Bandeira vermelha pode pressionar inflação às vésperas do Copom

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São Paulo – O cenário doméstico e global é desafiador para os juros e taxas DI. Além das incertezas quanto às taxas de juros dos Estados Unidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) e consequente impasse quanto à Selic, os dados domésticos parecem solicitar vigorosamente que a taxa de juros seja elevada, sob risco de pressão inflacionária.

O consultor econômico da Remessa Online, André Galhardo, acreditava desde o início do ano que a inflação chegaria ao fim de 2024 perto da meta [3% ao ano] – mas chegou a ressalvar que esta hipótese estaria condicionada à ausência de reajustes nas tarifas de energia elétrica. Contudo, diante das crescentes queimadas nas áreas verdes do País e estiagem mais severa do que o projetado, no início da semana a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) confirmou um aumento temporário nas contas de luz, que durante o mês de setembro terão bandeira tarifária vermelha, patamar 1.

“O impacto do aumento da energia elétrica sobre o Indice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) será de cerca de 0,23% [alguns analistas falam em até 0,50%], e, caso essa elevação não seja compensada pela continuidade do processo de deflação nos alimentos e por uma eventual redução dos preços dos combustíveis, a meta de inflação para 2024 pode estar em risco”, retifica.

Além da bandeira vermelha, o PIB do segundo trimestre mostrou crescimento de 1,4% na atividade econômica do período, entregando os números que o BC não esperava.

O economista avaliou que esses dois elementos são bastante importantes na construção do cenário, na medida em que os membros do Copom deixaram de fornecer um guidance na última comunicação, argumentando que a instituição assumira postura de dependência dos dados. “O que os dados estão dizendo é que talvez um aumento de juros seja necessário”, lastima.

Apesar da visão otimista que ele acreditava guiar suas projeções de Produto Interno Bruto, Galhardo diz que só fez duas revisões das projeções do PIB para esse ano. “De 2,2% para 2,5% há duas semanas e de 2,5% para 3,1% hoje com os dados do PIB” diz.

Transição de comando do BC e patamar da Selic

Na última semana o presidente Lula oficializou o nome de Gabriel Galípolo, economista e mestre em Economia Política pela PUC de São Paulo.

Na leitura de Galhardo, “o mercado exigiu que ele tivesse essa postura mais conservadora”, porque atrelou a habilidade de pensar, avaliar e ponderar as questões postas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) de forma técnica a essa postura hawkish, com falas mais duras no decorrer dos eventos dos quais participara e isso acabou trazendo mais tensão ao mercado.

“Ele estava tendo uma postura muito mais dura que a necessária como que para provar que ele pode ter uma postura técnica dentro do Copom. O mercado, então, começou a traçar as piores projeções, mesmo com a Selic já estando em um patamar bastante elevado. Foi uma postura que o próprio mercado exigiu, e saiu pela culatra, porque ele chegou a mexer bastante com o dólar”, aponta.

“O Galípolo tem de adotar um tom moderado. Não tem de ficar fazendo discurso duro para comunicar para o mercado – pela milésima vez- que ele é um diretor comprometido com a inflação.

Se o Campos Neto não está dando guidance, não tem motivo para ele fazer isso. A reunião é daqui alguns dias – e mesmo passada a reunião de setembro, não tem por que adotar essa postura. O nível de exigência com o Galípolo vai ser sempre muito alto porque ele foi indicado por este governo… Então, resta a ele ter serenidade.”

Na avaliação de Galhardo, o mercado financeiro brasileiro tem reagido de forma desproporcional.

Ele citou o dissenso que houve entre os diretores do BC na reunião de maio deste ano, que deixou o mercado alvoroçado. “Votações divididas, a priori, não querem dizer discordância. Os diretores de ambos os lados possuíam argumentos bastante sólidos para cada uma das interpretações”, esclarece.

“O BC precisa trabalhar para emitir um comunicado que não dê margem para muitas
interpretações diferentes, porque isso causa volatilidade. Mesmo que o Galípolo continue tentando passar a ideia de alinhamento com Campos Neto, o BC precisa moderar um pouco o tom, esperar um pouco para ver.”

Plano de voo do Fed

Além do índice de preços de gastos com consumo (PCE) – medida preferida do Federal Reserve (Fed) para aferir a inflação – ter acelerado frente ao dado anterior, a recente divulgação da pesquisa Jolts mostrou o número mais baixo de postos de trabalho abertos desde março de 2021. “Que história esse número conta? Que a economia norte-americana continua desacelerando”, explica.

O especialista ressalta ainda que seria prudente que o Fed iniciasse os cortes de forma moderada a fim de ganhar confiança para os cortes mais sólidos em novembro ou dezembro. “Meu cenário é corte de 0,25 p.p. agora, outro em novembro, e o corte de 0,50p.p. só em dezembro – aí com muito mais tranquilidade e muito mais segurança de aplicar um processo de normalização da política monetária, de redução de juros de forma mais intensa, mais contundente.”

Segundo ele, o pano de fundo é o conflito no Oriente Médio. Riscos ligados tanto a esta, quanto à guerra no leste europeu têm jogado luz à questão do petróleo, que é fator de peso no cálculo e expectativa de inflação. “O mercado tem subdimensionado a inflação global – Inclusive nos Estados Unidos, que é muito mais sensível”, alerta.

Na avaliação de Galhardo, o preço do barril Brent está muito baixo. “Embora a Magda Chambriard, presidente da Petrobras, tenha dito que está confortável com os preços brasileiros, essa queda recente do preço do barril de petróleo – e um câmbio um pouco mais controlado, menos volátil -, poderia abrir caminho para a Petrobras reduzir o preço dos combustíveis no Brasil.”

Para ele, uma queda do preço combustível agora – se amparada pela redução do preço do barril de petróleo no mercado internacional – seria muito bem-vinda.

Se o Copom subir a Selic e o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) cortar na reunião de setembro, diminui o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos. Ele explica que deverá haver então, uma valorização dos juros de curto prazo, “mas deve ser um movimento breve, que deve durar pouco tempo”.

“A gente tem todos esses elementos que operam como protagonistas: troca de comando do BC, questão do oriente médio, desaceleração do Estados Unidos, além da questão fiscal aqui”, conclui o especialista.

Reportagem: Camila Brunelli

Edição: Paulo Holland