São Paulo- Duas palavras classificam a Bolsa brasileira, a B3, em 2022: volatilidade e incerteza. Essas definições estão em meio à deterioração da economia global com choque da inflação, aperto monetário principalmente nas maiores economias do mundo, Estados Unidos e Europa, guerra entre Rússia e Ucrânia, eleições presidenciais no Brasil e as preocupações com o crescimento da China diante da política de covid zero.
Felipe Leão, especialista da Valor Investimentos, explicou que o ano de 2022 apresentou volatilidade semelhante à de 2021. “Um movimento constante na vida do investidor nesses últimos anos por conta da crise sanitária, guerra [entre Rússia e Ucrânia] e eleições”.
Ricardo Leite, head de renda variável da Diagrama Investimentos, afirmou que o ano foi de incertezas tanto no ambiente doméstico como externo. “Podemos dizer que as incertezas no mercado interno vieram com a expectativa das eleições presidenciais, em outubro, fazendo o mercado questionar como será a política fiscal do próximo governo e, também no mercado externo, com impacto de uma política contracionista para conter a inflação global e o tamanho da recessão que isso iria causar”.
Pelo segundo ano consecutivo o setor de commodities teve um desempenho positivo, principalmente na primeira metade do ano, pela resiliência que se costuma apresentar em momentos conturbados, desta vez com a guerra na Ucrânia. “No meio do ano, tivemos o início de uma rotação para outros setores, incluindo o de consumo, mas essa rotação foi interrompida devido às incertezas do tamanho da recessão para os próximos períodos”, afirmou.
Leão comparte da mesma opinião que Leite sobre a performance das commodities. “A gente teve esse choque no primeiro semestre por conta da guerra e isso impactou principalmente os óleos e, no final do ano, a gente começou a ver uma possível sinalização da China em aquecer novamente o mercado e o minério será o principal beneficiado”.
Mas não acredita que houve uma rotação de commodities para consumo e ao contrário. O especialista da Valor Investimentos disse que no início do ano teve um crescimento de saída do setor de consumo discricionário-mais sensível ao ciclo econômico-, principalmente, para companhias de maior valor, um movimento mais orgânico. “O investidor estava procurando aquelas empresas mais resilientes, que passariam por ambiente mais hostil economicamente e que são líderes de seus mercados”.
Na ponta negativa, os setores que mais sofreram no ano passado foram os ligados à economia doméstica, como o setor de consumo, em meio aos juros altos, com forte dependência de acesso ao crédito e grande parte do valuation dessas empresas tem uma taxa de crescimento de longa duração. Empresas de varejo como Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Americanas S.A. (AMER3) foram fortemente impactadas.
2023: Bolsa pode ganhar o tri em volatilidade
A palavra de ordem na Bolsa em 2023 continuará sendo volatilidade por conta de um cenário de inflação alta e preocupação com o risco fiscal no Brasil, de acordo com o head de renda variável da Diagrama Investimentos e o especialista da Valor Investimentos.
“Será um ano de grande volatilidade até que fique claro para todos como será a condução econômica do próximo governo, principalmente uma proposta de um novo arcabouço fiscal, com um equilíbrio entre crescimento e responsabilidades sociais, livre de somente ações populistas, devemos ver um apetite a risco bem escasso pelo menos durante todo o primeiro semestre do próximo ano.”, disse Leite.
Felipe Leão, especialista da Valor Investimentos, enfatizou que o aumento da incerteza fiscal deverá ser avaliado nos primeiros trimestres de 2023, já que a Bolsa está barata e deve seguir nesse patamar. No último comunicado do Copom, a autoridade monetária mencionou que manterá vigilante em relação à questão fiscal.
“Se olharmos o indicador Preço por Lucro (P/L), está em torno de 6.7 vezes lucro, sendo que a média histórica era 11 vezes o lucro, mas é necessário fazer o stock picking ou seja analisar as empresas que está comprando. O cenário impacta no curto prazo, então quem está querendo escolher boas empresas, vai ter de procurar mais e fazer a entrada com ‘timing’ melhor e algumas empresas podem ser beneficiadas”. Ele acrescentou que 2023 continuará sendo o ano das commodities.
Conforme já sinalizado pelo mercado, a taxa básica de juros deve seguir acima dos dois dígitos por conta do temor fiscal, levando os investidores a migrarem de ativos mais voláteis como ações para os livres de risco como de renda fixa.
“Em 2023 devemos ver as empresas ainda bem descontadas em relação aos pares globais, porém só devemos ver um possível rali de alta com sinalizações concretas de investimento no setor produtivo”, ressaltou Leite.
Ricardo Leite, head de renda variável da Diagrama Investimentos, disse que as projeções para a Bolsa para 2023 dependem muito de uma conjuntura ainda incerta e mostra três panoramas possíveis.
O Ibovespa deve atingir entre 115 e 120 mil pontos em um cenário com um governo mais ponderado, em que haja possibilidade de diálogo com todos os setores produtivo e social, onde encontre fontes de receita com reformas estruturais a fim de financiar custos extras e outros projetos além do Bolsa Família e proposta de um novo arcabouço fiscal.
Em um mais cenário pessimista, em que “poderemos ver um aumento da expectativa de juro futuro, o que deve derrubar a Bolsa para baixo dos 90 mil pontos se o governo adotar mais uma vez uma política mais heterodoxa, sem projetos reformistas, sem arcabouço fiscal contundente, com aumento da dívida pública e crédito para consumo”.
Já em um mais otimista e “pouco provável se acontecer”, a Bolsa atingiria o patamar entre 125 e 130 mil pontos no final de 2023 se houvesse proposta de reformas estruturais, política fiscal controlada, projeto de arcabouço fiscal forte gerando alta credibilidade nos agentes econômicos e o governo promovendo diálogo e seguindo as diretrizes dos agentes produtivos, disse o head de renda variável da Diagrama Investimentos.
Apesar de manter o modo cauteloso em 2023, os analistas da XP Investimentos, em relatório, visualizam que a Bolsa pode atingir os 135 mil pontos no final de próximo ano. “Temos uma visão um pouco mais cautelosa em relação à Bolsa brasileira, como um todo em 2023, dado os riscos de uma recessão global, bem como dúvidas das políticas a serem seguidas no Brasil, que podem levar a uma pressão nas taxas de juros de mercado, bem como nas taxas de câmbio. Por isso, a seleção de ações bem-feita deverá ser mais importante que nunca”.
Já André Luzbel, head de renda variável da SVN Investimento, estima que os próximos quatro anos devem ser difíceis para as small caps-empresas com menor valor de mercado- porque “os juros vão permanecer altos e empresas pequenas precisam de crédito para crescer; empresas grandes e geradoras de caixa como Bradesco, Vale, Itaú não precisam de crédito porque geram tanto dinheiro que conseguem financiar o próprio crescimento e as small caps não; “a vida não está fácil para elas [small caps]”.
Luzbel lembrou que nos primeiros dias de 2022, os estrangeiros entraram com força na B3, a alta na Bolsa foi forte, então o analista chama a atenção para “monitorar como será a movimentação dos gringos no início de 2023″.
E ele aposta que 2023 será um ano bom para as commodities, setor financeiro, que ganha com os juros altos e empresas ligadas à infraestrutura por conta da inflação um pouco mais elevada e possibilidade de privatizações da Sabesp, Copel, Cemig”.