São Paulo, 27 de outubro de 2020 – A taxa básica de juros deve ficar estável em 2% pela segunda vez seguida. Após encerrar em setembro o ciclo de cortes iniciado em julho do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve manter a Selic no atual nível neste mês, ao final reunião que termina nesta quarta-feira. Mas o mercado financeiro já vê o Banco Central iniciando um processo de aperto em breve, diante dos riscos inflacionários e fiscais.
Especialistas consultados pela Agência CMA explicam que a maior preocupação gira em torno da manutenção da regra sobre o “teto dos gastos”. Segundo eles, os ruídos políticos vindos de Brasília em relação à votação do Orçamento para 2021 e ao novo programa social do governo somados à demora no andamento da agenda de reformas no Congresso geram mais incertezas do que os sinais de acúmulo de pressão de alta nos preços.
Isso porque há apenas um pequeno grupo de economistas que vê uma continuidade dessa pressão inflacionária no início do ano que vem. No entanto, o consenso do mercado é de alívio nos preços no horizonte à frente. É o caso do economista-chefe do Haitong Brasil, Flavio Serrano. Para ele, a recente aceleração da inflação tende a ser de curta duração. “E isso não muda o cenário sobre a dinâmica do IPCA para os próximos meses”, diz.
Por isso, é o cenário fiscal o principal risco para o comportamento da inflação e, consequentemente, da Selic em um futuro próximo. O operador da Renascença Corretora, Luís Felipe Laudísio, explica que o resultado “salgado” de índices de preços apenas se soma à fragilidade fiscal. “O debate é mais o impacto do fiscal na perspectiva para o país, em termos de imagem, de risco de crédito, mas também na inflação”, explica.
E essa piora no cenário doméstico, por causa dos problemas de solvência das contas públicas, pode acabar obrigando o Copom a agir antes do esperado. Ou seja, o mercado financeiro vê uma ligação entre a taxa básica de juros e a questão fiscal, preparando-se para o “jogo” sobre quando o BC vai aumentar a Selic. “A decisão mesmo fica para dezembro”, prevê Laudísio, da Renascença. “Até lá, tem muita água para rolar [em relação ao debate fiscal]”, emenda.
Agora, em outubro, o Copom deve, no máximo, sinalizar no comunicado que o cenário do balanço de riscos está pior. “Espera-se que o BC condicione a manutenção da prescrição futura (forward guidance) à ancoragem das expectativas [de inflação] de longo prazo assim como à persistência do regime fiscal (teto de gastos)”, diz o analista da Guide Investimentos Alejandro Ortiz.
DIVIDA SEM TETO
Outro assunto que também acionou o sinal de alerta no mercado financeiro são as condições de financiamento da dívida pública. As ofertas semanais de títulos pelo Tesouro Nacional, em leilão, têm realçado as dificuldades de rolagem das obrigações de curto prazo, com a demanda maior por papéis atrelados à inflação (NTN-B) e baixo interesse pelos que pagam Selic (LFT). Os títulos prefixados (NTN-F e LTN) também são mais bem aceitos.
Ainda assim, o tamanho dos lotes colocados não tem seguido um padrão, com volumes ora menores, ora maiores, a depender da semana. Segundo operadores das mesas de renda fixa e derivativos, essa estratégia acaba influenciando o comportamento dos prêmios embutidos na curva a termo local. “Se o lote é menor, é mais fácil travar [a operação], porque precisa de menos hedge [proteção], mas se é maior o mercado acaba aumentando o risco”, explica um profissional, de um banco nacional.
Contudo, diante da necessidade do Tesouro de honrar as despesas relacionadas à ajuda emergencial aos mais vulneráveis à pandemia de coronavírus, a tendência é de que a oferta dos títulos mais demandados (prefixados e NTN-B) volte a crescer. Laudísio, operador da Renascença, explica que isso se dá principalmente em momentos de Selic muito baixa. “[O investidor] vai fazer o que com um título que não rende nada?”, indaga.
Edição: Eduardo Puccioni (e.puccioni@cma.com.br)