Bolsa volta a fechar em queda, com fiscal no radar e descolada do exterior; dólar cai

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São Paulo – A Bolsa fechou em queda, após operar boa parte do pregão perto do zero e com bastante volatilidade. O movimento reflete um descolamento da Bolsa brasileira em relação ao exterior, com o mercado dependente de uma sinalização de corte de gastos pelo governo Lula.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta quinta-feira que ele e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, iniciaram a discussão do Orçamento de 2025 com uma agenda para intensificar a discussão do gasto público, e que essa agenda “está ganhando ao longo do tempo cada vez mais tração” para a revisão de gastos do governo.

Analistas apontam esgotamento da política fiscal arrecadatória do Executivo e a ausência de uma agenda de corte de gastos públicos e temem mudanças no arcabouço fiscal. A notória falta de apoio do presidente Lula ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também preocupa os agentes do mercado financeiro.

Mais cedo, dados da economia norte-americana também deram sinais de uma potencial desaceleração da economia, o que anima os investidores em relação ao início do ciclo de cortes de juros nos Estados Unidos nas próximas reuniões do Federal Reserve (Fed, o banco central de lá).

Na agenda de indicadores dos Estados Unidos, foi divulgado nesta quinta-feira que o Indice de Preços ao Produtor dos Estados Unidos (PPI, na sigla em inglês) caiu 0,2% em maio na comparação com o mês anterior, após a alta de 0,5% de abril, já descontados os fatores sazonais, informou o Departamento do Trabalho. Analistas previam alta de 0,1% em maio. Já em base anual, o PPI de maio ficou em 2,2%, abaixo da previsão de alta de 2,5%.

Também saiu o número de novos pedidos de seguro-desemprego nos Estados Unidos, que subiram em 13 mil para 242 mil na semana encerrada em 8 de junho, após ter alcançado 229 mil na semana anterior (dado revisado), segundo estatísticas do Departamento do Trabalho ajustadas por fatores sazonais. Os analistas previam 225 mil pedidos.

O principal índice da B3 recuou 0,30%, aos 119.567,53 pontos. O Ibovespa futuro com vencimento em agosto caiu 0,20%, aos 121.360 pontos. O giro financeiro foi de R$ 13,7 bilhões. Em Nova York, as bolsas fecharam mistas.

Entre as ações de peso, a mineradora Vale fechou em alta de 1,14%, acompanhando as siderúrgicas, assim como Banco do Brasil (+0,67%), a preferencial do Bradesco (BBDC4 +0,15%) e o BTG Pactual (+0,50%).

Já Petrobras (PETR3 -1,30%; PETR4 -1,11%), Itaú Unibanco (-1,01%), B3 (-2,98%), a ordinária do Bradesco (BBDC3 -0,08%) e Santander Brasil (-0,22%) fecharam em queda.

Jaqueline Kist, especialista em mercado de capitais e sócia da Matriz Capital, avalia que o movimento do Ibovespa hoje, operando de lado e tentando segurar os 120 mil pontos, refletiu o “ruído fiscal elevado, com cenário doméstico fazendo mais preço frente às pressões ao ministro Fernando Haddad”.

“A dúvida do mercado, na minha visão, gira em torno da capacidade do governo de entregar as metas determinadas pelo arcabouço fiscal, que vem perdendo a credibilidade com as alterações no último mês e com a dificuldade de aprovação das medidas de aumento de arrecadação do governo junto ao Congresso. Em mais um capítulo dessa história, as tensões percebidas aumentaram de tom ontem, com a devolução por parte do Senado da MP de compensação de receitas da desoneração da folha de pagamento – o que fez preço levando à uma queda relevante de -1,4% no índice ontem”.

Kist avalia que a queda do índice na abertura do pregão de hoje ainda repercutia a “temperatura elevada” entre Legislativo e Executivo na novela fiscal, mudou de tom ao longo do dia, operando de lado, frente às novas notícias dessa história. “Enquanto Haddad se reúne com a equipe econômica anunciando revisão “ampla, geral e irrestritra” nas despesas, alinhando-se às cobranças dos agentes de mercado por um ajuste de contenção de despesas, não somente medidas de aumento de arrecadação, o Senado também divulga que prepara novo projeto para compensação das receitas da desonaração.”

“Na minha opinião, esses pontos parecem trazer um alívio ao índice junto à alta de Vale (VALE3), Bradesco (BBDC4) e BTG Pactual (BPAC11), que lideram os rankings de volume de negociação entre os papéis com alta no dia. Ainda assim, o volume de negociação diária no Ibovespa está abaixo da média, refletindo em contexto mais amplo a saída do capital estrangeiro. A alta do minério de ferro faz preço nas mineradoras brasileiras, com a VALE3, e liderando volume de negociações dos papéis em alta no dia, junto a CSN Mineração (CMIN3) com a terceira maior alta do dia, a 2,27%”, disse a sócia da Matriz.

