São Paulo – O ciclo de cortes na taxa básica de juros foi encerrado ontem. Iniciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em julho de 2019, o processo culminou em nove quedas consecutivas, levando a Selic até o piso histórico de 2,0%. Mas o acúmulo de pressão inflacionária no atacado somado à recuperação do consumo doméstico e aos riscos fiscais deve fazer o Banco Central declarar o fim do afrouxamento monetário, sem prever o início de novas altas tão logo.
Citando números dos Índices Gerais de Preços (IGPs), Perfeito observa que o Índice de Preços no Atacado (IPA) acumula alta de 21,58% em 12 meses até agosto, no âmbito do IGP-DI, contra +2,77% no Índice de Preços ao Consumidor (IPC-DI). Já o IGP-M mostrou um aumento de 6,14% do IPA apenas na primeira prévia deste mês. “Isso aponta para inflação represada e pode encerrar de vez o ciclo de cortes na Selic”, avalia o economista.
Além de apontar para uma inflação futura mais elevada, o fenômeno também sugere uma queda na margem de lucro dos empresários, o que, por sua vez, tende a diminuir o apetite por investimentos, refreando a retomada da atividade. E isso em um momento em que os consumidores parecem mais dispostos em gastar, após o fim das medidas de isolamento social, com o desempenho do comércio voltando aos níveis pré-pandemia.
ABISMO FISCAL
Tal cenário levanta dúvidas não só sobre os próximos passos da política monetária, mas também mantêm os riscos fiscais elevados. “O Brasil está tendo a maior expansão fiscal de todos os tempos, injetando dinheiro diretamente para os pobres. E o que os pobres fazem com o dinheiro? Eles gastam!”, comenta um diretor da tesouraria de um banco estrangeiro, referindo-se ao programa de auxílio-emergencial do governo.
Para ele, o “abismo fiscal” pode ter um impacto importante sobre a demanda em 2021. Por isso, o diretor avalia que o Copom deve elevar o tom no comunicado deste mês ao anunciar a manutenção da Selic no nível atual. “Espero que a autoridade monetária mude o discurso para uma abordagem mais hawkish (dura) e ‘levante a bandeira’, declarando o fim do ciclo”, comenta.
Nesse sentido, o economista da Guide Investimentos, Victor Guglielmi, prevê que os próximos passos do BC vão depender da evolução do quadro fiscal. “O efeito expansionista trazido pelo processo de reabertura econômica e pelas políticas fiscal e monetária frouxa (‘dovish’) seguem sustentando o dispêndio. Mas grande parte desse efeito é transitório”, avalia, citando o desemprego elevado como principal entrave à continuidade do consumo.
Para o estrategista sênior do Rabobank, Mauricio Une, as preocupações com o lado fiscal e a valorização do dólar, que devem respingar na inflação ao consumidor (IPCA) à frente, devem fazer com que o próximo passo do BC seja de alta da Selic. “É provável que o BC mantenha a taxa básica de juros estável até o terceiro trimestre de 2021, quando deve começar a subir, indo até 3% no fim do ano que vem”, avaliam.
Edição: Eduardo Puccioni (e.puccioni@cma.com.br)