PERSPECTIVA: Disputa entre EUA e China e as consequências para a economia global

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A guerra dos chips, disputa tecnológica e comercial entre Estados Unidos e China pelo domínio no mercado de semicondutores, é o grande conflito recente entre as duas maiores potências econômicas do planeta. Os chips são o coração da indústria atual.

“O setor de microchips é parte da chamada indústria de bens intermediários, que funciona como uma espécie de base para todo o setor industrial, uma vez que fornece insumos tanto para a produção de máquinas e equipamentos, chamados bens de capital, quanto para boa parte da cadeia de eletrodomésticos, eletroeletrônicos e automóveis, que constituem o grupo de bens de consumo duráveis”, explica o economista da CM Capital, Matheus Pizzani.

A interrupção ou redução na sua produção pode até aumentar a inflação de bens industriais como um todo, “algo enfrentado em diversas ocasiões durante a pandemia, tendo em vista o surgimento de forte desequilíbrio entre oferta e demanda em diversas etapas da produção industrial”, reforça Pizzani.

Desde o ano passado, os Estados Unidos dificultam o acesso dos chineses a chips desse tipo, que Pequim ainda não fabrica. Os chineses, por sua vez, dão promessas de integrar o Brasil com uma parceria no campo após a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, em abril.
“Dado o modelo atual de produção do setor industrial, que é fundamentado em cadeias globais de produção, considerando um caso de gravidade extrema, a medida implementada pelos Estados Unidos tenderia a se traduzir inicialmente em problemas no setor industrial de países especializados”, acrescenta Pizzani.

Efeitos no Brasil

A disputa comercial entre Estados Unidos e China tem gerado impactos significativos em diversas economias ao redor do mundo, e o Brasil não fica imune a esses efeitos. Além disso, a escassez de semicondutores, essenciais para a produção de chips e tecnologias avançadas, vem ampliando os desafios enfrentados pela indústria e economia brasileiras.

Com a escassez de semicondutores, observamos um aumento significativo nos preços smartphones, computadores, videogames, carros modernos, entre outros produtos no mercado brasileiro. “A produção enfrenta dificuldades devido à oferta limitada, resultando em um processo de oferta e demanda que inevitavelmente eleva os preços ao consumidor final”, diz Carlos Honorato, professor da FIA Business School.

O país depende das importações desses componentes vitais para o desenvolvimento tecnológico de seus setores industriais. No entanto, a disputa acirrada entre as duas potências pode direcionar os esforços de produção e consumo para o mercado interno, o que dificulta a disponibilidade dessas tecnologias para países estrangeiros, como o Brasil.

“A consequência disso é um possível aumento nos preços dos semicondutores importados e, mais do que nunca, a necessidade de investir em tecnologia e inovação interna para minimizar os impactos negativos”, observa Honorato.

Disputa dólar x iuane

Outra disputa que vem tomando corpo é a substituição do dólar enquanto moeda de troca internacional pelo iuane, a moeda da China. Os exemplos são vários: as negociações na bolsa chinesa de Dalian são feitas na moeda do país, a Argentina usa o iuane como moeda internacional, na falta do dólar. O Brasil também deve usar a moeda no comércio com a China. A Rússia defende a moeda chinesa. A Índia já começa a fazer algumas negociações.
O iuane pode substituir o dólar? “A moeda está assumindo um protagonismo cada vez maior. Mas ainda há muita insegurança sobre seu uso. Se esse fluxo continuar, ela será cada vez mais aceita e um ativo cada vez mais seguro”, afirma Marcelo Cursino, gerente de estratégia comercial do Braza Bank.

O uso do iuane também permite acesso a mercados pouco explorados, que não utilizam o dólar como moeda de troca. “Na negociação direta entre os países, você mitiga o risco de sofrer sanções, como está acontecendo com a Rússia”.

O iuane tem potencial de se fortalecer em questão de alguns anos, mas a substituição total da moeda americana pela chinesa é considerada hipotética e não necessariamente positiva. “Hoje temos a dependência do dólar. Passar a ter uma dependência de uma outra moeda também tem o seu lado
ruim, porque se fica ‘refém’ da política, dos mecanismos do país emissor, por exemplo”.

Afastamento deve prejudicar chineses em produção e ganho de mercado

O afastamento entre China e Estados Unidos deve custar caro para ambas as nações, prejudicando, principalmente, os chineses. Para especialistas, a economia do país está sendo afetada devido à dependência em semicondutores de fora.

“O desejo do presidente chinês Xi Jinping de aumentar o controle estatal de setores-chave e aumentar a autossuficiência em meio a ameaças externas irá pesar no crescimento da produtividade a longo-prazo”, afirma a conselheira sênior global do Capital Economics, Vicky Redwood.

De acordo com ela, a economia chinesa busca cada vez menos dependência do Ocidente, o que deve aumentar as restrições a produtos de fora, principalmente em relação à tecnologia. “Os esforços para desenvolver alternativas nativas provavelmente serão bem-sucedidos em algumas áreas. Mas a tarefa é imensa em setores-chave de preocupação, como semicondutores: a cadeia de suprimentos é dominada pelos Estados Unidos e países alinhados com eles”, explica ela.

Redwood conta que a China tem tentado aumentar a autossuficiência nessa área desde o lançamento do projeto Made in China 2025 em 2015, mas o progresso tem sido lento. Devido às tensões com o Ocidente também, “a capacidade do setor exportador de continuar ganhando participação no mercado global foi limitada”.

Isso vem causando pouco retorno dos empréstimos dados às empresas, o que parece estar levando a economia do país à chamada “recessão de balanço”, quando todo dinheiro é revertido ao pagamento de dívidas e não ao investimento.

Reportagem de Darlan de Azevedo, Larissa Bernardes, Vanessa Zampronho e Julio Viana. Edição: Vanessa Zampronho / Agência CMA