São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem que saiu do Partido Social Liberal (PSL) e que pretende se unir a uma nova agremiação – a Aliança pelo Brasil. O rompimento com o antigo partido era esperado e é um desdobramento das suspeitas de uso irregular de recursos públicos que deveriam ter sido usados para financiar campanhas eleitorais de mulheres em 2018.
Em uma de suas recém-criadas páginas em redes sociais, a Aliança pelo Brasil afirmar ser um partido que “representa a união, o resgate e um novo caminho para o Brasil. Um país grande e livre da corrupção e da degradação moral. Um partido que tem como pilares Deus, Pátria e Família! O Partido de todos os que desejam inovar e transformar para crescermos juntos e fortes”.
A saída de Bolsonaro do PSL já havia sido antecipada pelo próprio presidente. Na semana passada, ele disse em entrevista à rede de televisão Record que havia uma chance de 80% de deixar partido para criar uma nova agremiação.
Na mesma entrevista, ele comentou que estava incomodado de ver seu nome associado a notícias de desvio de verbas de campanha que teriam sido cometidos pelo PSL.
“O meu problema ali [no PSL], o que acontece: tem uma matéria aí sobre malversação daquela cota parlamentar. Do começo ao fim está o nome do presidente Jair Bolsonaro, do PSL. Eu pago a conta sobre qualquer possível desvio de terceiros no partido. E a mesma coisa acontece no tocante a fundo partidário.”
“Ou passo a ter o comando das ações do partido, para a gente acabar com isso aí, se tiver uma caixa preta abrir,” ou a alternativa seria deixar o PSL, disse ele, na entrevista.
A Aliança pelo Brasil só poderá ser reconhecida como partido político se obtiver, num período de dois anos após sua fundação, o apoio de pouco mais de 490 mil eleitores não filiados a partido em pelo menos nove estados, segundo as regras determinadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para participar das eleições, o registro do partido deve ser aprovado pelo TSE até seis meses antes do pleito e o grupo precisa ter órgão de direção nas cidades em que pretende concorrer até a data da convenção partidária para a escolha dos candidatos.
Bolsonaro disse que pretendia colher as assinaturas de forma eletrônica e previu que até março seria possível formalizar a agremiação – a tempo, portanto, de concorrer nas eleições municipais de 2020. “Eu teria aí uns quase seis mil municípios, talvez umas 200 candidaturas pelo Brasil. Estaria feliz com isso porque teria como escolher realmente de fato quem concorreria àquela prefeitura. Na última eleição muita gente chegou de última hora”, disse ele à rede Record na semana passada.
O TSE permite que sejam colhidas assinaturas eletrônicas em apoio à criação de partidos, mas elas precisam ter certificado digital – algo que possui pouca penetração entre pessoas físicas no Brasil – e posteriormente ser verificadas por cartórios eleitorais – a etapa que consome mais tempo.
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Vitor Hugo (PSL-GO), disse que “assim que houver possibilidade jurídica” migrará para o Aliança pelo Brasil.
A legislação brasileira sobre fidelidade partidária determina que os congressistas só podem mudar de partido em caso de incorporação ou fusão, de criação de novo partido, de desvio no programa partidário ou grave discriminação pessoal. Mudanças de legenda sem essas justificativas são motivo para a perda do mandato.
Uma outra hipótese permite aos deputados trocar de legenda nos 30 dias anteriores ao último dia do prazo para a filiação partidária, que ocorre seis meses antes das eleições para a Câmara dos Deputados. Neste caso, porém, não há mudança na distribuição do Fundo Partidário.
A exceção a essa regra é para o caso de deputados que migrem para uma legenda recém-criada, dentro do prazo de 30 dias contados a partir do seu registro na Justiça Eleitoral, e permaneçam nela até a data da convenção partidária para as eleições.
DESVIO DE RECURSOS E RACHA NO PSL
Antes do anúncio de Bolsonaro, o PSL passava por um momento de crise interna, dividido entre os apoiadores da sigla e os que consideram que devem lealdade apenas ao presidente.
A crise veio à tona após Bolsonaro aparecer em um vídeo sussurrando no ouvido de um de seus apoiadores, na saída do Palácio do Alvorada, que ele deveria “esquecer esse negócio de PSL”. O presidente acrescentou, no mesmo vídeo, que o presidente do partido, Luciano Bivar, estava “queimado”.
O comentário de Bolsonaro fazia referência a investigações de que o partido teria desviado dinheiro público que deveria ser empregado para finalidades específicas durante a campanha eleitoral – entre eles o financiamento de campanha de mulheres.
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, também do PSL, foi acusado pelo Ministério Público de ter cometido este crime num caso envolvendo candidaturas do estado de Minas Gerais. Bolsonaro, porém, disse que não via motivos para removê-lo do cargo.
Dias depois da acusação contra o ministro do Turismo, a Polícia Federal lançou uma operação que tinha como alvo Bivar para apurar o envolvimento do presidente do PSL no caso de desvios de dinheiro público em Pernambuco.
A situação gerou constrangimento dentro do PSL e dividiu os deputados da sigla, tendo efeitos inclusive sobre o andamento das votações no Congresso.
Em meados de outubro, o deputado delegado Waldir, que está na ala pró-Bivar e era o líder do partido na ocasião, chegou a declarar que o PSL estava em obstrução à votação da Medida Provisória 886, que fazia alterações adicionais na estrutura do governo federal. A obstrução chegou a ser desmanchada por um dos vice-líderes do partido e retomada por Waldir, que desautorizou o vice-líder.
A situação desencadeou uma guerra interna pela troca da liderança do PSL na Câmara, que durou dias e só foi resolvida dias depois, quando finalmente Waldir foi removido do comando e substituído pelo filho de Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
No final do mês passado, o presidente Jair Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter uma montagem em vídeo em que um leão – associado a ele – é atacado por um bando de hienas – associadas a inimigos políticos do presidente. No grupo dos inimigos estava o PSL e partidos da oposição, como o Partido dos Trabalhadores (PT).
Gustavo Nicoletta / Agência CMA (g.nicoletta@cma.com.br)