São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro deve conseguir apoio suficiente no Congresso para aprovar reformas econômicas importantes por causa da crise fiscal que aponta no horizonte e da fraqueza no mercado de trabalho, que tornam inadiáveis medidas para estimular as contratações e atrair investimentos. Esse apoio, porém, não virá sem custos e exigirá negociação, principalmente depois de desdobramentos recentes na Câmara.
Levantamento feito pela Eurasia no início de julho apontava que Bolsonaro possuía na Câmara dos Deputados 236 congressistas que podem ser considerados como a base do governo. O bloco da oposição teria 130 deputados, e sobrariam 147 outros que a consultoria considerou “independentes”, no sentido de não pertencerem a nenhum dos dois outros grupos.
O bloco majoritário, portanto, seria de apoio ao governo e já incluiria os deputados do chamado “centrão”, mas representa apenas 46% dos assentos na Câmara e também é pequeno demais para garantir os 308 votos necessários para a aprovação de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) – formato no qual devem ser apresentadas as principais propostas de reforma econômica no Congresso.
Além disso, como aponta a Eurasia, o “centrão” historicamente não dá ao governo a segurança de que precisa no Congresso, porque embora tenha demonstrado disposição para apoiar o governo na maioria das votações desde o início de 2019, houve momentos em que o bloco votou contra o governo para pressionar o Planalto.
“A maioria dos membros do centrão se alinhou ao governo mais de 80% do tempo, inclusive para reformas econômicas essenciais, como a da Previdência, aprovada em julho [na Câmara]”, porque os líderes de partido têm interesse próprio no avanço destas medidas. Mas em outros casos, houve divergência.
“Em junho de 2019, setembro de 2019 e abril de 2020, o centrão estava se estranhando com Bolsonaro, tentando assumir o controle direto de recursos do orçamento, ou votando contra posicionamentos do governo para pressionar o presidente e obter mais recursos”, afirmou a Eurasia, citando a votação em meados do ano passado de um projeto de lei na Câmara que prevê dinheiro público para a construção de gasodutos.
Vale mencionar que do ano passado para cá o Planalto desistiu da estratégia original de negociação com o Congresso – baseada em acordos com bancadas temáticas – e passou a usar mais amplamente as táticas do que Bolsonaro considera ser a “velha política” – negociação direta com líderes partidários e congressistas e nomeação de indicados dos partidos para cargos de confiança no Executivo.
A mudança de postura ficou mais escancarada depois do primeiro mês da pandemia do novo coronavírus no Brasil, quando pipocaram novos pedidos de impeachment contra o presidente, alguns deles referentes à forma como Bolsonaro lidou com a crise. A partir dali o Planalto nomeou indicados políticos para cargos de segundo escalão no governo, mesmo sem apoio oficial de nenhuma sigla representada no Congresso.
As negociações nos bastidores tiveram desdobramentos visíveis. No início de julho Bolsonaro trocou as vice-lideranças do governo na Câmara dos Deputados e excluiu o Democratas do grupo, assim como o Partido Liberal (PL), enquanto ganharam espaço o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que não fazia parte do colegiado, e o Podemos, que passou a ter dois assentos.
Nesta semana, o Democratas e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) decidiram deixar o centrão. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), argumentou que o bloco havia sido desenhado da forma como era antes por interesse dos partidos em ter mais participação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) e que, como a comissão não se reuniu ainda por causa da pandemia, não fazia sentido manter o mesmo desenho.
A separação também está relacionada à disputa de poder dentro da Câmara. O deputado Arthur Lira (PP-AL), que lidera o centrão, tem interesse em se candidatar ao comando da Casa no ano que vem, e aproveitou a janela de aproximação com o Planalto aberta neste ano para fortalecer sua posição, ajudando a fazer a ponte entre o Executivo e os deputados interessados nos cargos oferecidos.
O divórcio, porém, complicará a articulação política do governo. Juntos, MDB e Democratas detêm 63 assentos na Câmara, o que reduz o tamanho do centrão liderado por Lira para 158 deputados – menos que os 221 que a antiga coalizão abarcava.
DEFINIÇÃO
As próximas semanas podem ser decisivas em termos de consolidação da base do Planalto no Congresso e de demonstração desta força. Um dos sinais de que o processo de reformulação foi concluído seria a substituição dos líderes do governo no Congresso e no Senado – Eduardo Gomes (TO) e Fernando Bezerra (PE), ambos senadores do MDB – por políticos mais alinhados ao bloco de Lira -, ou até mesmo na Câmara, onde a batuta ainda está com o deputado Vitor Hugo (PSL-GO).
O outro – menos provável – seria algum partido formalizar o apoio ao Planalto, algo que até agora não foi feito e só deve ocorrer caso Bolsonaro abra a possibilidade de nomeações para o primeiro escalão do governo ou se a popularidade do presidente continuar aumentando nos próximos meses – pesquisa da XP/Ipespe mostrou que, depois de bater um piso de 25% em meados de maio, a taxa de aprovação do governo Bolsonaro chegou a 30% este mês, 10 pontos porcentuais abaixo do nível observado no início de 2019.
