Brasil deve ceder em questão climática para aproximação com Biden

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São Paulo – O governo brasileiro deve se preparar para fazer concessões para voltar a ter uma relação mais próxima com os Estados Unidos, em especial na questão do combate às mudanças climáticas, agenda que tem ganhado força sob a gestão do presidente norte-americano Joe Biden, de acordo com especialistas consultados pela Agência CMA.

O chefe do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maurício Santoro, explicou que a derrota eleitoral de Donald Trump, em novembro do ano passado, deixou a diplomacia brasileira sem rumo, na medida em que o presidente Jair Bolsonaro apostou na vitória do republicano.

“Com Bolsonaro, o Brasil buscou uma relação preferencial com os Estados Unidos. Mais do que isso: com Trump. Com a derrota eleitoral do ex-presidente, a diplomacia brasileira se viu desorientada, com a necessidade de mudar seus parâmetros”, disse Santoro.

“Isso significa sobretudo chegar a um entendimento com os norte-americanos na questão ambiental, do desmatamento da Amazônia e de seu enorme impacto para o aquecimento global. Isso é algo difícil, porque exigiria do governo brasileiro uma alteração radical do que tem sido sua política ambiental e de sua relação com vários grupos sociais que o apoiam”, acrescentou.

Da mesma forma, o professor dos cursos de Economia e de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Vinicius Rodrigues Vieira, afirmou que governo brasileiro deveria ter se preparado melhor para a vitória de Biden, que era apontada nas pesquisas, ainda que por uma margem apertada.

“Bolsonaro jogou muitas fichas achando que Trump seria reeleito. A eleição foi acirrada, mas Biden acabou prevalecendo, como muitos previam. Foi um erro de cálculo, deveríamos ter nos preparado melhor para este cenário”, disse Vieira.

Segundo o professor da FAAP, “um caminho para chegarmos a um bom ponto com os Estados Unidos é ceder. Não temos aliados internacionais, teremos que ceder mais do que em outros cenários”, além de apresentar reduções no desmatamento da Amazônia e reconhecer nosso papel na questão do aquecimento global.

Vieira destacou que a questão climática ficou mais forte agora do que era na campanha eleitoral de Biden, e tonou-se um eixo estruturante de seu governo, na medida em que Estados Unidos precisam recuperar seu prestígio e economia, bem como retomar a aliança com os europeus.

“Biden não tem muita alternativa senão ser coerente em seu discurso. Ele não tem perspectivas de reeleição pela idade avançada. Por ser um presidente de um mandato só, quer muitas mudanças, tende a ser reformista”, visando a alterações na matriz e transformações tecnológicas.

“Isso é ruim para o governo brasileiro, uma vez que na questão ambiental estamos em situação oposta, rejeitamos questões de aquecimento global e nosso papel nisso”, disse Vieira. “Com Bolsonaro perdemos a razão. Estamos no pior dos mundos. Tínhamos um pouco de razão, que se diluiu nos malfeitos do presidente”.

Bolsonaro tem atraído críticas da comunidade internacionais devido à sua política ambiental controversa, que resultou no aumento do desmatamento da Amazônia.

Ao participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada por Biden nos dias 22 e 23 de abril e realizada virtualmente, o presidente brasileiro assumiu um tom mais moderado.

Na ocasião, Bolsonaro anunciou a duplicação dos recursos destinados às ações de fiscalização ambiental, determinou que a neutralidade climática do país será alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior, e repetiu a promessa de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a aplicação do Código Florestal.

O discurso foi bem recebido pelas autoridades dos Estados Unidos, e a Casa Branca sinalizou que deve usar fóruns internacionais para manter conversas com Brasília sobre o desmatamento e outras questões ligadas ao meio ambiente – uma prioridade para o governo de Joe Biden.

No dia seguinte ao discurso, porém, Bolsonaro anunciou cortes no orçamento dedicado ao Ministério do Meio Ambiente, como parte como parte da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021.

Uma semana após a Cúpula do Clima, o enviado especial de Biden para o clima, John Kerry, conversou sobre metas climáticas com o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e com o ministro de Relações Exteriores, Carlos França, e disse estar ansioso para trabalhar com o Brasil “para colocar nosso mundo no caminho de um futuro seguro, próspero e sustentável”.

FOCO NA AMAZÔNIA

A Amazônia está na mira do governo de Biden. Em um depoimento de prestação de contas na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos no último dia 12, Kerry defendeu a necessidade de negociar acordos climáticos com o governo de Bolsonaro sob o risco de que a Amazônia desapareça.

Na ocasião, o enviado de Biden para o clima acusou o governo brasileiro de reverter parte da fiscalização ambiental. “Estamos dispostos a falar com eles [governo de Bolsonaro], mas não estamos fazendo isso com uma venda nos olhos, e sim com uma compreensão de onde estivemos [no debate ambiental recente]. Mas se não falarmos com eles, pode ter certeza de que aquela floresta vai desaparecer”, disse Kerry.

A maior parte do foco do desmatamento está em 60% da floresta amazônica que fica dentro das fronteiras brasileiras. Nos últimos dois anos, a taxa de desmatamento quase dobrou em relação aos cinco anos anteriores, de acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Pesquisadores do Ipam atribuem essa tendência principalmente a um aumento nos incêndios florestais por grileiros, uma vez que as ações de fiscalização diminuíram sob o atual governo brasileiro.

“O monitoramento mais próximo de propriedades na Amazônia é uma medida que o governo brasileiro poderia adotar e, de acordo com o Ipam, teria evitado quase um terço dos incêndios em 2019 e metade dos incêndios no primeiro trimestre de 2020, quando os últimos dados estão disponíveis”, disse o diretor associado de mercados emergentes e chefe de investimentos do UBS, Brennan Azevedo.

Ele lembra que o Brasil tem regulamentos em vigor segundo os quais uma parte de uma propriedade privada na Amazônia deve ser reservada para preservação, e os proprietários de terras podem reivindicar seus limites de propriedade e o governo os certifica.

“Infelizmente, a certificação muitas vezes não ocorre, o que permite que atores mal-intencionados reivindiquem terras públicas e as usem como desejarem”, acrescentou Azevedo.