Apesar de onda de IPOs, custos e burocracia ainda são desafios

Especialistas apontam que melhorias levariam à entrada de mais empresas e investidores no mercado; IPOs custam quase 5% do valor distribuído

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São Paulo – Embora o mercado de capitais brasileiro viva um bom momento para ofertas de ações, que devem bater seu recorde histórico este ano, os custos elevados, a burocracia e a dificuldade para acessar informações ainda impedem que mais empresas façam ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês), principalmente as de menor porte, e que mais investidores participem desse movimento.

Do lado das empresas, especialistas sugerem que o mercado seria beneficiado por uma melhoria de processos, com redução de burocracias e avanços na regulamentação, de modo a permitir a entrada de fundos e companhias com propósito especial de aquisição (spacs, na sigla em inglês), que levantam recursos por meio de uma oferta pública inicial para adquirir um negócio e viabilizar sua abertura de capital, por exemplo.

“Nos Estados Unidos, existem fundos de IPO e spacs (special purpose aquisition companies), que são empresas que arrecadam dinheiro para comprar pequenas empresas e listá-las ou participar de ‘mini IPOs’ que acontecem no mundo todo. É um mercado que virou uma febre. Isso acaba dando liquidez para empresas muito menores, avaliadas em US$ 20 milhões de ebitda ou até menos, que conseguem abrir capital. Enquanto, no Brasil, uma empresa de R$ 100 milhões de ebitda não consegue”, comentou André Rosenblit, diretor da Santander Corretora. “É mais fácil vender uma empresa de R$ 10 bilhões do que uma empresa pequena, há muita preocupação com a liquidez”, acrescentou.

Em relação aos custos, a média do percentual dos custos com ofertas públicas em relação ao valor distribuído é de 4,9% para IPOs, de 3,4% para ofertas subsequentes (follow ons) e de 3,5% para follow-ons realizados pela Instrução CVM 476 (com esforços restritos), segundo estudo realizado pela Deloitte em setembro do ano passado, com base nos prospectos definitivos de ofertas públicas realizadas no Brasil, de janeiro de 2004 a maio de 2020.

A maior parte dos custos para a abertura de capital é composta por comissões de colocação, coordenação, garantia de liquidação e incentivo, entre outras, seguido por despesas com auditores, advogados e publicidade. Cerca de 80% dos gastos de uma empresa no processo de IPO são com custos relacionados a comissões e 20% com as outras despesas. No caso dos follow-ons a proporção fica de 82% para comissões e 18% em despesas, informa a consultoria.

Após realizar um IPO, as companhias de capital aberto também precisam arcar com custos para a manutenção de sua operação. No entanto, esses custos são compensados por diversos benefícios, como maior visibilidade no mercado, melhoria de controles e processos de governança e oportunidades de captar recursos financeiros mais facilmente e com menor custo, diz a Deloitte.

Ainda que não seja tão comum no Brasil, o IPO pode ser uma alternativa para empresas menores, na avaliação da Reach Capital.

“Acredito que companhias menores também aproveitam o IPO como uma maneira de conseguirem crescer e se defender no seu segmento, já que em vários setores também têm ocorrido consolidação, com aquisições e fusões”, afirmou o analista da Reach, Pedro de Marco.

Já para Victor Bueno, analista de investimentos da Top Gain, ainda que o IPO seja uma forma interessante de captar recursos e crescer, pode ser complexo para algumas empresas. “Os Estados Unidos têm um mercado mais eficiente e menos burocrático. Temos muito a evoluir nessa parte de processos e a CVM está buscando isso para atrair mais empresas”, afirmou.

Em 8 de julho, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concluirá uma consulta pública iniciada em março, com o objetivo de reformular as regras das ofertas públicas, incluindo ofertas de ações. Entre os pontos em discussão, por meio de três minutas, estão o novo regime proposto para ofertas públicas, que inclui a necessidade ou a dispensa de registro das ofertas junto à autarquia, os ritos a serem seguidos para o registro das ofertas, as etapas necessárias para a condução da oferta e os deveres dos agentes envolvidos, e as informações a serem prestadas aos investidores, dentre outros aspectos.

Uma segunda minuta trata do registro de intermediários de ofertas públicas, algo inédito no âmbito do arcabouço regulatório vigente e que pode permitir maior flexibilidade para os regimes de ofertas públicas, em muitos casos dispensando a análise prévia por parte da CVM. E, por fim, uma terceira minuta, que propõe ajustes de redação em outras normas vigentes, harmonizando-as ao novo regime de ofertas públicas proposto pela consulta.

VALE A PENA INVESTIR?

No entanto, os especialistas ressaltam que é preciso cuidado antes de o investidor decidir entrar em um IPO, principalmente com o excesso de empresas indo ao mercado.

“A próxima OGX pode já estar entre nós. É preciso tomar cuidado para não comprar uma empresa que só está na promessa, que só vai ter resultados daqui a muitos anos, por exemplo”, pontua o analista da gestora Reach Capital, em referência à empresa de Eike Batista, que fez centenas de investidores perderem dinheiro na Bolsa.

Ele explica que na Reach Capital, por exemplo, preferem adotar política não entrar em IPOs a princípio, abrindo exceções para companhias sobre as quais já têm mais dados e análises mais completas, caso da Raízen, que analisam por ser uma joint venture da Shell com a Cosan, que já está na B3.

Para Bueno, da Top Gain, muitos investidores acabam não entrando nos IPOs devido à falta de histórico da empresa, já que os prospectos em geral contam a história dos últimos três anos.

“Um fator importante no IPO é olhar o setor, riscos cambiais. O setor é importante para mostrar o quanto a empresa pode movimentar. A Mosaico, por exemplo, que é do setor de tecnologia, movimentou 100% quando entrou. É importante ver o histórico, mesmo que curto, se a empresa teve crescimento de lucro, ebtida, dívida e olhar no prospecto a destinação dos recursos, por que muitas empresas entram na bolsa para pagar dívidas e não buscam crescimento, aumento de participação”, explica.

Ele também cita o caso da Havan, que buscou um valuation de R$ 100 blhões e tinha sua imagem muito atrelada ao seu dono, que tem posicionamentos polêmicos e pode influenciar no desempenho das ações, e um modelo de negócio muito ligado ao varejo físico. Da mesma forma, a Smart Fit, que foi impactada pela pandemia e pode estar endividada, mas pode se beneficiar do avanço da vacinação.

“Tem que olhar o que impacta a geração de caixa futura da empresa e a destinação dos recursos (à reabertura, ao crescimento da empresa…). Setores como educacional, eventos, turismo, estão voltando a crescer ou têm uma boa perspectiva por conta da vacinação e isso também pode impulsionar IPOs como o da Smart Fit”, completa.

No caso de grandes empresas como a Raízen, o analista considera que a avaliação estava muito alta, em torno de R$ 130 bilhões, e agora a empresa já está aceitando algo em torno de R$ 100 bilhões, enquanto, no caso da CSN Cimentos, vale colocar na balança os passivos no balanço da CSN e as movimentações recentes neste setor, que está bastante aquecido.

“Quem busca IPO busca diversificação e não vê muitas opções na bolsa para diluir os riscos em sua carteira. São investidores com perfil de moderado a arrojado, que buscam mais diversificação, aceitam mais risco e vêem o potencial do mercado. O investidor vai olhar quanto ele consegue ter de retorno com o menor risco, então, é preciso olhar caso a caso, cada prospecto, para tomar as melhores decisões”, finaliza.

Edição: Danielle Fonseca (daniele.fonseca@cma.com.br)