CVM e mercado monitoram especulação à la GameStop com IRBR3

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São Paulo – As ações ON da IRB Brasil estabeleceram a maior valorização do Ibovespa hoje. Diante da falta de um catalisador claro para o movimento, agentes do mercado apontam que o avanço da IRBR3 baseou-se na notícia de que pequenos investidores se reuniram em um grupo de rede social com o objetivo de replicar movimento similar ao que tem ocorrido com as ações da GameStop em Wall Street.

As ações da rede de lojas de jogos eletrônicos dispararam nos últimos meses sustentadas pelas compras de pequenos investidores. A alta no preço da ação decorrente destas compras forçou alguns grandes fundos a comprar ações da Gamestop para estancar as perdas com posições vendidas – equivalentes a apostas na queda do preço do papel -, provocando alta ainda maior das ações da empresa.

Isto é conhecido no jargão do mercado financeiro como short squeeze. Quem está com posição vendida numa ação perde dinheiro quando o preço do papel sobe, e a alta constante acaba forçando o investidor – “espremendo”, segundo a expressão em inglês – a comprar a ação e fechar a posição para evitar maiores prejuízos.

Não à toa, o grupo no aplicativo Telegram leva o nome de “Short Squeeze IRB”. Aberto ontem, o grupo cresceu exponencialmente e contava com quase 28 mil integrantes por volta das 18h de hoje.

O movimento na IRBR3 nem ao menos teria começado, segundo os próprios organizadores do grupo, mas já alimenta rumores de que investidores de ativos como OIBR3 estariam organizando ações simulares nos papéis ON da Oi.

Em busca de mais informações, a reportagem da Agência CMA ingressou no grupo e passou a acompanhar as trocas de mensagens. Logo ao entrar no grupo, uma mensagem avisa sem meias palavras: “Nosso grande objetivo é ver um SHORT SQUEEZE NO IRB.” A ideia, entretanto, é atingir a meta sem descumprir as regulamentações estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia responsável pela regulação dos mercados financeiros no Brasil.

À 1h18, uma mensagem postada por um administrador anuncia que “amanhã”, provavelmente hoje, terá início o planejamento do grupo. “Somos poucos. Precisamos ser cirúrgicos. Teremos a ajuda de especialistas”, complementa. Na mesma mensagem, o administrador orienta: “Man: 1 – Cancelem os alugueis; 2 – Aguardem instruções dos adm; 3 – Fumo nos vendidos.”

Pouco antes da abertura do pregão desta quinta-feira, um administrador identificado como Rubinho publicou: “Bom dia aos novos participantes, primeira ação, retirem seus alugueis, coloquem ordem de venda em 40 reais e divulguem, divulguem e divulguem o link do grupo. Juntos somos fortes.”

As ações da IRB Brasil subiram 17,81%, fechando a R$ 7,67. A ordem no grupo para vender a R$ 40 indica o quanto os participantes esperam lucrar com a operação.

Apesar da apreciação, os administradores asseguram aos demais membros do grupo que o movimento não foi nem ao menos iniciado. “Gente. Já está 10% positivo e não fizemos absolutamente nada ainda!”, escreveu um administrador não identificado pouco depois das 11h.

“Acho que assustamos os tubas. Somente com a formação desse grupo. Siga compartilhando o link”, escreveu outro administrador, numa referência aos “tubarões” do mercado financeiro, como são chamados os grandes fundos.

Em meio a autocongratulações, links e reproduções de matérias na mídia especializada citando o movimento, os administradores atualizam os participantes do grupo sinalizando a alta da ação ao mesmo tempo em que buscam tingir de heroísmo o movimento. “Parabéns galera pelo movimento, nesse momento ação subindo 7% e aqui nosso grupo rumo aos 8 mil, vamos continuar divulgando e fazer história na B3”, escreveu um administrador às 10h48.

SITUAÇÃO PREOCUPANTE

“Essa situação como um todo é extremamente preocupante”, afirma Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos. “Em primeiro lugar, isto mexe com oferta e demanda, distorce a essência do mercado de capitais”, explica.