Matheus Nascimento, analista da Levante Inside Corp, afirma que a bolsa brasileira não tem apresentado um nível de correlação com os pares globais. “A Bolsa brasileira de maneira geral mostra uma sensibilidade mais alta ao que acontece nos Estados Unidos, o que é uma proxy que acontece entre as bolsas. Mas o impasse em relação ao fiscal é o principal ponto que faz o Brasil ficar descolado, sem direção, em comparação ao pares globais da Bolsa. Por isso, temos visto uma dependência do que deve acontecer com o fiscal, pois não existe nenhum aceno do governo em relação ao corte de gastos, o que preocupa muito.”

Tudo isso reflete no movimento de retirada do investimento estrangiro da Bolsa brasileira. “Anteontem estávamos com quase R$ 40 bi sendo retirados da Bolsa brasileira, ante histórico de R$ 20 bilhões positivos, o que mostra que o Brasil representa um risco maior do que os investidores estão dispostos a tomar agora. Também vemos queda em volume negociado. Tudo isso corrobora para que a Bolsa siga em trajetória de realização, sem encontrar correlação com o que tem acontecido lá fora. E o mercado tem demandado mais taxas, mais juros da economia, dado o risco que se enxerga no país”, explica Nascimento.

“Quando a gente olha dólar, juros e Bolsa caindo, isso também mostra que o local está refletindo no mercado. Por que, geralmente, quando a Bolsa sobe, dólar e juros costumam ceder e o contrário também é verdade. A Bolsa tem refletido muito mais os riscos internos do que o que está acontecendo com o ciclo de juros nos Estados Unidos”, conclui.

Ângelo Belitardo, gestor da Hike Capital, avalia que “o governo está tentando se endividar loucamente, e o mercado não está deixando e está cobrando cada vez mais juros”. “Se o governo está querendo se endividar loucamente para gastar, os investidores vão exigir cada vez mais juros”, comentou.

Belitardo mencionou a fala do presidente Lula de que “não iria cortar gastos, mas iria controlar o fiscal reduzindo juros e aumentando arrecadação”. “No entanto, não é isso que estamos vendo, os juros continuam subindo, e o governo não consegue emitir dívida sem aumentar juros, dado que o governo vem realizando sucessivas emissões de dívidas elevadas. Mas hoje, quando o Tesouro foi realizar o leilão para emissão de dívida, não teve demanda. Os investidores exigiram mais juros.”

“Do lado positivo, tivemos dados melhores de inflação ao produtor e pedidos de seguro desemprego, com reflexo em potencial desaceleração da economia e da inflação americana”, comentou o gestor da Hike Capital.

O dólar comercial fechou em queda de 0,70%, cotado a R$ 5,3670. A moeda refletiu, no período da tarde, as falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se esforçando para fazer com que o mercado não mantenha a confiança no compromisso fiscal do governo.

Para o sócio da da Ethimos Investimentos, Lucas Brigato, “o dólar recua em níveis bem elevados se comparado ao que vinha sendo negociado ao longo de 2024. “Sinal é mais de realização pontual do que inversão de tendência, já que a economia americana está impossível de frear e, por aqui, o arcabouço cada vez mais gera descrédito.”

De acordo com o sócio da Pronto! Invest Vanei Nagem, o patamar justo do dólar, neste momento, encontra-se entre R$ 5,15 e R$ 5,20.

As taxas dos contratos futuros de Depósitos Interfinanceiros (DIs) fecham em queda. As taxas abriram em leve alta, mas passaram a recuar depois das falas do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a tentativa do governo de aumentar receitas para atingir a meta fiscal proposta pela pasta.

Por volta das 16h30 (horário de Brasília), o DI para janeiro de 2025 tinha taxa de 10,650%, de 10,725% no ajuste anterior; o DI para janeiro de 2026 projetava taxa de 11,235% de 11,350%, o DI para janeiro de 2027 ia a 11,585%, de 11,740%, e o DI para janeiro de 2028 com taxa de 11,865% de 12,010 na mesma comparação. No mercado de câmbio, o dólar comercial operava em queda, cotado a R$ 5,3727 para a venda.

Os principais índices do mercado de ações dos Estados Unidos fecharam o pregão em campo misto, enquanto os investidores consideravam a dupla influência da inflação em desaceleração e a redução do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) nos cortes de taxas de juros.

Confira abaixo a variação e a pontuação dos índices de ações dos Estados Unidos após o fechamento:

Dow Jones: -0,17%, 38.647,10 pontos
Nasdaq 100: +0,34%, 17.667,56 pontos
S&P 500: +0,23%, 5.433,74 pontos

Com Paulo Holland / Camila Brunelli / Darlan de Azevedo / Safras News

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