São Paulo -A política fiscal tem sido citada recentemente por autoridades monetárias como forma de estimular a economia da zona do euro, em meio ao uso extensivo de ferramentas monetárias. Poucos países da região, porém, têm espaço no orçamento para isso, segundo
analistas consultados pela Agência CMA.
Em setembro, o Banco Central Europeu (BCE) lançou um amplo pacote de estímulos monetários à economia da zona do euro, reduzindo os juros sobre as reservas dos bancos em 0,1 ponto percentual (pp), a -0,5% ao ano – o que na prática penaliza as instituições por deixar dinheiro parado -, e anunciando que comprará 20 bilhões de euros em títulos de dívida mensalmente a partir de novembro, entre outras medidas.
Na coletiva de imprensa, o presidente do BCE, Mario Draghi, disse que a política fiscal é necessária para potencializar as medidas monetárias – um discurso que vem sendo repetido por ele desde que foram adotados os primeiros estímulos do banco central à economia europeia.
“Em vista da perspectiva econômica enfraquecida e da proeminência contínua dos riscos negativos, os governos com espaço fiscal devem agir de maneira eficaz e oportuna”, disse Draghi.
O discurso do BCE e de outros bancos centrais não foi sempre este. Até 2014, a recomendação da instituição era de que os países da zona do euro concentrassem os esforços em reduzir o endividamento público. No entanto, conforme foi ficando mais evidente que, sozinha, a política monetária não ressuscitaria a atividade econômica, a recomendação foi gradualmente caminhando em direção a pedidos de intervenção da política fiscal.
A ideia também ganhou força fora da zona do euro. O presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, disse após a reunião de política monetária de setembro que a política fiscal é mais eficiente para gerar crescimento econômico.
O espaço fiscal mencionado por Draghi, porém, pode ser interpretado de várias formas. De acordo com as regras da União Europeia (UE), os membros devem ter um orçamento estrutural equilibrado. “Se você interpretar essa regra estritamente, quase nenhum estado da União Econômica e Monetária (UEM) terá espaço fiscal, pois nenhum dos Estados maiores possui um superávit estrutural”, disse o economista do Commerzbank, Ralph Solveen.
Segundo o Tratado de Maastrich, que estabeleceu critérios para a adesão de um país à moeda única, a terceira fase da UEM, a relação entre o déficit orçamentário e o Produto Interno Bruto (PIB) não deve exceder 3%.
“Se você se distanciar dos famosos critérios de 3% de Maastrich, todos os estados com déficit de menos de 3% têm ‘espaço fiscal’, especialmente Alemanha, Holanda e Áustria”, segundo Solveen.
Portugal também se enquadra neste critério, mas “dado o alto índice de endividamento deste país, provavelmente ninguém diria que eles deveriam seguir um curso muito expansionista na política fiscal”, acrescentou.
Para o analista do Danske Bank, Piet P. H. Christiansen, porém, não há nenhum apoio fiscal significativo em vista na zona do euro, e em meio ao cenário de inflação fraca, desaceleração econômica e riscos geopolíticos, o BCE precisava mesmo agir com estímulos monetários.
“Políticas fiscais seria bem-vindas, no entanto, na posição atual e a julgar pelos orçamentos de 2020 liberados até o momento, não esperamos que as políticas fiscais tenham um papel significativo no aumento da inflação”, disse ele.
Ainda segundo ele, o Conselho do BCE “reconheceu por unanimidade que as políticas fiscais eram a principal ferramenta via iniciativas de crescimento fiscal amigável, mas a Alemanha continua relutante em afrouxar o freio da política fiscal”.
O economista do Scotiabank, Derek Holt, por sua vez, defende que o amplo pacote anunciado pelo BCE desestimula os governos a adotarem posturas ficais mais ativas.
“Minha opinião pessoal é de que quanto maior o cobertor de segurança oferecido pelo
BCE, menos provável será que estímulo fiscal material seja entregue, uma vez que remove a disciplina do mercado que, de outra forma, poderia incitar o governo a agir de forma mais decisiva”, disse ele.
ALEMANHA
A Alemanha é uma das economias avançadas com maior espaço fiscal. O país tem superávits orçamentários desde 2014, quando colocou em vigor a chamada política “Schwarze Null”, que estipula orçamentos equilibrados e exclui qualquer novo empréstimo líquido.
No entanto, a pressão tem sido cada vez maior para que Berlim aproveite as taxas de juros baixas, em mínimas históricas, para emprestar mais, elevar investimentos e aumentar os gastos públicos.
O governo liderado pela chanceler Angela Merkel, porém, reluta em fazer isso, mesmo em meio a sinais de uma recessão iminente, reflexo da desaceleração econômica global e de impactos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. O PIB da Alemanha caiu 0,1% no segundo trimestre deste ano na comparação com o trimestre anterior, embora na comparação com o segundo trimestre de 2018 tenha crescido 0,4%.
Caso sinais se materializam de que a economia alemã está entrando em uma recessão séria, o governo lançará um programa de estímulo de curto prazo, voltado para a demanda doméstica, no valor de até 50 bilhões de euros, disse o ministro alemão de Finanças, Olaf Scholz, ao apresentar o orçamento para 2020 do país ao Parlamento, no início de setembro.
Ele defendeu a política de déficit zero do país, e disse que “um orçamento financiado de maneira sólida, sem novas dívidas, nos dá a força necessária para nossa sustentabilidade futura, para grandes investimentos para o futuro”. Scholz planeja para 2020 gastos de quase 360 bilhões de euros sem déficit.
Draghi disse na entrevista coletiva do mês passado que a Alemanha deve usar o espaço fiscal que tem. “Eu ouvi dizer que o governo da Alemanha tem um plano de investimentos de 50 bilhões de euros. Esta é uma boa hora para ativá-lo”, disse ele.
O presidente do Eurogrupo (que reúne os ministros de Finanças da zona do euro), Mario Centeno, também disse repetidas vezes que estados com espaço fiscal devem usá-lo. Outros países também fazem pressão. O ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, disse no mês passado que a Alemanha tem “espaço fiscal” para investir mais.
“Do meu ponto de vista, o governo não deve aumentar os gastos. Mais importante é que a constituição não permite um aumento significativo do déficit devido ao chamado ‘freio da dívida'”, disse Solveen, do Commerzbank. O espaço fiscal sob o “freio da dívida” é limitado a cerca de 5 bilhões de euros extras (0,14% do PIB) em 2020.
Para Christiansen, do Danske Bank, a ideia de aumentar gastos na Alemanha “continua controversa, não apenas em círculos políticos, mas também entre economistas e as incertezas estão focadas principalmente se a atual queda é grave o suficiente para justificar gastos fiscais adicionais”.
O presidente do Bundesbank, o banco central alemão, Jens Weidmann, afirmou em uma entrevista no final de agosto que “não há motivos para entrar em pânico”, dado que as incertezas se devem principalmente a fatores geopolíticos como o Brexit ou conflito comerciais globais, e que a economia alemã está saindo de uma recuperação prolongada.
Ele reconheceu, porém, que caso uma recessão se materialize, a bola estaria na mão da política fiscal. “Não devemos esquecer que a orientação da política fiscal da Alemanha já é expansionista e que mais etapas expansionistas estão em andamento”, concluiu.