Bolsa reage negativamente aos rumores sobre a equipe econômica do governo Lula; dólar sobe

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São Paulo – A bolsa brasileira fechou em queda de mais de 2%, refletindo principalmente as incertezas em relação a transição do governo Lula e como o próximo governo irá lidar com o teto de gastos. Com mais de sete horas de duração, a reunião entre o presidente eleito e aliados em um hotel na zona sul da capital paulista, não houve nenhuma divulgação de nomes que irão compor a equipe do governo a partir de 1 de janeiro de 2023, nem do tamanho da PEC da transição que irá cobrir promessas de campanha.

Os investidores devem seguir atentos aos nomes que irão compor os ministérios do presidente que podem sair a qualquer momento. Guilherme Boulos tuitou a pouco que será um dos responsáveis por assuntos relacionados a Cidades e Habitação.

No entanto, o foco da preocupação do mercado financeiro é a equipe econômica. O movimento de baixa teve início por volta das 12h30 e se manteve ao longo do pregão, quando o mercado passou a precificar negativamente rumores de que há uma pressão por parte do PT pela indicação de Fernando Haddad para liderar a pasta, somada a uma possível recusa de Henrique Meirelles para ocupar o Ministério da Fazenda. Com isso, o Ibovespa caiu puxado por estatais, bancos e ações que podem ser prejudicadas pela alta dos juros, como varejo, construção, educação e aviação.

Segundo o jornal “O Globo”, a cúpula petista pressiona pelo nome de Fernando Haddad à frente da economia para construir um caminho para a disputa presidencial de 2026.Já Meirelles, descartou por por hora a possibilidade de compor o governo Lula: “Se eu sou candidato a ministro da fazenda? Não, não sou candidato a ministro. Eu estou na atividade privada, estou muito bem (…). Estou satisfeito e gratificado na atividade privada. Evidentemente que eu sempre sigo preparado para o serviço público e qualquer convite eu analiso quando ocorre. Eu não trabalho e nem perco tempo com hipóteses. O fato concreto é que estou na atividade privada e estou muito bem”, disse o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em entrevista à rádio “Jovem Pan, na manhã desta segunda-feira.

O principal índice da B3 caiu 2,38%, aos 115.342,40 pontos. O Ibovespa futuro com vencimento em dezembro recuou 2,12%, aos 116.740 pontos. O giro financeiro foi de R$ 26,4 bilhões. Em Nova York, as bolsas fecharam em alta.

Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, disse que os rumores sobre a indicação de Fernando Haddad ao ministério da Economia derrubaram a Bolsa, que operava perto do zero, para mais de 2%. A pressão no setor financeiro e estatais impactou o índice, devido ao forte peso no Ibovespa, com as preferenciais da Petrobras caindo quase 4%. “Agora é aguardar as indicações de estatais como Banco do Brasil e Petrobas e crie um ‘efeito Lula’, ou seja, fique mais cauteloso em relação aos investimentos nesses setores”, avalia.

Para Marcelo Oliveira, CFA e co-fundador da Quantzed, o grande driver da bolsa hoje foram as notícias sobre a equipe econômica do próximo governo. “A bolsa abriu para cima e logo pesou repercutindo notícias de ontem que colocam Haddad como possível ministro da Fazenda. O mercado não vê com bons olhos um politico no cargo. O ideal seria alguém de perfil mais técnico. Além disso, muitos acreditam que Haddad não tem boa interlocução com o Congresso. O mercado teme influências políticas em estatais, que é um setor pouco beneficiado em governo que não é favorável a privatizações”, opina.

Heitor Martins, especialista em Renda Variável na Nexgen Capital, disse que a indefinição em relação à política econômica em 2023 penalizou as ações, como as de educação, que vinham apresentando uma boa performance na semana passada após a vitória de Lula, e varejo, que são prejudicadas pela elevação dos juros. O dólar também sobe seguindo o mesmo movimento.

