BC reluta em assumir preocupação com a alta do dólar

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São Paulo – O Banco Central (BC) está relutante em assumir a sua preocupação com o patamar elevado do dólar comercial e de que estipulou um teto de R$ 5,70 para o valor da divisa, e vem enfatizando que a alta da Selic (taxa básica de juros) em 0,75 ponto percentual (pp), para 2,75% ao ano (aa) na última reunião de 17 de março, é uma preocupação com o avanço da inflação, mesmo com uma demanda interna ainda desaquecida por conta da pandemia do novo coronavírus.

Entretanto, o mercado está notando essa mudança no perfil da autoridade monetária, que pretende com a alta dos juros atrair investidores estrangeiros para o Brasil, reduzindo o valor do dólar frente ao real. Outro ponto que faz o BC não admitir essa mudança agora é que o dólar comercial já vem num nível elevado há mais de 1 ano, mas alguns analistas ponderam que não tinha como realizar isso antes porque não se sabia a dimensão e a demora que a pandemia ia levar.

Vale destacar que desde o início do atual governo, em janeiro de 2019, o dólar comercial apresentou valorização de 51,08% frente ao real, passando de R$ 3,8110 para R$ 5,7580 de acordo com o fechamento de ontem.

Dois analistas que não quiseram ter o nome revelado e foram ouvidos pela reportagem das Agência CMA disseram que a intenção do BC é realmente controlar a alta do dólar comercial, que tem pressionado fortemente os preços, trazendo inflação. “As vendas no varejo estão em queda, não há demanda suficiente para justificar a inflação atual. Só pegar os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] para ver isso”, explicou um dos analistas de mercado.

“O dólar comercial está num patamar muito elevado. As incertezas políticas e o não andamento das reformas estão prejudicando a migração de investidores estrangeiros para o nosso mercado. Estamos observando diversas casas internacionais tirando o foco do Brasil e passando para o México, por exemplo e a elevação na taxa de juros não deixa de ser uma forma de atrair o estrangeiro para o Brasil e reduzir o preço do dólar no mercado”, explicou o outro analista.

Em relatório do Credit Suisse, o banco explica que espera que o BC continue elevando as taxas em 0,75 pp nas próximas cinco reuniões consecutivas, elevando a Selic para 6,5% aa no final de 2021 e mantendo-o nesse nível ao longo de 2022.

“Em nossa opinião, o Banco Central não será capaz de implementar uma normalização, conforme indicado nos documentos oficiais, e deverá aumentar taxas próximas do nível neutro. Isso porque esperamos que a inflação continue sob pressão nos próximos trimestres, atingindo 5,1% no final de 2021, em comparação com o centro da faixa-alvo do Banco Central de 3,75%. A forte depreciação da taxa de câmbio e aceleração dos preços das commodities empurrou a inflação de preços ao produtor”, explicou.

PRESSÃO CHINESA

Outro ponto destacado pelos analistas é a pressão inflacionária dos insumos por causa de uma demanda mais aquecida da economia chinesa. Isso tem pressionado os preços internamente, sem que haja uma demanda por produtos na economia brasileira. “É algo externo, que não depende de nós”, explicou um analista de mercado.

“O Comitê de Política Monetária do BCB reiterou, em sua ata, muitos dos pontos divulgados no comunicado pós-decisão. Alertou sobre a pressão inflacionária decorrente das commodities e do câmbio, mas continuou diagnosticando os atuais choques como temporários. No que tange à atividade, salientou que o processo de recuperação surpreendeu neste início de ano, mostrou-se otimista com o processo de recuperação”, explicou a equipe de análise da Guide.

“A pressão inflacionária tem ocorrido por conta da demanda internacional por commodities brasileiras, principalmente China, e também pela pressão do Dólar contra o Real. Esse movimento de aumento de juros ocorreu nos países emergentes, para conter inflação global por atividade China e expectativa de recuperação nos países desenvolvidos com altíssimos estímulos monetários”, explicou Régis Chinchila, analista de investimentos da Terra Investimentos.

Chinchila disse ainda que “concordo também que em parte o BC brasileiro está de olho nos investidores estrangeiros e essa mudança no balanço entre os países emergentes e o descolamento de oportunidades”.

DEMANDA INTERNA X INFLAÇÃO

As vendas do comércio varejista restrito, que excluem veículos e material de construção, tiveram leve queda de 0,2% em janeiro em relação a dezembro, engatando o terceiro mês de resultado negativo, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado contrariou a previsão de ligeira alta de 0,1%, conforme mediana calculada pelo Termômetro CMA.

Já na comparação com janeiro de 2020, as vendas no varejo recuaram 0,3%, interrompendo uma sequência de sete altas seguidas no mesmo confronto. O resultado também contrariou a previsão e ficou abaixo do esperado, de +0,7%. Até janeiro, as vendas do varejo restrito acumulam alta de 1,0% nos últimos 12 meses.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15) subiu 0,93% em março na comparação com fevereiro, acelerando-se em relação à alta apurada no período anterior (+0,48%), segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É a maior taxa para o mês desde 2015 (+1,24%). O resultado ficou ligeiramente abaixo da mediana das expectativas do mercado financeiro, de +0,95%, conforme o Termômetro CMA.