São Paulo – O ex-ministro da Saúde Nelson Teich disse que deixou a pasta por discordar do uso da cloroquina no tratamento da covid-19 e depois de perceber que o presidente Jair Bolsonaro pretendia passar por cima das diretivas do Ministério da Saúde em prol do uso do medicamento.
“No final eu percebi ao longo daquele período [do mandato] que não teria autonomia necessária para conduzir da forma mais correta”, disse Teich à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura erros e omissões do governo no combate à pandemia.
Segundo o ex-ministro, Bolsonaro manifestou que desejava ampliar o uso da cloroquina no tratamento da covid-19 em algumas conversas, e disse que discordou do presidente porque não havia evidência técnica da eficácia do medicamento contra a doença.
“A minha saída foi porque não tinha autonomia para implementar aquilo que eu achava que era certo. Todas as coisas que levavam a esse conceito tiveram peso, mas especificamente a razão essencial eu precisava de autonomia e precisava de liderança”, afirmou.
O ex-ministro disse que decidiu pedir demissão após uma sequência de manifestações de Bolsonaro em prol do uso da cloroquina. De acordo com Teich, na semana em que pediu exoneração, “teve fala do presidente onde fala que ministro tem que estar afinado, cita meu nome especificamente. Na véspera, pelo que vi, teve reunião com empresários em que ele fala que medicamento [cloroquina] vai ser expandido. À noite tem live onde coloca que espera que no dia seguinte vá acontecer isso, que vá ter expansão do uso. E no dia seguinte peço minha exoneração”, afirmou.
Teich acrescentou que esta sequência de eventos “mostrou que não teria autonomia” no Ministério da Saúde. “O desejo específico [para a saída] foi pela ampliação do uso da cloroquina. Isso era um problema pontual, mas isso refletia uma falta de autonomia e uma falta de liderança”, afirmou.
NOMEAÇÃO DE PAZUELLO
Teich disse à CPI que foi o presidente Jair Bolsonaro quem indicou Eduardo Pazuello para ser secretário-executivo do Ministério durante o período em que comandou a pasta, mas que foi ele quem tomou a decisão de nomeá-lo.
“Foi indicado para mim pelo presidente. Embora não tivesse experiência em saúde, eu contava que, sob minha orientação, ele executasse de forma adequada o que fosse definido na minha estratégia. Conversei com ele, ouvi o que tinha para falar, me pareceu que naquele momento em que precisava ter agilidade muito grande na parte de distribuição, para ajudar ali, problema que tinha de EPI, respiradores, poderia atuar bem”, afirmou.
“O fato de ter sido nomeado não significa que ele iria continuar caso não performasse bem”, acrescentou Teich. Depois da exoneração de Teich, Pazuello foi quem assumiu o Ministério da Saúde.
CONSELHEIROS PARALELOS
O ex-ministro da Saúde Teich disse não se lembrar da presença de filhos do presidente em reuniões entre ele e o presidente Jair Bolsonaro na época em que ele comandava a pasta. “Eles poderiam estar ali, mas não tiveram nenhuma interferência nas reuniões. Não lembro. Se estavam na reunião não foram pessoas que tiveram participação ativa, senão eu lembraria”, afirmou.
Ele foi questionado sobre o assunto porque seu antecessor, Henrique Mandetta, disse ontem que houve ocasiões em que os filhos de Bolsonaro participaram de reuniões do governo federal e que o presidente parecia ter um aconselhamento paralelo ao do Ministério da Saúde em relação à pandemia de covid-19.
Assista abaixo a audiência de Teich na CPI: