Ciclo de cortes da Selic deve chegar ao fim

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São Paulo – O ciclo de cortes na taxa básica de juros foi encerrado ontem. Iniciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em julho de 2019, o processo culminou em nove quedas consecutivas, levando a Selic até o piso histórico de 2,0%. Mas o acúmulo de pressão inflacionária no atacado somado à recuperação do consumo doméstico e aos riscos fiscais deve fazer o Banco Central declarar o fim do afrouxamento monetário, sem prever o início de novas altas tão logo.

Ao lembrar que o BC tem como mandato o cumprimento das metas de inflação, o economista-chefe da Necton Corretora, André Perfeito, cita a disparidade entre os preços no atacado e ao consumidor para justificar a perspectiva de manutenção da Selic na reunião do Copom deste mês. “Os preços ao consumidor seguem baixos, mas no atacado seguem em alta relevante”, comenta.

Citando números dos Índices Gerais de Preços (IGPs), Perfeito observa que o Índice de Preços no Atacado (IPA) acumula alta de 21,58% em 12 meses até agosto, no âmbito do IGP-DI, contra +2,77% no Índice de Preços ao Consumidor (IPC-DI). Já o IGP-M mostrou um aumento de 6,14% do IPA apenas na primeira prévia deste mês. “Isso aponta para inflação represada e pode encerrar de vez o ciclo de cortes na Selic”, avalia o economista.

Além de apontar para uma inflação futura mais elevada, o fenômeno também sugere uma queda na margem de lucro dos empresários, o que, por sua vez, tende a diminuir o apetite por investimentos, refreando a retomada da atividade. E isso em um momento em que os consumidores parecem mais dispostos em gastar, após o fim das medidas de isolamento social, com o desempenho do comércio voltando aos níveis pré-pandemia.

ABISMO FISCAL

Tal cenário levanta dúvidas não só sobre os próximos passos da política monetária, mas também mantêm os riscos fiscais elevados. “O Brasil está tendo a maior expansão fiscal de todos os tempos, injetando dinheiro diretamente para os pobres. E o que os pobres fazem com o dinheiro? Eles gastam!”, comenta um diretor da tesouraria de um banco estrangeiro, referindo-se ao programa de auxílio-emergencial do governo.

Para ele, o “abismo fiscal” pode ter um impacto importante sobre a demanda em 2021. Por isso, o diretor avalia que o Copom deve elevar o tom no comunicado deste mês ao anunciar a manutenção da Selic no nível atual. “Espero que a autoridade monetária mude o discurso para uma abordagem mais hawkish (dura) e ‘levante a bandeira’, declarando o fim do ciclo”, comenta.

Nesse sentido, o economista da Guide Investimentos, Victor Guglielmi, prevê que os próximos passos do BC vão depender da evolução do quadro fiscal. “O efeito expansionista trazido pelo processo de reabertura econômica e pelas políticas fiscal e monetária frouxa (‘dovish’) seguem sustentando o dispêndio. Mas grande parte desse efeito é transitório”, avalia, citando o desemprego elevado como principal entrave à continuidade do consumo.

Para o estrategista sênior do Rabobank, Mauricio Une, as preocupações com o lado fiscal e a valorização do dólar, que devem respingar na inflação ao consumidor (IPCA) à frente, devem fazer com que o próximo passo do BC seja de alta da Selic. “É provável que o BC mantenha a taxa básica de juros estável até o terceiro trimestre de 2021, quando deve começar a subir, indo até 3% no fim do ano que vem”, avaliam.

Edição: Eduardo Puccioni (e.puccioni@cma.com.br)