Bolsonaro insinua conluio entre Barroso e Lula para eleições 2022

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São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro insinuou haver um conluio entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, para que as eleições no Brasil continuem sendo feitas por urnas eletrônicas sem comprovante impresso. Ele também insinuou que isso permitiria fraudar o resultado das eleições em favor de Lula.

“Por que o presidente do TSE vai para dentro do parlamento, se reúne com várias lideranças partidárias, e a partir do dia seguinte muitos desses líderes trocaram as composições da comissão por parlamentares que se comprometeram a votar contra a PEC do voto impresso? Qual foi o poder de persuasão do Barroso para essa forma de convencimento?”, disse Bolsonaro, em transmissão ao vivo feita ontem.

“Qual o futuro do nosso Brasil se nós terminarmos eleições onde um lado ou outro desconfia e começa a realizar ações contrárias ao pleito? Nós estamos, mais de um ano antes [das eleições], dizendo que nós não queremos problemas. Eu quero democracia, eu quero que o candidato que o João ou a Maria porventura votar, seja contado exatamente para aquela pessoa.”

“Será que isso é demais? Será que existe um sistema querendo por meios outros, não democráticos, fazer voltar ao poder aqueles que mergulharam o país na corrupção e impunidade?”, disse Bolsonaro, acrescentando em seguida: “É justo quem tirou Lula da cadeia, quem o tornou elegível ser o mesmo que vai contar o voto numa sala secreta do TSE?”

No discurso, Bolsonaro também afirmou que o Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula, e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de seu outro adversário político, o governador de São Paulo João Doria, em algum momento foram favoráveis a alterar o sistema de votação, mas se manifestaram contra a proposta defendida por ele – de acoplar uma impressora de voto à urna eletrônica.

Bolsonaro também citou Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem anteriormente acusou de conspirar para tirá-lo do poder, como outro político que “mudou de lado” em relação ao assunto do voto impresso nas urnas eletrônicas.

EVIDÊNCIAS DE FRAUDE ELEITORAL

Na transmissão ao vivo feita ontem à noite, feita ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres, Bolsonaro também apresentou o que, segundo ele, seriam “indícios” de que é possível fraudar o resultado das eleições feitas sob o sistema atual da urna eletrônica. Todos eles, porém, já haviam sido desmentidos anteriormente pelo TSE e pela imprensa.

Ele citou, por exemplo, uma auditoria feita pelo PSDB a respeito do resultado das eleições de 2014. A auditoria não encontrou indícios de fraude na votação. Bolsonaro, porém, ignorou a conclusão e repetiu uma crítica feita pelo deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) à época da divulgação do resultado da auditoria – de que não tinha sido possível acessar dados sigilosos das urnas.

O presidente também disse que a apuração dos votos é feito numa “sala secreta”, o que também é falso, visto que a apuração é feita em cada um dos locais de votação e transmitida em tempo real para o TSE, que consolida os dados e disponibiliza os resultados da apuração, também em tempo real, para qualquer pessoa interessada.

Bolsonaro também apresentou uma série de outras acusações falsas contra o sistema das urnas eletrônicas – a de que o código das urnas pode ser alterado para favorecer ou prejudicar um determinado candidato. Ele apresentou três vídeos publicados na internet que supostamente comprovariam a existência destas fraudes – todos eles mostrando eleitores do próprio Bolsonaro reclamando que não estavam conseguindo votar no número 17, com o qual ele concorreu em 2018.

O TSE nega que o código das urnas possa ser alterado depois de elas serem lacradas pelo tribunal, porque isso exigiria autorizações eletrônicas de um grupo restrito de pessoas, e ressalta que o código-fonte das urnas pode ser analisado por representantes técnicos de todos os partidos políticos, do Ministério Público, dà Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Polícia Federal, e de outras entidades antes da eleição e de as usinas serem lacradas, o que evitaria alterações maliciosas no código.

O presidente também mostrou vídeos mostrando que, em 2018, havia expectativa durante a apuração dos votos de que ele vencesse a eleição no primeiro turno, porque estava na frente quando a apuração mostrava 11% das urnas apuradas na região Sudeste, que concentra grandes colégios eleitorais e onde ele teve grande número de votos.