Antes de qualquer uma dessas coisas, porém, pode ser que a nova base passe por um teste de fogo para comprovar sua eficácia – uma sessão para apreciação de vetos no Congresso Nacional. A análise dos vetos vem sendo adiada há meses por falta de acordo, e uma vez agendada serviria de termômetro sobre o poder que o Executivo de fato exerce entre os deputados e senadores.
A sessão para análise de vetos foi adiada primeiro por causa das votações emergenciais relacionadas à pandemia de covid-19, mas depois pela dificuldade de um acordo político capaz de limpar a pauta.
Os vetos mais antigos na fila são os que foram aplicados ao chamado Pacote Anticrime, proposto originalmente pelo antigo ministro da Justiça Sergio Moro e transformado em lei em 24 de dezembro do ano passado.
Neste caso, a polêmica foi pelo não veto do dispositivo que cria a figura do juiz de garantias e evita que o magistrado que decide sobre as investigações também julgue o réu. Moro havia recomendado o veto, mas o presidente Bolsonaro ignorou a recomendação. Havia acordo entre Congresso e governo para remover o dispositivo.
No entanto, também houve vetos polêmicos ao mesmo projeto – como o aplicado ao dispositivo que exigia a apresentação de pessoas presas ao juiz de garantias em até 24 horas.
Outro veto que enfrenta resistência é o que foi aplicado sobre um dispositivo do PL 1066/2020 – transformado na lei 13.982 -, que concede a quem tem renda de até meio salário mínimo o direito de receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a partir de 1 de janeiro de 2021.
O BPC é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Outro veto, este criticado pelo setor empresarial, eliminou uma carência de oito meses que havia sido prevista nos financiamentos obtidos via Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) programa que foi recentemente ampliado pelo Senado, e cuja ampliação agora depende do aval da Câmara dos Deputados.
OPOSIÇÃO
Os partidos de oposição oferecem diversas críticas às propostas de reforma apresentadas pelo governo, apesar de haver convergência sobre a necessidade de mudanças. “Eu diria que temos pautas em comum, mas que encaminhamentos destas pautas são bastante divergentes neste momento”, afirmou o deputado Enio Verri, líder do Partido dos Trabalhadores (PT), que detém o maior número de assentos na Câmara.
“Sem dúvida nenhuma o pós-pandemia implica reformas e será necessário fazer reformas, mas implica também uma crise econômica jamais vista no mundo capitalista, no Brasil maior ainda. Isso de maneira nenhuma implica por exemplo em redução de tamanho do estado, ou então do papel do estado. Neste sentido, temos divergências enormes com a reforma administrativa, por exemplo”, acrescentou.
No caso da reforma tributária, que deve ocupar o palco central do Congresso nos próximos meses, a oposição chegou a apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) alternativa à PEC 45, escolhida como o texto de referência dos deputados para o debate.
Alguns dos pontos da PEC alternativa devem ser contemplados separadamente da reforma – como a transformação do Fundeb em um mecanismo permanente – e outros são defendidos publicamente pela equipe econômica do Planalto – entre eles a retomada da cobrança de imposto de renda sobre dividendos e a simplificação de impostos. Outro ponto em que pode haver convergência é a tributação sobre a renda – tanto o governo quanto a oposição são a favor de desonerar pessoas com renda mais baixa e repassar o custo para quem tem renda maior.
No lado dos pontos de tensão está o aumento da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos – algo que a oposição quer, mas que não encontra respaldo no governo – e a desoneração da folha de pagamentos – que a oposição deseja fazer via aumento nos impostos sobre patrimônio e a equipe econômica do Planalto pretende fazer via cobrança de um imposto sobre transações financeiras.
Verri ressalta que outro projeto em que a pauta é semelhante, mas o método é diferente, é a questão da renda básica. “Não tem como nessa crise toda não ter uma garantia de renda para a população. Guedes fala em garantir renda mensal, mas acabando com as outras. Nós entendemos que tem que ter uma renda a partir do conceito do Bolsa Família ampliado, porque tem modelo, análise histórica, um checklist para ser preenchido para que pessoa tenha acesso a ele.”
VELOCIDADE DAS REFORMAS
Outro elemento que pode atrapalhar a votação das reformas no Congresso é o funcionamento em modo de contingência que Senado e Câmara adotaram por causa da pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19.
“Enquanto estivermos em sessões remotas nada de complexo será fácil de ser votado. Não acredito em nenhuma articulação para votação complexa sem que as comissões permanentes voltem a ser presenciais. Então estamos aguardando a volta presencial para retomar isso”, disse Esperidião Amin (PP-SC), líder no Senado do bloco composto pelo Partido Progressista (PP), o MDB e o Republicanos, que representa 21 dos assentos da Casa.