“Em segundo lugar, o investidor comum corre o risco de, mesmo sem saber, se envolver em um episódio de manipulação de mercado, estando inclusive sujeito às mesmas punições dos organizadores caso a CVM assim julgue”, prossegue Simone.

Ainda de acordo com ela, outro problema é que episódios como este tornem-se recorrentes caso a CVM não intervenha. “Ainda não é possível afirmar que esteja ocorrendo manipulação”, salienta. “Tudo indica que sim, mas os dados precisam ser apurados pela CVM.”

Em uma das postagens no grupo, um administrador dá a entender que as ações da IRB Brasil estariam artificialmente subvalorizadas.

“Estamos todos no mesmo barco, só pedimos paciência um pouco. Pois estamos estudando a melhor maneira possível e dentro das leis para colocar informações aqui no grupo. Estamos com pouco mais de 8 mil pessoas no grupo e isso já mostra que nos investidores pequenos também podem se unir para acabar com essa manipulação no ativo. Vamos continuar compartilhando o link. #AvanteIRBR”, escreve.

Pasianotto, da Reag, contesta a alegação. “Nossos clientes são muito conservadores. Aqui nós nem trabalhamos com IRBR3, que é um papel com problemas muito sérios, mas é só olhar o preço-alvo estabelecido pelas casas que acompanham essa ação”, observou. “Todas elas, em ocasiões recentes, colocam o preço da IRBR3 muito abaixo da cotação inclusive na qual ela começou o dia”, aponta Simone, enfatizando que esses cálculos baseiam-se nos fundamentos da empresa e são feitos por profissionais qualificados para tanto.

MERCADOS DIFERENTES

Analistas e operadores consultados pela Agência CMA acreditam que é mais difícil replicar em um mercado como o brasileiro uma situação parecida com a ocorrida com os papéis da GameStop, que subiram 300% em apenas uma semana, obrigando grandes fundos a cobrirem suas posições vendidas.

“Já temos bastante pessoas físicas na bolsa em comparação com anos anteriores, mas nem se compara com os Estados Unidos, onde essa cultura já existe há muito tempo”, explicou um experiente operador de renda variável. Ainda assim, “aqui é mais difícil, mas não impossível”, observou ele.

Ainda que o mercado brasileiro tenha características muito diferentes daquelas do norte-americano, Pasianotto não descarta a possibilidade de o movimento obter sucesso em sua empreitada. “Se isso acontecer, vai causar problemas para o mercado como um todo, dos grandes investidores aos menores”, adverte.

Até pela alegação dos organizadores de que a tentativa de short squeeze ainda não foi nem ao menos iniciada, a forte alta da IRB hoje acabou pegando de surpresa muitos operadores e analistas.

Para o sócio da Criteria Investimentos, Vitor Miziara, já estaria inclusive ocorrendo um short squeeze. “O volume veio muito forte na compra, o papel começou subir rapidamente e acionou ‘stop’ de quem estava vendido”, disse.

Henrique Estester, analista da Guide Investimentos, aponta que há uma demanda grande pelo papel, mas o movimento é diferente do que o que aconteceu com a GameStop. “Acho que é mais uma expectativa de que uma demanda mais forte possa vir no papel e algumas pessoas já se antecipam”, afirmou.

POSSÍVEL MANIPULAÇÃO DE MERCADO

O grande questionamento é se a reunião desses pequenos investidores com a intenção declarada de inflar um ativo específico e causar perdas específicas para quem estiver vendido na posição pode ser enquadrada ou não como manipulação de mercado.

Procurada pela CMA, a CVM informou que “acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”. Ainda de acordo com a autarquia, “possíveis casos concretos envolvendo a situação mencionada em sua demanda serão avaliados individualmente (…) por meio de processos administrativos que poderão” gerar punições previstas em lei.

Algumas pistas, entretanto, podem ser encontradas nas normativas da CVM sobre o que ela mesma considera manipulação de mercado. Segundo a autarquia, haverá manipulação de mercado quando “condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários”.

A CVM também tem essa interpretação quando identifica “manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda”.