São Paulo – O Ibovespa descolou do bom humor visto em Bolsas no exterior e fechou em queda de 2,40%, aos 94.666,37 pontos, refletindo a frustração de investidores com os anúncios feitos pelo governo sobre o programa Renda Cidadã e sobre a reforma tributária, que aumentaram os temores em relação à situação fiscal do País.
Trata-se do menor nível de fechamento desde o dia 26 de junho (93.834,49 pontos). A mínima do dia foi de 94.370,60 pontos, depois de o índice ter chegado a subir mais de 1% perto da abertura do pregão, na máxima de 98.313,73 pontos. O volume total negociado foi de R$ 28,1 bilhões.
Após reunião do presidente Jair Bolsonaro com ministros e líderes foi anunciado à imprensa que houve um consenso sobre o programa que deve substituir o Bolsa Família, o Renda Cidadã, e a previsão é que ele seja financiado em parte por recursos de precatórios e parte pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Já sobre a reforma tributária não houve acordo, segundo o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros. Um dos impasses tem sido a criação de um novo imposto nos moldes da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o que pode encontrar resistência no Congresso.
“O resultado da reunião foi um jeitinho brasileiro para o governo tentar não furar o teto de gastos. Devem ser usado artifícios como os recursos dos precatórios e do Fundeb, que não entra na conta do teto, mas é um drible fiscal e isso é muito ruim. Fora que não teve consenso sobre a reforma tributária”, disse o sócio da Criteria Investimentos, Vitor Miziara.
Além das suspeitas de manobra fiscal, Miziara destaca que a decisão indica que o presidente está mais preocupado em aumentar a sua popularidade, ao priorizar a criação do programa social neste momento. O analista também alerta sobre a possibilidade de aumento de especulações em torno da continuidade do ministro da Economia, Paulo Guedes no governo, já que ele “pode não ficar para ver a possibilidade de o teto de gastos ser furado no ano que vem”.
O economista e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto, também acredita que a decisão do governo sobre como financiar o programa social é uma forma de driblar o teto de gastos. “Limitar pagamento de precatórios é eufemismo para dizer que se empurrará com a barriga um pedaço relevante dessas despesas (obrigatórias). Não se cancelou um centavo de gasto. Quanto a usar 5% do Fundeb, é preocupante, pois pode representar bypass [desvio] no teto de gastos”, disse por meio de seu perfil no Twitter.
Entre as ações, as maiores quedas do índice foram de ações dos frigoríficos, como da Minerva (BEEF3 -5,27%), depois de notícias de que a China teria colocado como meta de longo prazo ser autossuficiente em produção de carne suína. Ao lado dos frigoríficos ficaram as ações da Ultrapar (UGPA3 -5,09%) e do Grupo NotreDame Intermédica (GNDI3 -5,08%).
Na contramão, os bancos ficaram entre as maiores altas do Ibovespa, se recuperando na esteira de seus pares no exterior, embora tenham reduzido fortemente os ganhos ao longo do pregão. É o caso do Santander (SANB11 2,16%) e do Banco do Brasil (BBAS3 0,66%). Ainda entre as maiores altas ficaram os papéis do IRB Brasil (IRBR3 0,69%) e da Embraer (EMBR3 4,29%). A Azul recebeu as certificações para iniciar as operações com o primeiro jato cargueiro Embraer E195 em todo o mundo.
Amanhã, investidores devem ficar atentos a indicadores como os índices de confiança do consumidor da eurozona e dos Estados Unidos.
O dólar comercial fechou em alta de 1,49% no mercado à vista, cotado a R$ 5,6390 para venda, no maior valor de fechamento desde 20 de maio – quando ficou em R$ 5,6840 – em sessão de forte volatilidade e amplitude da moeda com investidores locais renovando as preocupações com o cenário fiscal do país após a equipe econômica e líderes do governo federal anunciarem um novo programa social, o Renda Cidadã.
O economista-chefe da Necton Corretora, André Perfeito, destaca que o “nervosismo” tomou conta do mercado após o anúncio sobre o Programa Renda Cidadã e como ele será financiado. “O dia tinha tudo para ser de recuperação. No entanto, o anúncio de que o governo deverá usar a rolagem dos precatórios como fonte de financiamento do programa Renda Cidadã criou apreensão entre investidores que viram na manobra certo calote”, avalia.
Segundo o senador Márcio Bittar (MDB-AC), o governo federal usará 2% das receitas correntes líquidas para pagar precatórios devidos pela União e o restante desses recursos será usado para custear o programa do Renda Cidadã. Enquanto 5% dos recursos do Fundeb serão destinados às famílias que serão beneficiadas pelo programa.
“Calote é uma palavra forte e não concordamos com essa leitura, mas o rumor no mercado foi esse. O dólar experimentou alta expressiva que foi contida por um leilão [do Banco Central] de à vista. Muito ainda tem que ser esclarecido nos próximos dias”, acrescenta.
No início da tarde, a moeda renovou máximas sucessivas a R$ 5,6760, na maior cotação intraday desde 21 de maio, o que levou a autoridade monetária a fazer um leilão de venda de dólares no mercado à vista, com a oferta de US$ 1,0 bilhão. O volume aceito foi de US$ 877,0 milhões na primeira operação do mês. O último leilão havia sido feito em 21 de agosto, quando na véspera o dólar alcançou também o patamar de R$ 5,67.
O diretor da Correparti, Ricardo Gomes, reforça que o pano de fundo continua sendo as “velhas incertezas” em relação a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de levar adiante o programa de reformas necessárias e, consequentemente, retomar o crescimento econômico do país. “O agravamento da crise fiscal, sem o devido tratamento, deixa investidores avessos ao risco, migrando para a proteção”, ressalta.
Amanhã, com a agenda de indicadores esvaziada, o economista da Guide Investimentos, Alejandro Ortiz, acredita que o viés seguirá altista para o dólar em meio às preocupações com o cenário fiscal, no qual o mercado deverá reagir aos desdobramentos sobre o programa Renda Cidadã.
As taxas dos contratos de juros futuros (DIs) encerraram a sessão em alta acelerada, acompanhando a disparada do dólar, que é cotado acima de R$ 5,60. A piora dos negócios locais ocorreu na esteira das declarações do governo sobre o financiamento do novo programa social, Renda Cidadã, o que elevou o temor sobre a responsabilidade fiscal.
Ao final da sessão regular, o DI para janeiro de 2022 tinha taxa de 3,06%, de 2,85% no ajuste anterior, ao final da semana passada; o DI para janeiro de 2023 projetava taxa de 4,54%, de 4,23% após o ajuste na última sexta-feira; o DI para janeiro de 2025 estava em 6,61%, de 6,22%; e o DI para janeiro de 2027 tinha taxa de 7,62%, de 7,21%, na mesma comparação.
Os principais índices do mercado de ações norte-americano terminaram a primeira sessão da semana com mais de 1,0% de alta, apoiados na expectativa da aprovação de mais um pacote de estímulos e também pelo avanço de ações economicamente sensíveis como a de bancos e energia.
Confira abaixo a variação e a pontuação dos principais índices de ações dos Estados Unidos no fechamento:
Dow Jones: +1,51%, 27.584,06 pontos
Nasdaq Composto: +1,87%, 11.117,52 pontos
S&P 500: +1,61%, 3.351,60 pontos