Por Julio Viana
São Paulo – A reestruturação da dívida da Argentina – que por enquanto é parcial e baseada no adiamento de pagamentos tem grandes chances de evoluir nos próximos meses para algo semelhante ao calote anterior do país, quando o governo decidiu pagar apenas parte do que devia na forma de novos títulos de dívida.
“O crescimento baixo deixará a consolidação fiscal mais desafiadora, aumentando as chances de um desconto substancial na dívida do setor público”, disse o Itaú BBA em um relatório publicado ontem. “Além disso, o nível baixo de reservas estreita a janela para um acordo com credores antes do descumprimento do serviço da dívida”, acrescentou.
A situação da Argentina, que já vinha enfrentando dificuldades para recuperar o crescimento econômico e controlar a inflação, piorou em 11 de agosto, quando ocorreram as eleições primárias no país, conhecidas como Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso).
O resultado mostrou que a chapa da oposição, formada por Alberto Fernández e a ex-presidente Cristina Kirchner, derrotou a do atual presidente, Mauricio Macri, por 15 pontos percentuais de diferença. Embora o resultado da Paso sirva apenas para afunilar os candidatos que concorrerão de fato na eleição de outubro, analistas apontaram que seria muito difícil para Macri reduzir esta diferença nas urnas.
O resultado foi que, no dia seguinte à eleição, uma segunda-feira, o mercado entrou em pânico, com a bolsa caindo cerca de 30% e o dólar disparando, atingindo 61 pesos argentinos em dados momentos. Os investidores temiam as potenciais consequências econômicas de um governo bem menos liberal que o de Macri, assim como o efeito disso sobre a capacidade da Argentina para pagar as próprias dívidas.
A piora das condições financeiras da Argentina deixou a situação com ares de profecia autorrealizável. Dias depois do resultado das Paso, o governo argentino anunciou que adiaria o pagamento de 85% das dívidas públicas de curto prazo com investidores institucionais.
No total, essa dívida é de US$ 15 bilhões – uma fração dos mais de US$ 101 bilhões que o país está devendo, sendo parte disso referente ao programa de empréstimos de US$ 56 bilhões que o país possui com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para os analistas, a mudança na data de pagamento aos credores institucionais apenas adia a tomada de uma decisão mais drástica.
“O default na Argentina irá seguir dois caminhos: ou o da reestruturação da dívida por completo com apoio do FMI ou um default completamente caótico sem o apoio do FMI”, disse Edward Glossop, economista da Capital Economics para mercados emergentes e especializado na Argentina.
Para ele, é provável que tanto Macri quanto Fernández aceitem quaisquer condições que o Fundo Monetário Internacional (FMI) propuser para a reestruturação da dívida – e o histórico do órgão é exigir que os detentores de dívida aceitem reduções no valor nominal dos títulos – os chamados “haircuts”.
“Fernández é mais moderado que [Cristina] Kirchner, embora ela já tenha criticado o órgão algumas vezes”, afirma ele. “Além disso, caso Fernández ganhe e realize a reestruturação, por mais difícil que ela seja, ele sempre poderá culpar Macri pela complicada situação herdada por ele”.
Caso o apoio do FMi seja descartado, quem quer que seja o presidente da Argentina precisará “queimar toda reserva de câmbio não só para conter a desvalorização do peso como também para pagar os investidores estrangeiros”, afirma Glossop. Isso arruinaria em pouco tempo a economia do país, tornando a situação “uma moratória instável”.
As agências de classificação de risco também consideram que há risco crescente de perdas aos credores. A Moody’s, por exemplo, considera que as perdas devem chegar a 20%, levando em consideração a atual nota de crédito do país (Caa2). Um prejuízo maior do que esse com a renegociação das dívidas levaria a um novo rebaixamento da Argentina.
“É provável que as negociações [sobre a dívida] se estendam para o próximo governo, cujos objetivos ainda não estão claros, disse a Moody’s no final de agosto. “Há um forte viés de perdas esperadas nas negociações futuras e elas dificilmente serão menores do que os níveis consistentes com o rating ‘Caa2’, e podem ser maiores”, afirmou.
RESTRIÇÕES
Além das últimas decisões feitas por Macri de leiloar reservas para conter a desvalorização do peso, o presidente também adotou o controle de câmbio no país. Dentro da medida, pessoas físicas podem comprar até US$ 10 mil por mês e empresas precisam pedir permissão ao Banco Central para vender pesos, adquirir moeda estrangeira e fazer transações.
A medida foi criticada pela população e pelo mercado, pois a prática era comum durante o governo de Cristina Kirchner e representa uma das maiores medidas intervencionistas feitas no país. “Ele precisou fazer isso para conter o máximo possível da moeda dentro da Argentina, impedir que ela escape”, afirmaram os analistas da consultoria Synopsis.
“O controle de capital pode prejudicar fortemente a economia argentina em longo prazo”, afirma Glossop. “Embora ele contenha de alguma forma o dólar até as eleições de outubro, ele afasta os investidores estrangeiros e abre portas para a prática caso o governo de Fernández tenha interesse em aplicá-la”, afirmou ele. Fernández vem de uma ala da política favorável ao uso desse tipo de intervenção, por isso a probabilidade de que a prática continue é alta.
“Empresas teriam dificuldade de arrecadar investimentos e o mercado paralelo de dólares surgiria, o que acabaria com as chances do governo de instituir uma política monetária estável dentro do país”, conclui Glossop.
Edição: Gustavo Nicoletta (g.nicoletta@cma.com.br)