Na eleição de 2018, havia 13 candidatos a presidente no primeiro turno, e foram contabilizados pouco mais de 107 milhões de votos válidos. Segundo os resultados oficiais, Bolsonaro recebeu 49,3 milhões destes votos, ou 46,03%, e Fernando Haddad (PT), 31,3 milhões, ou 29,28%. Os outros 11 candidatos, em conjunto, tiveram 26,4 milhões de votos – ou 24,69%.

Em São Paulo, estado da região Sudeste e que possui o maior colégio eleitoral do Brasil, Bolsonaro teve 12,4 milhões de votos no primeiro turno, ou 53,00% do total, seguido por Haddad, com 3,8 milhões, ou 16,42%, mas ali os outros 11 candidatos a presidente tiveram uma parcela maior de votos do que no cômputo geral do Brasil – de 30,58%.

Pesquisas eleitorais conduzidas antes e depois das eleições presidenciais de 2018 corroboram o resultado das urnas. Levantamentos do Instituto Datafolha e do Ibope pouco antes do primeiro turno apontavam Bolsonaro com 36% das intenções de voto, e Haddad com 22%.

Além disso, o Estudo Eleitoral Brasileiro 2018, conduzido pelo Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp em novembro daquele ano, mostrou que de 2.506 pessoas entrevistadas, 33,4% disseram ter votado em Bolsonaro no primeiro turno, e 22,1% em Haddad. Removendo da amostra os entrevistados que não quiseram declarar ou não lembravam em quem votaram, que votaram em branco ou que anularam o voto, Bolsonaro teria 47,0% dos votos, e Haddad, 31,4%.

Na transmissão de ontem, Bolsonaro também associou erroneamente ataques cibernéticos contra o TSE em 2018 à invasão do sistema usado pelo tribunal na apuração dos votos da eleição de 2018. Nem as urnas nem o sistema de envio dos votos das urnas para o TSE são conectados à internet, portanto não podem ser alvo de invasão.

Bolsonaro também mostrou uma reportagem de 2008 do Jornal da Band a respeito de um relatório apontando fraudes nas urnas eletrônicas na cidade de Caxias (MA). Na reportagem, dois técnicos contratados pela coligação Melhor para Caxias afirmam ter encontrado indícios de fraude nas urnas eletrônicas utilizadas na votação daquele ano na cidade.

A matéria também afirma que a Polícia Federal (PF) foi acionada para verificar se houve violação física ou adulteração nos programas constantes do equipamento. Segundo o TSE, a PF realmente periciou as urnas eletrônicas utilizadas naquela eleição e ao todo foram verificados dez equipamentos que supostamente teriam sido violados no primeiro turno do pleito de 2008 em Caxias.

“O laudo técnico produzido pela corporação concluiu que não foram identificados sinais de violação física dos lacres que envolvem os aparelhos. No documento, a PF descartou as hipóteses de instalação de softwares fraudulentos e de adulteração dos programas autenticados pelo TSE. Também não foram encontrados arquivos contaminados por vírus nas urnas eletrônicas examinadas pela instituição”, disse o TSE.

OPINIÃO SOBRE VOTO IMPRESSO

Os brasileiros de forma geral confiam na urna eletrônica, mas a maioria é a favor que a máquina também imprima em cédula o voto dado por cada eleitor, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e da MDA divulgada no início de julho.

De acordo com os dados da pesquisa, 32,9% das pessoas disseram ter confiança elevada nas urnas eletrônicas atuais, que não imprimem um comprovante de voto, e 30,8% disseram ter confiança moderada. Os que disseram ter confiança baixa no sistema atual foram 15,8%, e 18,7% disseram não ter confiança nenhuma.

No entanto, apenas 34,9% disseram ser contrários a embutir uma impressora na urna para imprimir um comprovante do voto, e 58,0% disseram ser a favor da proposta.

A pesquisa ouviu 2.002 pessoas entre os dias 1 e 3 de julho e tem margem de erro de 2,2 pontos porcentuais (pp) para mais ou para menos. A maioria delas (54,5%) nunca votou em cédulas de papel. Entre os que votaram desta forma, 59,1% disseram ter pouca ou nenhuma confiança neste sistema de votação.

