Após turbulência com PEC de transição, renúncia de Mantega reduz queda da Bolsa

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São Paulo – A Bolsa fechou em queda recuperando boa parte das perdas após a renúncia do ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, Guido Mantega, à equipe de transição melhorando o humor do mercado no final dos negócios. Mas o dia foi de forte pessimismo na Bolsa com o mercado reagindo mal à PEC da Transição apresentada na véspera pelo vice-presidente Geraldo Alckmin ao Congresso.

A proposta deve passar por ajustes, mas os investidores estão apreensivos com o descumprimento com a responsabilidade fiscal por parte do governo eleito e à espera do anúncio da equipe econômica.

O principal índice da B3 caiu 0,49%, aos 109.702,78 pontos. O Ibovespa futuro com vencimento em dezembro perdeu 0,28%, aos 110.215 pontos. A mínima no interdiário atingiu 107.245,13 pontos. O giro financeiro foi de R$ 41,5 bilhões. Em Nova York, as bolsas fecharam em queda.

Janson Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, disse que o mercado melhorou depois que o Guido Mantega renunciou à equipe de transição. “Foi uma boa notícia dado todo o histórico negativo do Mantega frente ao governo Dilma”.

Costa comentou que o destaque do dia foi a PEC da Transição em que o mercado não gostou e impactou em todos os ativos. “Foi uma tentativa frustrada de colocar uma PEC tão grande no orçamento, agora é preciso entender os próximos desdobramentos e tirar os riscos do mercado, não temos visibilidade, ainda não sabemos quem é o ministro da Economia e parece que o Lula gosta de ficar brincando com o que ele acha versus mercado financeiro”.

André Luzbel, head de renda variável da SVN, disse que as falas do governo eleito sobre gastos sem nenhum compromisso foram sentidas diretamente na curva de juros e deram o tom no mercado esta semana. “O estrangeiro tem mexido com a Bolsa sinalizando que até aceita trazer dinheiro para o Brasil comprando título público para financiar o governo, mas vai exigir juros muito maior que anteriormente, a curva de juros mostra uma possibilidade de aumento de juros mesmo com controle da inflação”.

Fica claro que quando os DIs sobem todos os ativos de renda variável são reprecificados. “Juros altos impactam as small caps e as empresas endividadas, como as de varejo”. Luzbel ressaltou que o mercado deve continuar estressado “enquanto o governo eleito não tiver um discurso cauteloso em relação aos gastos públicos”.

E acrescentou que alguns gestores tentaram minimizar o impacto das falas do Lula e acreditam que “a PEC vai ser refeita, em parte, para ser mais aceitável pelo mercado”.

Acilio Marinello, coordenador do MBA em Digital Banking da Trevisan Escola de Negócios, disse que a Bolsa apresentou leve melhora devido aos rumores de que a proposta da PEC da Transição “deve ser mais debatida e deve sofrer novos ajustes”.

Marinello, no entanto, afirmou que o formato da PEC apresentado na véspera “pode levar a um descontrole da dívida pública, deixando de lado as boas práticas do teto de gastos”.

Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, disse que o mercado está apreensivo com o novo governo eleito devido ao tratamento em relação ao fiscal e sem a perspectiva de nomes da equipe econômica. “O problema não é só a PEC da Transição; a questão é entender como o próximo governo vai lidar com o fiscal uma vez que eles [o PT] já têm histórico de lidar com o fiscal de forma diferente, com uma política mais expansionista sem olhar para o fiscal e sem olhar para onde vai”.

Velloni enfatizou que “a PEC é uma ancoragem já gerando uma expectativa no futuro em cima do fiscal.

Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos, disse que uma combinação do cenário externo com o ambiente interno faz a Bolsa operar no negativo.

“A China volta a preocupar com os novos casos de covid, o que pode impactar o crescimento global, inflação na zona do euro que embora dentro das expectativas ainda está alta em 10,6% e vemos que o banco central europeu errou muito na política monetária da região e vai ter de manter doses sucessivas de aumento de juros, Reino Unido tomando medidas para conter os picos inflacionários e nos Estados Unidos, o Fed ainda vai ter de continuar com aperto monetário, tensão geopolítica e aqui o nosso doméstico está bem complicado em que o novo governo vem fazendo uma sucessão de erros em sua comunicação”.