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, disse que, em consulta realizada pela corretora aos investidores sobre possíveis indicações, eles mostraram uma aversão a Fernando Haddad, que hoje ganhou um pouco mais de força segundo a imprensa. “Os gestores entendem que o Haddad lembra um pouco a visão da Dilma [Roussef] para a economia. Ele escreveu um artigo esse ano sobre unificar a moeda da América do Sul, obviamente isso pode até fazer sentido no futuro, mas não agora, com a Argentina com a economia bem frágil. As falas do Haddad durante a campanha contra o Tarcísio pelo governo do estado de São Paulo também prejudicaram a visão sobre ele como seria em relação à gestão da economia, então, existe uma rejeição ao seu nome na pasta da Economia ou do Planejamento. Se ele for para qualquer outra pasta o mercado vai aceitar, pois já é esperado que ele seja ministro. Mas na Economia há uma rejeição grande, ao contrário do que seria o Meirelles, que é bem recebido, ou mesmo outros nomes como Rui Costa, Camilo Santana, Wellington Dias não teriam uma reação tão negativa e provavelmente seriam aceitos pelo mercado”, avalia Cruz.

Para o estrategista-chefe da RB Investimentos, a rejeição à Haddad reflete no dólar e nas taxas de juros, por que traz a ideia de que o fiscal ficará mais fragilizado, então o Banco Central se sentiria menos confortável em cortar a taxa de juros. “Por isso, hoje na Bolsa, os setores de varejo, construção e companhias aéreas são os mais penalizados”, explica.

Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, hoje a principal influência na queda da Bolsa é a política, tanto pela indicação de Haddad como por uma possível recusa do Meirelles. Outros fatores que influenciam o movimento de hoje é a China que reforçou a política de covid zero, negando rumores de que podia flexibilizar ou encerrar, que pressiona as commodities. O petróleo tem alguma resistência por conta da questão da oferta, mas a tendência é negativa para as commodities, mesmo com o dólar enfraquecido. Nos EUA, ao contrário, as bolsas sobem, também por conta do cenário político, com a expectativa de um crescimento das cadeiras do Partido Repúblico no Congresso, o que agrada o mercado.

Luan Alves, analista Chefe da VG Research, destaca que entre as principais quedas do Ibovespa, a ação preferencial da Petrobras PETR4 (-3,88%) sofreu tanto pela queda do petróleo no mercado internacional, quanto pela ação judicial contra pagamento de dividendos do terceiro trimestre. “Acreditamos que o principal desafio para o Brasil no próximo ano será a gestão dos gastos públicos, uma vez que o orçamento está bastante apertado para tantas promessas de valorização dos salários e políticas sociais”, avalia o analista.

Charo Alves, Charo Alves, especialista de renda variável da Valor Investimentos, o mercado caminhou sobre especulações relacionadas ao ministério da Fazenda e precificou uma tendência de queda caso a indicação de Fernando Haddad se confirme. “O mercado precificou a chance do Meirelles – que foi um dos fundadores do teto de gastos e um dos idealizadores do projeto- assumir, para seguir demandas mais equilibradas, manter as contas do Brasil em dia e a austeridade fiscal. Mas, com especulações sobre a vinda do Haddad, puxada pelo núcleo duro do PT, consequentemente, a Bolsa virou com reação negativa à essa proposta, refletindo na forte queda nos papéis do Banco do Brasil e do varejo”, comentou.

Fabricio Silvestre, economista do TC, comentou que os fatores políticos têm influenciado a Bolsa nos dias após a eleição, colaborando para a elevação das curvas de juros. “A indicação de Haddad mostra uma ministro um pouco mais político e comprometido com a esquerda. Interpretamos isso como uma maior preferência por crescimento de gastos e pelo Estado tomando uma posição prioritária ou sendo protagonista do crescimento econômico e isso gera, a priori, uma ideia de que vai haver menos compromisso com a estabilidade fiscal, pelo menos em termos de projetos, e essa leitura reflete na queda da Bolsa”, analisa.

O dólar comercial fechou em alta de 2,41%, cotado a R$ 5,1730. O movimento é explicado pelas incertezas que pairam sobre a composição da equipe econômica e uma garantia de um equilíbrio fiscal na gestão de Lula. No pano de fundo, as dúvdas sobre a retomada econômica chinesa permanecem no radar.