CONTESTAÇÕES DE BARROSO

O presidente do TSE Roberto Barroso é um crítico do voto impresso. No início de junho, em audiência pública na Câmara, ele disse aos deputados que “se o Congresso Nacional decidir que deve haver o voto impresso e o Supremo validar, vai haver o voto impresso. Mas vai piorar, a vida vai ficar bem pior.”

Ele defendeu a manutenção do sistema atual de urna eletrônica e citou os dois principais problemas que enxerga na adoção do voto impresso. O primeiro seria o fim do sigilo do voto, porque a impressão exibiria a composição das escolhas feitas na urna e, em caso de compra de voto, mesmo sem permitir identificar nominalmente o eleitor, servirá de comprovante de que o voto foi entregue.

O outro problema, segundo Barroso, é criar um risco de fraude. “Nós vamos restabelecer um mecanismo em que vamos ter que cuidar do transporte de 150 milhões de votos físicos, do armazenamento de 150 milhões de votos impressos e, depois, da recontagem desses votos. Se todos estiverem lembrados, as fraudes vêm sobretudo do momento da recontagem e do engravidamento de urnas, do desaparecimento de urnas. Portanto, nós vamos retornar ao mundo do qual nós nos livramos”, afirmou.

Ele ressaltou que a existência de voto impresso abre precedente para que o candidato derrotado nas urnas peça a recontagem de votos, e que isso se agrava ao se considerar o total de candidatos aos cargos eletivos em todo o Brasil.

URNA ELETRÔNICA E AUDITORIA

O Brasil usa uma urna de votação eletrônica desde 1996 em todas as suas eleições. As urnas operam de forma independente, colhem os resultados e geram um relatório local dos votos. Cada relatório então é enviado aos tribunais eleitorais, responsáveis pela contabilização dos resultados obtidos nas várias urnas.

O processo de programação e fiscalização das urnas começa cerca de um ano antes das eleições, com o Teste Público de Segurança. Neste teste a urna é entregue fisicamente a um conjunto de entidades para que elas tentem violar o sistema. Caso alguma delas consiga, as falhas são consertadas.

A partir daí, o TSE convida partidos políticos e técnicos para examinarem o programa das urnas. Se ninguém fizer ressalvas ao código, prossegue-se para a etapa de “assinatura digital”, em que várias autoridades e os representantes dos partidos inserem suas respectivas autorizações para o programa rodar. Em seguida, esse programa é blindado para que não funcione se for adulterado.

O programa é então enviado aos estados, onde os tribunais regionais eleitorais instalam o programa em cada uma das urnas durante uma sessão pública em que se verifica se o programa que está sendo instalado é o mesmo enviado pelo TSE e assinado digitalmente. Se não for esta versão, o programa da urna não funciona.

As urnas então são encaminhadas para as sessões eleitorais, onde antes do início da votação é impresso um boletim chamado “zerésima”, um extrato para demonstrar que não há nenhum voto dentro daquela urna. No fim da votação, às 17h, é impresso o chamado “boletim de urna”, que mostra o resultado da eleição naquela urna. Este boletim é entregue aos fiscais e a eventuais candidatos presentes, e tornado público na sessão eleitoral e na Internet.

O TSE recebe em seguida todos os boletins de urna para fazer uma contabilização central das eleições – ou seja, se os valores da contabilização da urna e da contabilização central não baterem, fica evidente que houve algum problema. A transmissão dos dados é feito via uma rede privada e criptografada – o que impede qualquer tipo de invasão ou tentativa de adulteração via Internet.

Além disso, no dia das eleições, há um teste de integridade em que urnas sorteadas aleatoriamente são auditadas via registro digital do voto – um arquivo que fica dentro da urna, que tem todos os votos sem a identificação do eleitor.

As urnas eletrônicas não são uma exclusividade do Brasil. Elas são usadas por outros países e, inclusive, por alguns estados dos Estados Unidos, tanto na versão com o voto impresso como na versão sem o comprovante.