São Paulo – Diferente de crises passadas, quando estiveram no cerne da questão e foram os principais responsáveis por quebras generalizadas, desta vez o setor bancário é visto como uma das partes para solucionar e por outros até como “salvadores” da pátria.
A crise desencadeada pela pandemia do Covid-19, nome do novo coronavírus, pegou os países de surpresa e se viram obrigados a fechar suas economias como forma de mitigar a propagação da doença. A iniciativa teve como consequência uma crise econômica e de saúde global.
Diante disso, como os grandes propulsores de crédito os bancos agora estão sentados à mesa com governo e tomadores de crédito para saber o melhor caminho a ser traçado. Porém, o caminho é cheio de incógnitas e dúvidas de como será o papel dos bancos diante daquela que pode ser a maior crise da história.
“Impacto vai ter para todo mundo, alguns setores vão sofrer mais e outros menos. O transporte aéreo e turismo vão sofrer mais. Os bancos estão fazendo papel importante no mercado que é dar crédito e facilitar”, afirma o analista da Mirae Asset, Pedro Galdi.
Segundo ele, a economia brasileira ainda não tinha tomado tração e os bancos já estavam sendo seletivos e continuarão sendo. “Vão ajudar os adimplentes e oferecer repasses do dinheiro que o governo vai dar”.
Em relação à economia, Galdi ressalta que teoricamente a Selic deve cair mais, embora a demanda continue fraca. “O juro real é inexpressivo, mas o banco ganha no spread. Podemos ter período de dificuldades por meses até a economia retomar”.
Para o diretor sênior de instituições financeiras da Fitch, Claudio Gallina, os bancos têm hoje um papel importante na economia. Segundo ele, a expectativa é que os bancos rolem as dívidas e entrem nos programas de ajuda do governo.
“Não sei se serão os salvadores da pátria. Tem um conjunto de medidas e organismos internacionais e uma coerência de estratégias para que as coisas acontecem bem. É cedo para dizer a profundidade da crise. Mais alguns dias e meses ainda tem muitas informações desencontradas”, afirma Gallina.
Galdi vê os bancos sofrendo menos, embora exista uma tendência de famílias endividadas, desemprego, queda de demanda e dificuldade para repassar custos. “O banco não perde dinheiro em nenhum cenário. Sempre dão jeito de se acertar”.
O diretor da Fitch, por sua vez, ressalta que tem percebido que há bancos mais expostos em determinados setores e outros mais resilientes. “Tem setor que vai sofrer menos e outros que tem um fluxo de caixa melhor por conta da demanda”.
Gallina afirma que a Fitch está monitorando a exposição dos bancos, principalmente relacionada a liquidez de instituições mais vulneráveis. “Avaliamos esses bancos e procuramos ver os caixas e num primeiro momento não é problemático. Há créditos e debêntures volumosas que tiveram marcação a mercado. Teve migração para CDB [Cédula de Crédito Bancário] por conta FGC [Fundo Garantidor de Crédito] de até R$ 250 mil. Vimos de perto e não foi algo que nos deixou preocupados”.
Em meio à crise, o analista da Mirae vê a oportunidade de os bancos reduzir seus vultosos balanços. “Não enxergo isso (quebradeira). Pode ter piora nos números, o que vai acontecer para todo mundo. Os grandes vão sobreviver. Os pequenos podem entrar num estágio de consolidação”.
Por outro lado, Galdi vê um bom momento para as fintechs que podem continuar ganhando clientes num cenário de dinheiro mais apertado, já que elas não cobram tarifas. “Deve piorar a inadimplência durante alguns meses. 2020 é um ano condenado para resultados”.
“A queda inesperada na economia, o declínio da renda familiar e o aumento do desemprego vão pressionar a qualidade de ativos dos bancos e reduzir a capacidade de pagamento dos tomadores de crédito, elevando a inadimplência e os custos de crédito”, diz a vice-presidente sênior da Moody’s, Ceres Lisboa.
