Piora na percepção fiscal deve manter taxas DI em alta por meses, dizem analistas

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São Paulo – O noticiário econômico no Brasil está repleto de especulações sobre o cumprimento ou não da meta fiscal desde o começo do governo, mas piorou depois que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que foi decidido “empurrar” a meta de déficit zero para 2025, complementando que para 2024, o governo tem projeção de déficit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).

A piora da percepção fiscal ocorre à medida que o mercado está desesperançoso quanto ao cumprimento dessas metas mas, também, está atrelada ao adiamento do início do ciclo de afrouxamento monetário por parte do Fed, o que eleva os juros dos Treasuries (títulos do Tesouro norte-americano), impactando os DI. Por último, mas não menos importante, a emergência climática no Rio Grande do Sul, cujas consequências ainda não podem ser calculadas, tem feito economistas atualizarem suas contas diariamente, preocupados com o impacto fiscal que o total de recursos destinados pela União ao estado devastado pode causar.

Na leitura do estrategista-chefe Jefferson Laatus, quando se fala em juros, é essencial que se olhe para além do continente americano – para a China. “Com a China crescendo, acaba puxando o Brasil também e a gente não está vendo acontecer: a China não está crescendo e não está estimulando.”

Ele entende que o país asiático está, como o resto do mundo, aguardando que os Estados Unidos e a Europa comecem a cortar juros para fazer mais estímulos para a economia lá, principalmente no setor imobiliário.

O problema é que, quanto mais o tempo passa – e mais dados são divulgados – mais o Fed protela o início do ciclo de afrouxamento, e alguns especialistas já descartaram cortes nas taxas em 2024. “Apesar do mercado acreditar que pode ser que tenha dois cortes, a gente não está acreditando nisso, justamente porque, apesar da inflação estar desacelerando, ainda está longe dos 2% [meta de inflação nos EUA] que é o que o Banco Central busca.”

Laatus entende que o cenário tem deixado os dirigentes do Fed sem confiança para cortar juros. “Houve uma última leva de dados um pouco melhores, Payroll mais fraco, PPI sendo revisado para baixo, inflação ao consumidor um pouco mais fraca, mas ainda não o suficiente para motivar os dirigentes do Banco Central norte-americano a cortar juros.”

Segundo ele, provavelmente em junho o Banco Central Europeu (BCE) deve começar a cortar os juros, o que deve ocasionar uma fuga natural de capital da Europa, conhecido flight to quality, direto para os Estados Unidos, que voltam a sinalizar que devem manter os juros altos por mais tempo do que o mercado esperava. “Isso tende a fazer o dólar e a curva de juros em países emergentes subir também”, explica.

Essa espera pelo início do ciclo de corte pelo Fed elevou os Treasuries e, como consequência, a curva DI. “Essa tendência deve continuar até que se tenha uma clareza quanto ao ciclo de afrouxamento monetário dos EUA”, avalia o estrategista de renda fixa da BGC Liquidez, Daniel Leal.

Com os Estados Unidos e sua economia aquecida no centro do debate ao longo do primeiro trimestre, naquele momento, o anúncio da mudança da meta fiscal foi concomitante à outra época complicada da economia global. “Casou com o pior momento do mercado externo também, os juros e o câmbio aqui dentro passaram a underperformar os pares. O mercado passou a duvidar do compromisso fiscal do governo”, lembra Laatus.

“A gente tem confiança que vai ter um déficit zero em 2025. Era para ter déficit de meio por cento, mas vamos ter déficit zero. O Haddad ainda continua tentando aumentar a arrecadação, mas no momento de baixa popularidade do governo, no momento de difícil articulação entre o legislativo e o executivo, essas metas do Haddad estão cada vez mais distantes.”

Os juros têm reagido a cada notícia ou percepção de piora fiscal, e esse movimento deve continuar nos próximos meses, na visão do especialista. “Hoje a curva de juros está próxima dos maiores níveis do ano, sendo impactadas pelos Treasuries, expectativa de Selic Terminal mais alta e preocupação fiscal”, resume o estrategista-chefe da Laatus.

Para ele, essa soma de fatores inviabiliza a continuação do corte de juros por parte do Banco Central Brasileiro. “O mercado enxerga que mais dois cortes de juros esse ano vai ser muito. A maior possibilidade é da gente terminar com os juros em 10,5%, justamente por todas as questões internas e externas”, avalia. “Tudo isso acaba ainda fazendo que a taxa Selic termine o ano acima de dois dígitos, e não muito distante desses 10,5% que é a taxa atual.”

CRISE CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL

A despeito de todos esses fatores que pesam para o mercado, no final de abril, fortes chuvas desaguaram sobre todo o estado do Rio Grande do Sul, afetando 2,3 milhões de pessoas, deixando mais de 650 mil pessoas desabrigadas, 161 mortas e 85 desaparecidas.

O impacto das inundações no Rio Grande Sul para a economia brasileira ainda não pode ser mensurado, porque abarca diversos fatores mais complexos, como a questão da inflação dos alimentos, por exemplo.

“Não é possível saber quando a devastação do Rio Grande do Sul pode impactar o IPCA (Indice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Contudo, como o maior impacto deve ser em 2024 e o BC já começa a olhar como horizonte relevante 2025”, explica Leal. “E já esperamos uma Selic terminal mais alta, em razão do cenário externo e da percepção de piora fiscal.”

“O mercado está sendo compreensivo com a necessidade do gasto com a reconstrução do RS, contudo, está bastante atento à possibilidade do governo ou do Congresso incluir outras medidas de gasto aproveitando o projeto de lei que autoriza o auxílio ao estado gaúcho.”

Para a planejadora financeira Ana Paula Carvalho, da AVG Capital, os juros e taxas DI devem ser impactadas negativamente pela crise climática no Rio Grande do Sul. Na opinião da especialista, que também é sócia da AVG Capital, além do governo ainda não ter dimensão real do tamanho do problema, ainda há lugares em que a água nem sequer baixou e outras cidades que ainda estão sendo inundadas.

Ana Paula relata que alguns estudos mostram que se o governo for conservador terá gastos na de aproximadamente 0,4% do PIB ou R$48,4 bilhões, e caso o governo seja mais atuante tais gastos podem superar os R$100 bilhões.

“Independente da forma como o governo vai atuar, a despesa será muito superior ao que foi anunciado inicialmente e impactará negativamente a dívida pública”, avalia.

“Todos esses fatores contribuem para as incertezas com relação ao cenário fiscal e de inflação, tais riscos estão embutidos na curva de juros e a depender do que vier pela frente podem até deteriorar as expectativas de taxas futuras”, conclui.