Bertotti disse que o discurso do Lula vem piorando e passa para o mercado irresponsabilidade fiscal. “Fala-se em rompimento de teto de gastos em R$198 bilhões em Bolsa Família, trazendo isso em forma permanente, investimentos fora do teto; os estrangeiros olham muito a ancoragem fiscal e a participação deles em Bolsa tem sido instável”.

O economista-chefe da Messem Investimentos ressaltou que o novo governo vai ter de ser pautado em diálogos, em buscar alianças, mas “o maior desafio do Lula é colocar em prática tudo que falou na campanha nas questões sociais, mantendo a responsabilidade fiscal, não é o que a gente está vendo agora, o mercado está apreensivo. Bolsa caindo, dólar ganhando força e DIs subindo com velocidade forte que é o ponto de preocupação”.

Os papéis ligados à construção civil, varejo, saúde despencam refletindo a alta dos juros futuros. “Os setores são impactados pelo cenário macro, as empresas que têm contração de passivo, endividamento maior sofrem mais, porque é colocado em xeque a política monetária”. Qualicorp (QUAL3) caiu 10,59%; Americanas (AMER3) perdeu 3,53%, MRV (MRVE3) cedeu 0,34%.

O dólar comercial fechou em alta de 0,44%, cotado a R$ 5,4080. Assim como nas últimas sessões, o dia foi marcado por forte aversão ao risco causado pelo temor um descontrole fiscal na gestão de Lula (PT).

Segundo o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, “a curva de juros teve uma piora muito significativa, o mercado está precificando um fiscal mais expansionista”.

Borsoi é enfático: “O avanço das negociações sobre o teto de gastos está assustando. O problema é você tirar os R$ 175 bilhões do teto e ainda usar este espaço para novas despesas. Ainda não se sabe como isso será financiado, a gente ainda não tem um arcabouço fiscal para os próximos anos”, diz.

Para a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, “a percepção é de risco fiscal, e enquanto isso não for sanado vamos ver a busca por proteção no dólar, aumento dos juros e depreciação da bolsa”.

“Nós tivemos PECs temporárias na pandemia, em caráter emergencial. Por que nesta situação seria diferente? Se durar os quatro anos do governo Lula (PT), a relação dívida/PIB pode chegar em 90%. O mercado está tentando entender como será construído este quebra-cabeça”, analisa Abdelmalack, referindo-se à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição.

De acordo com o boletim da Ajax Asset, “a PEC apresentada pelo PT no Senado para expandir os gastos públicos em 2023 acentuou ainda mais as incertezas dos investidores quanto ao compromisso do governo eleito com o equilíbrio das contas públicas. Espera-se que o texto seja ainda bastante desidratado. A abertura deve ser negativa para bolsa, com alta dos Depósitos Interfinanceiros (DIs) e dólar”.

As taxas dos contratos futuros de Depósitos Interfinanceiros (DI) desaceleraram, mas ainda operam em alta, após apresentação da PEC da Transição. No total, o texto prevê excluir da regra do teto de gastos R$ 198 bilhões R$ 175 bilhões do Auxílio Brasil e R$ 23 bilhões provenientes de eventual excesso de arrecadação. O DI para janeiro de 2023 tinha taxa de 13,730% de 13,716% no ajuste anterior; o DI para janeiro de 2024 projetava taxa de 14,155%, de 14,030%, o DI para janeiro de 2025 ia a 13,615%, de 13,345% antes, e o DI para janeiro de 2027 com taxa de 13,270% de 13,080%, na mesma comparação. No mercado de câmbio, o dólar operava em alta, cotado a R$ 5,4390 para venda.

Os principais índices do mercado de ações dos Estados Unidos fecharam a sessão em campo negativo, após uma série de comentários de membros do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) minarem o otimismo de Wall Street de que o banco central poderia modificar sua política de aperto monetário já na próxima reunião.

Confira abaixo a variação e a pontuação dos índices de ações dos Estados Unidos após o fechamento:

Dow Jones: -0,02%, 33.546,32 pontos
Nasdaq 100: -0,35%, 11.145,0 pontos
S&P 500: -0,30%, 3.946,56 pontos

Com Paulo Holland, Pedro do Val de Carvalho Gil e Darlan de Azevedo / Agência CMA.