São Paulo – A crise da endividada incorporadora chinesa Evergrande não deve resultar em contágio de crédito global, em uma situação diferente da ocorrida com a falência do banco norte-americano Lehman Brothers em 2008, mas pode ter efeitos na economia mundial, de acordo com analistas consultados pela Agência CMA.
A Evergrande, com sede em Shenzhen, é uma das maiores e mais alavancadas incorporadoras da China, tendo construído empreendimentos residenciais em todas as províncias do país, e está à beira do colapso após anos de expansão e empréstimos agressivos. A dívida da empresa é estimada em US$ 300 bilhões.
“Sinceramente, duvidamos que Evergrande seja um evento Lehman. É muito mais fácil conter a Evergrande do que o Lehman, mas não significa que a situação da Evergrande não tenha repercussões”, disseram os analistas do Nordea, Ardreas Larsen e Martin Enlund.
“Os efeitos do contágio de [um colapso da] Evergrande provavelmente serão contidos de forma decente”, afirmaram eles. “A China é uma economia movida a crédito e sempre há vítimas quando as autoridades decidem pisar no pedal.”
As economistas do Société Générale, Lei Yao e Michelle Lam, afirmaram que este é um momento crítico para os legisladores da China com mentalidade reformadora, com a Evergrande à beira de uma dolorosa reestruturação da dívida.
A empresa está devendo a fornecedores, bancos e outras instituições financeiras, e a falta de pagamento em títulos de dívida parece quase inevitável, eventos de risco fadados a acontecer durante a desalavancagem, segundo as analistas.
“Acreditamos que os formuladores de políticas ajudarão a coordenar a reestruturação da dívida e aliviar a desalavancagem para evitar uma aterrissagem forçada, mas não desistir das reformas por completo”, disseram elas.
“Consequentemente, um colapso do mercado financeiro ao estilo do Lehman não é nossa principal preocupação, mas uma desaceleração econômica prolongada e severa parece mais provável. No entanto, isso pode muito bem ser a dor de curto prazo necessária para suportar a sustentabilidade de longo prazo”.
Para analistas do XTB, as autoridades chinesas têm meios para evitar uma crise. “Este é, sem dúvida, o maior risco financeiro enfrentado pelo governo do presidente Xi Jinping. Os reguladores vêm alertando sobre a situação há algum tempo e isso permitiu que a dívida de Evergrande diminuísse”, disseram.
RAIZ DOS PROBLEMAS
A atividade habitacional começou a mostrar mais sinais de arrefecimento após medidas restritivas impostas ao setor por Pequim visando à desalavancagem, segundo Yao e Lam, analistas da Sociéte Génerale, o que afetou a Evergrande e também outras empresas.
A Evergrande é a segunda maior incorporadora imobiliária da China em termos de vendas, com quase 200 mil funcionários, mas até 4 milhões de pessoas podem estar vinculadas à empresa, segundo analistas do XTB. Eles destacaram que mais de 70 mil investidores têm interesse na empresa, incluindo centenas de bancos.
A empresa tem entre 1 milhão e 1,5 milhão de apartamentos em construção e administra 2,8 mil bairros em mais de 300 cidades. Além disso, está presente também nos setores de saúde, bens de consumo, entretenimento e veículos elétricos. A companhia é dona do time de futebol Guangzhou Evergrande, adquirido em março de 2010 por um valor de 100 milhões de iuanes.
Os ativos totais em junho de 2021 eram de cerca de 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nominal da China, de acordo com a analista do ING, Iris Pang, citando dados do relatório semestral de Evergrande deste ano.
Para analistas do XTB, os problemas da Evergrande podem ser justificados pela disponibilidade de empréstimos baratos na China. “Os investidores na China estavam amplamente engajados na especulação no mercado imobiliário, como a compra de apartamentos como ferramenta de investimento”.
Estimativas sugerem que até 25% do PIB chinês pode estar vinculado ao mercado imobiliário. “A Evergrande tem sido altamente alavancada, mas ações recentes das autoridades chinesas a impediram de rolar sua dívida. Embora a empresa tenha conseguido reduzir sua dívida em cerca de 20% desde o início do ano, outros tipos de passivos dispararam”.
Segundo Pang, do ING, apesar do foco em produtos de gestão de fortunas de uma subsidiária da Evergrande, o principal problema da incorporadora atualmente é falta de dinheiro para concluir a construção dos projetos residenciais existentes. A empresa não pode vender essas propriedades e, portanto, não pode obter dinheiro para pagar suas dívidas.
“Esperamos que a equipe de reestruturação do governo ajude a Evergrande a pelo menos obter algum capital, mas pode ter que vender algumas participações a um terceiro, como uma empresa estatal. Ela poderia então continuar a operar”, disse.
A Evergrande anunciou que as vendas contratadas em agosto caíram 13% no comparativo mensal, para o equivalente a US$ 5,9 bilhões, e alertou sobre pressões em fluxo de caixa e liquidez. A empresa contratou consultores externos. A crise levou a protestos contra a Evergrande, com dezenas de pessoas se reunindo em sua sede em Shenzhen exigindo retribuição.
REPERCUSSÕES GLOBAIS
A dívida de Evergrande não é suficiente para descarrilar a economia global por conta própria, segundo analistas. A questão é se as dificuldades da Evergrande gerarem problemas para seus credores e, em seguida, para outras empresas que precisam pedir dinheiro emprestado aos bancos e aos mercados de títulos.
“A desaceleração de Evergrande não vem sem repercussões globais. O crédito global foi principalmente impulsionado pela China nos últimos anos, mas atualmente vemos um impulso de desaceleração muito uniforme em todas as jurisdições”, disseram Larsen e Enlud, do Nordea. “O crescimento do crédito está desacelerando”.
Para Yao e Lam, da Société Génerale, “embora não acreditemos que um colapso de títulos ou do mercado interbancário seja provável, estamos preocupados com as repercussões para a economia real e para as condições de crédito mais amplas”.
Elas destacaram que, como o setor imobiliário é central para a economia da China, incorporadoras podem ter um efeito restritivo ampliado sobre as condições de crédito na economia em geral. “Esse efeito pode ser mais difícil de mitigar para os formuladores de políticas do que a exposição visível do sistema financeiro ao setor imobiliário”.
Yao e Lam reconheceram que o risco de uma desaceleração prolongada e severa liderada por propriedades está aumentando, citando que a probabilidade é de 30% de um cenário extremo no qual as vendas e os investimentos imobiliários veriam uma contração total ao longo do próximo ano, o que pode impactar o crescimento econômico chinês.
“Não prevemos um grande relaxamento da postura geral de desalavancagem, pois há um consenso muito forte entre os legisladores de que a habitação está na raiz de muitos problemas estruturais da China”, disseram elas. “No entanto, estamos inclinados a acreditar que os formuladores de políticas diminuirão a desalavancagem quando os riscos macroeconômicos aumentarem. Isso é o mesmo que dar dois ou três passos para frente e um para trás”, concluíram.