Aperto regulatório é parte de estratégia de longo prazo da China

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São Paulo – O recente aperto regulatório em andamento na China, em especial a empresas de tecnologia, é parte de uma estratégia do país visando a um crescimento econômico mais sustentável no longo prazo, além de competir pela liderança global, de acordo com analistas consultados pela Agência CMA.

Pequim tem aumentado restrições ao setor de tecnologia em questões como segurança de dados e práticas anticompetitivas, impondo uma multa multibilionária à Alibaba Group, e voltando-se também para empresas listadas nos Estados Unidos, como Didi, e ao setor educacional, como New Oriental e Tal Education.

“O governo não está dando as costas às empresas chinesas, mas quer que elas operem sob seus termos. As medidas recentes visam a cimentar a autoridade do Partido Comunista e alcançar os objetivos sociais globais de Pequim”, disse o economista da Focus Economics, Oliver Reynolds.

Segundo o economista, o presidente da China, Xi Jinping, sinalizou o desejo de se afastar dos dias de liberdade do passado, que viram empresas de tecnologia como Alibaba e Tencent se tornarem colossos corporativos com supervisão limitada do governo.

“Com suas recentes ações, Pequim deixou claro que todas as empresas estão subordinadas e devem contribuir para seus próprios objetivos, que incluem distribuir a riqueza de forma mais equitativa, enfrentar problemas sociais, como altos custos de moradia e educação, e tornar a economia mais autossuficiente e independente dos Estados Unidos”, afirmou Reynolds.

Para o estrategista global do Rabobank, Michael Every, não se trata de restrições voltadas especificamente a empresas chinesas ou estrangeiras. “Trata-se de ideologia e economia política e da forma desejada de sociedade chinesa”, disse ele.

“A China está vendo uma mudança secular em direção à centralização e orientação estatal por meio de repressão/regulamentação em certos setores, redistribuição de riqueza e uma meta de prosperidade comum”, disse Every. “Em termos de objetivos de longo prazo, é sobre uma economia de dupla circulação mais estável, mais centralizada, mais igual, mais ‘produtiva’, em um sentido marxista”, acrescentou.

A economista chefe para a China continental do ING, Iris Pang, destacou que o objetivo principal de Pequim é impor regulações que já deveriam ter sido impostas, mas foram atrasadas para o crescimento do setor de tecnologia.

“Essas regulamentações devem tornar o crescimento do setor mais sustentável. Por exemplo, a privacidade dos dados dos usuários deve ser respeitada e mantida com cuidado”, afirmou ela. “Os regulamentos também estabeleceriam uma referência para empresas estrangeiras que entram no mercado chinês”.

Na sexta-feira passada, o principal órgão legislativo da China aprovou a lei de proteção de informação pessoal – a primeira do país – e que deve entrar em vigor em 1 de novembro, exigindo que qualquer organização ou indivíduo que lide com dados pessoais de cidadãos deve minimizar a coleta de informações e obter consentimento prévio.

Pequim também identificou 43 aplicativos, incluindo o Weixin, da Tencent, por violar as regras de dados de usuários. Reguladores haviam notificado anteriormente outros aplicativos, incluindo o da ByteDance.

Em abril deste ano, Pequim impôs uma multa recorde de US$ 2,8 bilhões ao Alibaba Group por obrigar os fornecedores a vender exclusivamente em sua plataforma de comércio eletrônico, impedindo-os de utilizarem plataformas rivais.

Além disso, os reguladores da China lançaram uma investigação de segurança de dados à Didi Global em julho, e impediram que seus negócios na China adicionassem novos usuários, dias após a empresa, sediada em Pequim, abrir capital na Bolsa de Nova York e levantar cerca de US$ 4,4 bilhões.

Uma nova política para proteger a infraestrutura de informações críticas está prevista para entrar em vigor em 1 de setembro, e reguladores têm alertado que empresas com planos de realizar oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) no exterior devem obedecer às leis chinesas e abordar as preocupações de segurança cibernética.

A China também anunciou medidas no mês passado para conter o crescimento do setor de reforço escolar depois das aulas, gerando fortes de vendas de ações como as das empresas New Oriental Education & Technology e Tal Education.

RISCO REGULATÓRIO

O risco regulatório não é novidade na China, e em democracias ocidentais as empresas também estão sujeitas a decisões do governo e consequentes intervenções em suas operações. Ainda assim, as recentes medidas adotadas por Pequim causaram desconforto entre investidores no mercado acionário.

“A abordagem imprevisível e dispersa das medidas recentes assustou os mercados talvez mais do que o conteúdo em si. Pequim não deixou claro o escopo da revisão regulatória em andamento, ou o ponto final preciso que está buscando, o que deixa os investidores se perguntando qual setor ou empresa será o próximo na mira”, disse Reynolds, da Focus Economics.

“Nas democracias ocidentais, tais mudanças de política seriam normalmente sinalizadas com bastante antecedência e envolveriam algumas idas e vindas nas legislaturas nacionais, permitindo que os mercados avaliassem os riscos com mais clareza”, acrescentou o economista.

Segundo Every, do Rabobank, “os mercados ignoraram que a China é e sempre foi uma economia do pensamento Marx-Lenin-Mao-Deng-Xi Jinping, não apenas um mercado emergente”.

O estrategista reconheceu que o risco regulatório existe em toda parte, mas geralmente acontece em torno de uma eleição nas democracias ocidentais, “sem mudanças estruturais que atingem setores inteiros da noite para o dia, e sem perspectiva de uma eleição ou lobby para reverter isso no futuro”.

As analistas do Société Générale, Wei Yao e Michelle Lam, destacaram que o governo da China está desenvolvendo uma estratégia de longo prazo, e que as intervenções regulatórias são consistentes com as diretrizes gerais que moldam o modelo que crescimento do país na próxima década e meia.

“Reformas para aumentar a produtividade da economia real e promover renda e igualdade social estão ganhando impulso. A tempestade regulatória direcionada à big Tech e EdTech faz parte dessa tendência”, segundo as analistas, em relatório.

“Consistente com o 14º Plano Quinquenal, que se concentra na qualidade do crescimento e na sustentabilidade, os formuladores de políticas estão intensificando os esforços para redefinir o ambiente econômico e do mercado de capitais a fim de canalizar recursos para o avanço tecnológico e inovação, a transição verde e mais progressiva distribuição de riqueza”, afirmaram.

O presidente chinês, Xi Jinping, expressou em uma reunião do Politburo no início de agosto as direções das políticas para o segundo semestre do ano. “A principal delas é a autossuficiência de tecnologia”, disse Pang, do ING, citando que a prevenção de riscos financeiros também chama atenção.

Xi Jinping também destacou durante uma reunião do Comitê Central de Finanças e Economia do país na semana passada a necessidade de regular e ajustar lucros “excessivamente altos” e “irracionais” e encorajar indivíduos e empresas a “devolver mais à sociedade”. A reunião teve como objetivo promover a “prosperidade comum” e “prevenir riscos financeiros”.