Como as ações brasileiras podem se beneficiar dos estímulos chineses

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Foto: user6702303/Freepik

São Paulo, 16 de outubro de 2024 – No final de setembro, o governo chinês anunciou uma série de estímulos, em resposta ao enfraquecimento da economia e em sinal de comprometimento com a meta de crescimento do país. Segundo alguns analistas, essas foram as medidas mais significativas desde a pandemia, e os mercados reagiram positivamente, com os índices chineses apresentando forte alta. Na B3, a bolsa brasileira, o efeito positivo foi visto nas ações da Vale, Gerdau e Suzano.

Em 24 de setembro, o banco central chinês (PBoC) anunciou que irá realizar cortes nas taxas de juros de referência e taxas de depósito compulsório, incentivos ao mercado imobiliário, um programa de financiamento para recompra de ações por empresas, entre outras políticas, que animaram o mercado. Dois dias depois (26/9), o governo afirmou que fará o necessário para atingir a meta de 5% de crescimento do PIB, incluindo valer-se de instrumentos fiscais, sinalizando novos estímulos à frente.

Nos últimos meses, a China tem enfrentado grandes desafios, incluindo a persistência da crise imobiliária, dados mais fracos de atividade e uma inflação abaixo do desejado. Como resultado, os ativos chineses sofreram, e as bolsas vinham em queda há vários meses. Nesse cenário, o governo decidiu agir, disse a XP sobre as medidas.

Novas medidas foram anunciadas neste mês. Em 12 de outubro, o ministro das Finanças, Lan Foan, disse a jornalistas que Pequim vai “aumentar significativamente” seu endividamento para reanimar a economia, com apoio aos governos locais para resolverem seus problemas de endividamento, com subsídios às pessoas de baixa renda, apoio ao mercado imobiliário e reabastecendo o capital dos bancos estatais, entre outras medidas.

No entanto, sem informações sobre o valor em dólares do pacote, os investidores ficam à espera de uma política pública mais clara até a próxima reunião do Legislativo da China, que aprova emissões de dívida. Na semana passada, boa parte do mercado ficou desapontado com o pronunciamento vazio e o reflexo foi sentido na Vale, disse Max Bohm, estrategista da Nomos. As ações chegaram a cair mais de 3%.

Segundo o especialista da Nomos, o mercado quer ouvir que o governo chinês está focado em aquecer o consumo. Há uma expectativa muito grande com os estímulos fiscais, que implicam em redução de imposto, aumento de gasto para viabilizar negócios, facilitar a vida das empresas, ajudar na compra de imóveis, de bens. Apesar dessas últimas decepções do mercado, o cenário é positivo para os próximos meses, principalmente, de mais estímulos fiscais, a depender do volume. Uma possível combinação de estímulos chineses e corte de juros nos Estados Unidos, a Bolsa pode voltar a patamares de 135 a 140 mil pontos ao longo dos próximos seis meses, estima o analista. Impactos para as ações brasileiras

A Safras News conversou com analistas do mercado financeiro para avaliar os impactos dessas medidas nas ações das empresas brasileiras, já que a China corresponde a uma grande parte da balança comercial local.

Leonardo Winocur, professor de Finanças na ESPM, lembra que a China vem enfrentando o desafio de lidar com menor crescimento desde 2021 e que o grande propulsor do crescimento na China é a construção civil, setor que gera muito emprego e faz a economia crescer. Por isso, muitos dos anúncios feitos pela China, como reduções do índice de reserva obrigatória (quantidade que os bancos têm que guardar para poder emprestar), do patrimônio mínimo para conseguir empréstimos e das taxas das hipotecas para financiamentos impulsionam o mercado interno e financeiro do país. Na sua avaliação, este cenário de potencial expansão do consumo chinês favorece as empresas brasileiras exportadoras de commodities, como soja, carnes, como JBS, Marfrig e Minerva, e a Rumo Logística, que transporta esses produtos. A Rumo se beneficia diretamente também porque pode aumentar o volume de carga que ela tem que levar para o porto. Há uma linha de transporte fixa e quando você aumenta a quantidade de bens para exportação, acaba beneficiando a empresa. O Brasil exporta muitos produtos que a Rumo transporta, por isso, ela se beneficia quando aumenta o volume de exportação. A variável para a Rumo é o volume que a China demanda, comenta Winocur. Quanto maior a renda na China, mais pessoas comem mais carne. Se aumenta a renda da China, aumenta a demanda por proteína animal, complementa.

Leonardo Winocur, professor de Finanças na ESPM. Foto: Divulgação.

Entre as empresas commodities listadas na bolsa brasileira, o impacto do pacote chinês de estímulos fiscais pode ser visto, principalmente, na Vale, ação de maior peso do Ibovespa. A China é a maior consumidora de cobre, minério e alumínio. Com isso, todas as produtoras dessas matérias-primas vão se beneficiar, porque a tendência é a economia chinesa crescer mais e consumir mais, disse Max Bohm, estrategista da Nomos.

Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos compartilha da mesma opinião de Bohm. O primeiro impacto desses estímulos da China é no minério de ferro, e para gente significa a Vale. Uma China conseguindo voltar a retomar crescimento, consumir, todas as outras empresas acabam vindo a reboque como as nossas exportadoras-setor de proteína e celulose tendem a melhorar. Na parte agrícola, o país pode voltar a consumir grãos, e a SLC Agrícola pode ser beneficiada.

Moliterno ressaltou que esses estímulos são a arrancada para a Vale. A mineradora vem sofrendo este ano e um dos fatores são a China, a queda do minério de ferro.

O estrategista da Nomos acredita que a Vale pode chegar acima de R$ 70 até o final do ano, mediante mais estímulos fiscais.

