Crise climática hoje destrói nossas casas, nossas cidades, mata e impõe perdas aos mais pobres, diz Lula na ONU

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso na abertura da 78a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), começou lembrando as vítimas do terremoto no Marrocos, as tempestades na Líbia e do ciclone que atingiu o estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

“A crise climática bate às nossas portas, destrói nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos a nossos irmãos, sobretudo os mais pobres”, disse.

Ele continuou falando sobre a desigualdade e a fome. “O mundo está cada vez mais desigual. Os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade. É preciso antes de tudo vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo”.

Lula lembrou que voltou à presidência do Brasil para trazer a democracia de volta. “A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão. A esperança, mais uma vez, venceu o medo. O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta”.

Para Lula, o Brasil dará uma grande contribuição às discussões no mundo. “Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais. Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos”.

Os desafios do mundo, segundo Lula, são a crise climática, insegurança alimentar e energética, que é ampliada por tensões geopolíticas. “Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los”.

A Agenda 2030 da ONU, que traça 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, e 169 metas para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta, segundo Lula, não deve ser concluída.

A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento a Agenda 2030 pode se transformar no seu maior fracasso. Estamos na metade do período de implementação e ainda distantes das metas definidas. A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento”.

A redução das desigualdades implica, para Lula, em “incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio. Resgatamos a participação social como ferramenta estratégica para a execução de políticas públicas”.

Voltando ao assunto do clima, Lula disse que agir contra as mudanças climáticas implica em pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. “Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima. A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado”.

Ele reforçou o discurso que as responsabilidades sobre as mudanças climáticas devem ser compartilhadas. “Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas. São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima. Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera”.

Lula falou da matriz energética brasileira, que é 87% limpa. “Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. É enorme o potencial de produção de hidrogênio verde”.

O presidente afirmou que o Brasil aprofundou o diálogo com outros países que possuem florestas tropicais, e que vai, na COP 28, em Dubai, que acontece neste ano, levar as prioridades de preservação das florestas. “Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar US$ 100 bilhões de dólares anualmente para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa”.

Ao falar sobre multilateralismo, Lula disse que o diálogo entre as nações precisa ser retomado. “Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução. A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável”.

Ele citou o BRICS (grupo composto por Brasil, Rússia, India, China e África do Sul), que “surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes. A ampliação recente do grupo na Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21”.

Ao citar o comércio internacional, Lula disse que o protecionismo ganhou força e a Organização Mundial de Comércio está paralisada, “em especial o seu sistema de solução de controvérsias. Nesse ínterim, o desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens”.

Além disso, o neoliberalismo, segundo Lula, agravou a desigualdade econômica. “O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU”.

Ele também falou da liberdade de imprensa, citando como exemplo o jornalista Julian Assange, que está preso por divulgar informações sensíveis dos Estados Unidos. “Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos”.

Na parte que falou de guerras, Lula disse que os conflitos armados são uma afronta à racionalidade. “Não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz. Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras. É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças”.

Ele lembrou de conflitos que ainda estão em andamento, como o do povo palestino, o no Iêmen, Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão, e fez uma menção especial à Ucrânia.

“A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações”.

Lula falou da despesa em armamento no mundo, de mais de US$ 2 trilhões. “Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo. A comunidade internacional precisa escolher, ou a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades, ou a promoção da renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz”.

Sobre as sanções (ele deu o exemplo das sanções dos Estados Unidos a Cuba), Lula falou que elas causam prejuízos unilaterais às populações. “Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos. O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo”.

O presidente falou da situação atual do mundo e criticou publicamente a atual configuração do Conselho de Segurança da ONU. “Continuaremos críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria. O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”, disse.

Por conta disso, “sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia”.

Encaminhando-se para o fim de seu discurso, Lula falou sobre a desigualdade. “A desigualdade precisa inspirar indignação. Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano. Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo a nosso redor”.

Assim, a ONU tem um papel fundamental. “A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la”, concluiu.