividendos devem afetar principalmente bancos, teles e a Ambev

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São Paulo, 28 de junho de 2021 – A segunda fase da reforma tributária, cuja proposta foi apresentada pelo governo na última sexta-feira (25), pode ter impacto relevante para as empresas se for aprovada como está, com bancos, empresas de telecomunicações e de consumo, como a Ambev, entre as que mais devem ser prejudicadas. De acordo com cálculos de analistas do BTG Pactual, Credit Suisse e XP Investimentos, medidas propostas como o fim dos juros sobre capital próprio (JCP) podem levar a impactos negativos de até 15% nos lucros.

“Estimamos que seus rendimentos [de bancos e teles] cairiam em cerca de 5% e 9%, respectivamente, em 2023. A Ambev é outra grande pagadora de JCP que irá sofrer se a legislação for aprovada”, disseram os analistas Carlos Sequeira e Osni Carfi, do BTG Pactual, em relatório.

No caso da Ambev, a previsão do BTG é de impacto negativo de 15% nos seus rendimentos, considerando que a companhia não mude a sua estrutura de capital.

Os estrategistas da XP Investimentos, Fernando Ferreira e Jennie Li, também destacam que as empresas que mais se utilizam do benefício do JCP no Brasil são as empresas do setor financeiro (bancos, B3 e seguradoras) e do setor de telecomunicações, além de elétricas, empresas do setor de bens de consumo (Ambev, Hypera), algumas varejistas (Magazine Luiza, Renner, Via, Raia Drogasil, Pão de Açúcar, Carrefour Brasil), locadoras, e alguns shoppings (Multiplan).

“Várias dessas empresas poderiam ter impacto nos seus lucros superior a 10% com o fim do JCP, o que seria parcialmente compensado pela redução do IRPJ [Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas] em 5% em 2023”, disseram, em relatório.

A XP lembra que o JCP, como é conhecido esse benefício no Brasil que existe desde 1995, possibilita que as empresas deduzam essa distribuição paga aos seus acionistas como uma despesa, o que acaba por reduzir o lucro tributável delas. Já os dividendos são pagos com base no lucro líquido, e não permitem serem deduzidos como despesas.

EFEITOS POSITIVOS

Por outro lado, na avaliação do BTG Pactual, as empresas que não fazem pagamentos de JCP devem ver seus ganhos aumentarem devido à redução da taxa de imposto. A previsão é que empresas de infraestrutura, aluguel de automóveis, bens de capital, petróleo e gás e agronegócio devem ver seus rendimentos crescerem entre 6% e 8% em 2023.

“Ainda assim, mesmo que algumas empresas vejam seus ganhos aumentarem, seus acionistas vão provavelmente receber menos dividendos”, lembram, porém, os analistas.

Outra medida proposta pelo governo é a tributação dos dividendos em 20%, o que já vinha sendo discutido. Com isso, o banco prevê que as empresas podem optar por priorizar recompras de ações em vez de distribuições em dinheiro, o que produziria virtualmente o mesmo efeito para os acionistas que os dividendos.

Também pode ser possível ver empresas, especialmente aquelas com estruturas de capital ineficientes, alavancando seus balanços para reduzir o seu lucro tributável. Outra hipótese prevista é que com a redução de pagamentos de dividendos, as empresas reinvistam uma parte maior de seus ganhos, o que poderia elevar o apetite por fusões e aquisições.

BANCOS

Os analistas do Credit Suisse fizeram outros cálculos especificamente para as empresas do setor financeiro. No caso dos grandes bancos do setor privado, veem um potencial impacto negativo nos lucros variando de 3% a 4% e ainda pior para os bancos públicos, de 7% a 8%.

Para a Itaúsa, projetam impacto negativo de 3,9% no resultado, já que a economia como PIS/Cofins seria mais do que compensada por ganhos reduzidos do Itaú Unibanco e tributação sobre dividendos recebidos, mas não distribuídos. Para a Porto Seguro, por sua vez, estimam impacto negativo de 4,6% devido ao impacto do fim da dedutibilidade da JCP.

Já as seguradoras BB Seguridade e Caixa Seguradora, que pagam apenas dividendos, terão impacto positivo nos lucros, com 3% para a BB Seguridade e 6,6% para a Caiza Seguridade em 2023. Para a B3, o Credit Suisse vê o impacto da reforma como neutro.

AMBEV

No caso da Ambev, os analistas Thiago Duarte e Henrique Brustolin, do BTG Pactual, destacam que a reforma tributária pode afetar a empresa em até R$ 17,5 bilhões. Porém, avaliam que mudanças na sua estrutura de capital poderiam minimizar impactos negativos.

Eles afirma que desde 2014, a Ambev economizou em média R$ 1,9 bilhão por ano no pagamento do imposto de renda devido à maior distribuição de JCP, valor que foi potencializado pela unificação das classes de ações e o aumento correspondente na base de capital da Ambev (que é usada para calcular a distribuição máxima de JCP).

“Sob a estrutura atual, estimamos que a Ambev poderia continuar economizando cerca de R$ 2,5 bilhões por ano em impostos se maximizar a distribuição da JCP enquanto continuar pagando 100% do lucros/ fluxos de caixa daqui para frente. Isso agora deve deixar de existir, mas seria parcialmente compensado pela redução de 5 pontos percentuais da taxa do imposto de renda. Combinado, nós estimamos que o impacto negativo tem um VPL [valor presente líquido] de R$ 17,5 bilhões (R$ 1,1 / ação), ou 6,5% de capitalização de mercado atual”, afirmaram.

A avaliação é que a extinção do benefício fiscal poderia fazer com que a Ambev justificasse um ajuste na sua estrutura de capital. “Portanto, a Ambev poderia argumentar que agora precisa de mais endividamento para otimizar sua estrutura de capital. No entanto, como a Ambev tem poucos usos alternativos por sua enorme geração de fluxo de caixa, a melhor maneira seria pagar dividendos extraordinários antes da implementação da lei ou recomprar de ações”, explicaram ainda.

Os analistas do Credit Suisse também estimam um impacto significativo para a Ambev, com efeito negativo líquido de R$ 0,80 por ação no VPL da empresa diante do possível fim do JCP.

“De acordo com nossos cálculos, esperamos um efeito negativo de R$ 2,2 por ação decorrente da eliminação do JCP, do qual a AmBev praticamente economizou cerca de R$ 2 bilhões em média nos últimos seis anos, a serem parcialmente compensados imposto de renda proposta”, afirmou a analista Marcella Recchia, em relatório.

Em termos de impactos nos lucros, a estimativa é que as mudanças podem implicar em um declínio de 15% e 10% no lucro por ação em 2022 e 2023, respectivamente.

Assim como o BTG, porém, a analista do Credit Suisse também afirma que como uma empresa de caixa líquido, a Ambev poderia aumentar a sua dívida e alavancar sua estrutura de capital como forma de mitigar impactos negativos, ou ainda transferir os retornos para os acionistas por meio de recompras de ações, o que acredita que seria mais bem recebido pelo mercado.

SETOR ELÉTRICO

No caso de empresas do setor elétrico, os analistas do Credit Suisse também consideram que algumas empresas podem considerar mudar a estrutura neste novo cenário, absorvendo algumas subsidiárias para melhorar a alocação de investimentos em caso as mudanças venham a afetar negativamente o fluxo de caixa. No entanto, ressalta que “as mudanças provavelmente não serão fáceis”.

Os analistas ainda veem tradicionais pagadoras de dividendos, como Taesa e AES Brasil, podendo se tornar menos atraentes para acionistas.