Além das mineradoras e siderúrgicas, Bohm chama a atenção para o impacto positivo nas petroleiras. O pacote chinês mexe com Petrobras e Prio. A China é uma grande consumidora de petróleo.

Com esse cenário, a Bolsa sobe porque essas empresas de mineração e petróleo representam entre 30% a 40% da composição da carteira teórica do índice, disse.

Outra companhia que pode se favorecer com os estímulos chineses é a Aura Minerals, mineradora de ouro, com 75% de sua receita em ouro e 25% em cobre. Ela é uma empresa brasileira listada na bolsa do Canadá e na B3 a ação é negociada como BDR (Brazilian Depositary Receipt). Os chineses têm feito suas reservas em ouro.

Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, as medidas do governo chinês não devem mudar a perspectiva de um crescimento baixo na economia do país e também não terão impacto a médio prazo em empresas brasileiras. “Ainda não sabemos qual será a taxa final deste novo ciclo de alta da Selic, e se ela terminará ou não em 2025. O Brasil tem uma taxa de juros muito elevada, fazendo com que a renda fixa ofereça oportunidades no primário, no secundário muito elevadas, que irão dar retornos bem positivos, acima das ações que podem ser beneficiadas pelas medidas chinesas e pelo corte de juros nos Estados Unidos”, explicou Cruz.

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Foto: Divulgação.

Apesar do cenário pouco animador, o estrategista-chefe da RB Investimentos ainda vê as ações da Vale em um bom momento, mas apontou que há outros setores na bolsa que estão descontados e que vale mais a pena tomar riscos. Ele destacou que as empresas de siderurgias brasileiras têm sentindo muito a concorrência do aço importado da China, que claramente tem um dumping no mercado externo, criando um cenário desafiador para as siderúrgicas locais, o que torna os papéis dessas empresas pouco atraentes para o investidor. Mas ele alertou que também há reclamação de siderúrgicas norte-americanas contra os preços praticados pelas siderúrgicas brasileiras, e que essa discussão não é fácil ou simples de se resolver.

Já para Régis Chinchila, analista-chefe da Terra Investimentos, as iniciativas para reduzir as taxas de hipoteca e flexibilizar as regras de compra de imóveis podem ser um divisor de águas para o mercado imobiliário na China. Diante de um ambiente econômico global incerto, mas com algumas perspectivas otimistas, os investidores brasileiros devem adotar uma abordagem estratégica. Diversificar os investimentos em setores resilientes, como tecnologia e energia renovável, pode ser uma boa tática. Além disso, considerar ativos atrelados à inflação, como títulos públicos, pode proteger contra possíveis desvalorizações. Acompanhar empresas com fundamentos sólidos e boa gestão financeira, que se beneficiem do crescimento na China, pode oferecer uma camada adicional de segurança e retorno em um cenário volátil, avalia.

Régis Chinchila, analista-chefe da Terra Investimentos. Foto: Divulgação.

Assim como Cruz, o analista da Terra Investimentos destacou que o potencial aumento da demanda por minério de ferro e aço na China pode ter um efeito extremamente positivo nas ações de empresas como Vale, Gerdau e CSN. “A Vale, em particular, é bem posicionada devido à sua capacidade de produção e custos competitivos. O aumento dos preços das commodities poderia resultar em margens maiores e um Ebitda substancial, atraindo mais investidores”, explicou. Ele apontou ainda que à medida que a China busca estabilizar sua economia, o aumento nos preços e na demanda pode se traduzir em resultados financeiros robustos para essas empresas brasileiras, criando um ciclo de investimento e crescimento.

Em setembro, a ação da mineradora brasileira subiu 6,65%, beneficiada nos últimos dias pelo anúncio do pacote de estímulos econômico na China.

Sobre a pressão da concorrência desleal do aço chinês subsidiado, Chinchila acredita que a possível alta da demanda local por aço chinês pode oferecer uma oportunidade de reequilibrar o mercado. As siderúrgicas locais, ao focar em qualidade e inovação, podem encontrar um nicho para competir. O fortalecimento do mercado interno, junto com a adaptação das empresas, pode resultar em uma recuperação do setor, desde que a política comercial e fiscal favoreça os interesses nacionais.

O estrategista-chefe da RB Investimentos ressaltou que as empresas que vão continuar se beneficiando da China, mesmo em um cenário de crescimento tímido, são as do setor de alimentos, que tem crescido proporcionalmente ao aumento do poder aquisitivo da população chinesa, com uma ascensão cada vez maior da classe média, que consome mais proteínas. “O aumento do consumo de proteínas faz o governo chinês elevar a importação de carnes, muitas delas vêm do continente latino-americano, de empresas brasileiras ou plantas de empresas brasileiras no resto da América do Sul e na América do Norte. Isso beneficiará as empresas que exportam proteínas e também as empresas que exportam outros tipos de alimentos para China mais adiante, e isso continuará por um bom tempo”, concluiu Cruz.

Para o analista-chefe da Terra Investimentos, os setores como Papel & Celulose também podem se beneficiar do ambiente econômico mais favorável na China. Com a expectativa de aumento na demanda, as empresas brasileiras podem ver uma reversão nas quedas significativas nas exportações, como as observadas recentemente. “Um aumento na demanda chinesa pode, além disso, estimular investimentos em capacidade de produção e inovação tecnológica no Brasil. Essa recuperação pode não apenas gerar empregos, mas também fortalecer a posição do Brasil como um player importante no mercado global de papel e celulose, aumentando a competitividade e a sustentabilidade do setor”, concluiu Chinchila.

Reportagem de Cynara Escobar, Emerson Lopes e Soraia Budaibes / Safras News

Edição: Cynara Escobar – cynara.escobar@cma.com.br (Safras News)

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