A Tendências Consultoria entende que “importantes questões ainda precisam ser encaminhadas. O nome de quem irá comandar a Economia (ou a Fazenda, em caso de desmembramento) é o principal deles, sendo que ainda não está claro se a escolha recairá sobre alguém mais ortodoxo – o que seria comemorado nos mercados – ou sobre um político do PT, situação que poderia gerar certa cautela. Nesta segunda-feira, rumores nesse sentido já causam certo nervosismo. Além disso, há incertezas sobre a agenda econômica, em especial a fiscal, diante de desafios significativos já no curto prazo. Ainda que os mercados estejam cientes da necessidade de gastos extra-teto em 2023, com especulações de um número próximo a R$ 150 bilhões, haverá uma pressão nos próximos meses para que o governo defina uma regra para a evolução dos gastos”.

“O mercado estava dando um voto de confiança, mesmo com a alteração nas contas públicas, caso o Meirelles fosse o ministro”, opina o head de análise macroeconômica da GreenBay Investimentos, Flávio Serrano.

Serrano acredita que o próximo será desafiador: “Naturalmente o orçamento de 2023 já implicaria uma série de correções. E isso geralmente acaba afetando o crescimento econômico. O ambiente fiscal será o nosso maior desafio, e uma postura mais conservadora seria muito bem vista. Mas parece que as coisas estão caminhando para um lado diferente”, analisa.

Segundo o analista da Ouro Preto Investimentos Bruno Komura, a negativa do ex-presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles em assumir o ministério da Economia tem impacto direto no fortalecimento do dólar. Em entrevista à rádio Jovem Pan, nesta manhã, Meirelles foi enfático em dizer que não é postulante ao cargo. Os boatos de que o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, poderia assumir o ministério também impactaram negativamente o mercado.

Para o head de renda variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno, “o fluxo ainda é positivo por conta do mercado dar um momento para o próximo governo. A curto prazo, a tendência ainda é de queda”.

Moliterno entende que o mercado está em “lua de mel” com a próxima gestão, e que vê muitas oportunidades para o Brasil nos próximos meses, especialmente com a as commodities.

“A China é uma incerteza. Não dá para prever nada, é uma caixinha de surpresa. Mas o fato é que a China precisa se manter aquecida para ser competitiva. Acredito que em algum momento eles vão ter que começar a flexibilizar política de combate à Covid”, explica Moliterno.

De acordo com o boletim da Ajax Asset, localmente “investidores acompanham as negociações em torno do ajuste do orçamento 2023. Incerteza fiscal segue elevada, com as notícias de forte alta dos gastos públicos” no próximo ano.

A Ajax ainda observa que “ontem, as autoridades de saúde negaram eventual flexibilidade nas medidas da política ‘Covid Zero’, reduzindo os rumores da última semana sobre um alívio das restrições. Segundo a Bloomberg, o Governo deve manter o rigor com essa política até que os preparativos estejam de prontidão para uma reabertura gradual. Espera-se que esse movimento só acontecerá no segundo trimestre de 2023”.

As taxas dos contratos futuros de Depósitos Interfinanceiros (DI) fecharam em alta neste início de semana, com o mercado monitorando a formação do novo governo, de olho na formação da nova equipe econômica. O DI para janeiro de 2023 tinha taxa de 13,674% de 13,668% no ajuste anterior; o DI para janeiro de 2024 projetava taxa de 13,035%, de 12,940%, o DI para janeiro de 2025 ia a 11,915%, de 11,725% antes, e o DI para janeiro de 2027 com taxa de 11,735% de 11,465%, na mesma comparação. No mercado de câmbio, o dólar operava em alta, cotado a R$ 5,1520 para venda.

Os principais índices do mercado de ações dos Estados Unidos fecharam a sessão em alta à medida que os investidores focam as eleições do Congresso e dados importantes de inflação nos próximos dias.

Confira abaixo a variação e a pontuação dos índices de ações dos Estados Unidos após o fechamento:

Dow Jones: +1,31%, 32.827,00 pontos
Nasdaq 100: +0,85%, 10,564.52 pontos
S&P 500: +0,96%, 3.806,80 pontos

Com Paulo Holland, Pedro do Val de Carvalho Gil e Darlan Azevedo / Agência CMA.