Biden deve romper com beligerância de Trump no discurso de posse

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São Paulo – Todos os olhos estão voltados para o Capitólio nesta semana, com a posse de Joe Biden como 46 presidente dos Estados Unidos marcada para amanhã. Diferente do tom beligerante que marcou a chegada de Donald Trump na Casa Branca há quatro anos, o democrata deve apelar para a unidade de um país que hoje está extremamente dividido.

“O discurso desta semana provavelmente não terá um tom tão polêmico, mas certamente dará uma indicação de que tipo de programa o novo governo dos Estados Unidos deverá implementar nos próximos quatro anos”, disse o analista chefe de mercados da CMC Markets, Michael Hewson.

A expectativa de Hewson é que Biden apresente as diretrizes tanto da política comercial com a China quanto da política doméstica em se tratando de investimento em energia e outras infraestruturas – áreas nas quais, segundo o analista, os gastos federais têm sido insuficientes nos últimos anos.

Na semana passada, o presidente eleito delineou um novo programa de ajuda fiscal de US$ 1,9 trilhão de apoio em várias áreas: US$ 350 bilhões em ajuda estatal e municipal, um aumento no salário mínimo e mais US$ 1.400 em pagamentos diretos aos norte-americanos.

“Havia poucos detalhes sobre os compromissos de gastos futuros de longo prazo em infraestrutura e outros tipos de investimento, incluindo educação, energia e economia verde, no entanto, é provável que isso aconteça assim que ele se sentar à mesa do Salão Oval”, afirmou Hewson.

Segundo o economista chefe do Wells Fargo para os Estados Unidos, Sam Bullard, o mercado deve ficar de olho no discurso de posse. “Os participantes do mercado também estarão atentos ao discurso de posse de Biden sobre qualquer discussão adicional de política, desenvolvimentos da vacina e medidas de bloqueio e mudanças regulatórias, além das relações com os parceiros comerciais”, afirmou.

O estrategista do Société Genérale, Klaus Baader, acredita que o discurso da posse é a partida para a manutenção da confiança dos investidores. “A posse de quarta-feira é um evento chave. Os apoios de políticas, tanto fiscais como monetárias, serão cruciais para a confiança dos investidores, que estarão de olho no discurso de Biden”, disse.

Para o economista sênior da Capital Economics para os Estados Unidos, Andrew Hunter, a posse de Biden pode sinalizar uma mudança dramática no cenário político norte-americano, ainda mais se vier acompanhada do novo impeachment de Trump.

“A grande questão é saber se as esperanças de um impulso transformador nos gastos do governo sobreviverão à realidade de um Congresso estreitamente dividido”, afirmou.

Segundo Hunter, Biden espera aprovar o pacote de US$ 1,9 trilhão com o apoio dos republicanos moderados, e seu discurso de posse de amanhã, deve incluir os mesmos apelos por unidade e bipartidarismo que caracterizaram sua campanha eleitoral.

Ao que parece, muitos economistas acham que polarização nos Estados Unidos é apenas um reflexo da problemas econômicos e, por isso, quatro anos de redistribuição de renda pelo governo de Biden acalmaria os ânimos dos norte-americanos.

“Não se trata de economia, embora isso possa ser difícil de os economistas entenderem. Os norte-americanos estão vivendo em dois mundos diferentes, mas precisam encontrar uma maneira de viver juntos em um país. Isso requer uma abordagem bipartidária destinada a aliviar as ansiedades que vêm com as mudanças demográficas. Obviamente, isso é um grande desafio nesta era de polarização extrema”, disse o estrategista sênior do Rabobank para os Estados Unidos, Philip Marey.

O CAPITÓLIO

A posse de Biden terá como cenário o Capitólio, que no último dia 6 se tornou palco de um confronto histórico entre a polícia e apoiadores de Trump, depois que o presidente em final de mandato pediu que as pessoas fossem ao local contestar o resultado da eleição de novembro. Na ocasião, senadores e deputados estavam certificando a vitória do democrata. Esse evento gerou a aprovação do impeachment de Trump na Câmara dos Deputados.

“Sem precedente é uma expressão usada em demasia atualmente, mas pode definir os últimos dias de Trump”, afirmou Baader, do Société Générale.

Para Marey, do Rabobank, em uma sociedade polarizada, a confiança nas instituições é vulnerável. “A polarização nos Estados Unidos é um processo que está em construção há décadas. Independentemente de quem tivesse vencido as eleições, a turbulência na política e na sociedade norte-americana provavelmente não passaria”, disse ele.

Após as cenas de violência no Capitólio, mais de 20 mil soldados da Guarda Nacional foram deslocados para Washington, DC, que já está com bairros inteiros entrincheirados e se encontra sob forte vigilância ante as ameaças de novas manifestações de seguidores Trump, às vésperas da cerimônia de posse de Biden.

“A polarização cada vez maior da política e da sociedade dos Estados Unidos atingiu um nível que representa uma séria ameaça à estabilidade do país”, afirmou Marey, do Rabobank.

Segundo um recente relatório interno do Federal Bureau of Investigation (FBI, equivalente à Polícia Federal brasileira), citado pela imprensa norte-americana, um grupo armado se prepara para invadir edifícios do governo em todos os 50 estados do país e na capital até a posse do democrata.

Diante dos recentes eventos, tanto em Washington quanto nos estados vizinhos, as autoridades estão fazendo todo o possível para dissuadir a população de comparecer à posse, que acontecerá nas escadas do Congresso.

Apesar de toda tensão que envolve a cerimônia, o vice-presidente da Scotiabank Economics, Derek Holt, é otimista para a posse.

“Com muito menos pompa e circunstância do que o normal, a posse de Joe Biden como 46 presidente dos Estados Unidos provavelmente ocorrerá sem problemas na quarta-feira e permitirá um retorno a um ambiente mais sensato dentro do qual será possível considerar as perspectivas de prazo mais próximo”, afirmou Holt.