Segundo ela, à medida que a economia contrai em resposta às medidas do governo para restringir a circulação como forma de mitigar o avanço do coronavírus, a demanda por crédito e o volume geral de negócio diminuem impactando a receita dos bancos.
Agência CMA tenta mostrar um panorama de contexto histórico diante da crise do coronavírusCRÉDITO X AUMENTO DO RISCO
Gallina, da Fitch, diz que há uma preocupação com o ambiente operacional dos bancos de saber como vai fazer negócios e se isso vai afetar a qualidade. “Haverá aumento nos provisionamentos. É difícil dizer qual vai provisão ou se será mais enérgica”.
De acordo com ele, os bancos têm ciência de que precisam ajudar já que é uma questão de saúde e não de capacidade da empresa de pagar a dívida. “Precisa ter uma ajuda. Não tem interesse de quebrar as empresas e saber que lá na frente não podem trabalhar junto”.
Uma das maneiras já encontrada pelos bancos foi a renegociação de pagamento de parcelas por 60 dias. “Talvez não seja suficiente. O impacto vai na qualidade de ativos. E os bancos talvez tenham que fazer mais provisões. E tem a geração de receita futura. O banco quer que a empresa continue. Os bancos precisarão dela depois. Isso garante o fluxo futuro”.
Sobre o crédito, os analistas são unânimes ao afirmar que terá aumento, resta saber o apetite dos bancos para tal. “Há um aumento de risco. A questão é de como precisar esse risco, fazendo a análise de crédito da empresa se ela não terá faturamento em sete ou 10 meses. Ele tem uma capacidade grande de aumentar o risco? O sistema tem capacidade de aceitar perdas?”.
O diretor sênior de instituições financeiras da Fitch diz que os bancos já decidiram a renegociação de crédito por 60 dias e que, para isso, reduziram a emissão de capital para minimizar a perda. No entanto, isso vai do apetite do banco de quanto conseguirá recuperar de crédito no futuro.
Para a vice-presidente sênior da Moody’s, as amplas medidas por parte do governo ajudarão a manter à liquidez adequada para os bancos, enquanto os níveis robustos de capital e reservas contra perdas de crédito fornecem um colchão contra perdas.
“A dinâmica de captação deve manter-se amplamente baseada em depósitos bancários, uma vez que a aversão a risco é crescente entre os investidores. Ao mesmo tempo, as necessidades de capital no sistema como um todo diminuirão e, em geral, permanecerão adequada para absorver as perdas crescentes”, afirma Lisboa.
Gallina explica que se tem um saldo positivo da concentração bancária é que essas instituições se tornaram fortes e robustas. “A regulamentação de bancos é o ambiente mais forte da América Latina”.
INADIMPLÊNCIA
Essa pode ser a maior inadimplência da história. Quem disse isso foi o presidente do Bradesco, Octávio Lazari, durante teleconferência para falar sobre as ações do banco em meio da pandemia do novo coronavírus.
“Deve ser mesmo a maior inadimplência da história. Tem uma situação que o comércio é afetado e as pessoas não estão saindo, ou seja, é uma coisa muito mais ampla. Tem os comércios pequenos, médio e grande. Mas é difícil de prever o nível de inadimplência”, analisa Gallina.
O diretor da Fitch explica que no passado houve aumento da inadimplência, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 2% para menos 3,5% entre 2013 e 2015, o desemprego de 6,5% para 12% e a inadimplência de 2,7% para 3,7%. “Não foi alto a inadimplência então não dá para saber o que vai acontecer agora”.
“Para os bancos a gente vê cenário de aumento de inadimplência no curto prazo, principalmente de pequenas e médias empresas e de pessoa física. Mas a gente os vê com balanço robusto e liquidez que o Banco Central colocou no mercado. O banco deve sofrer, mas uma questão pontual. Na retomada terão mais força que o mercado em geral”, diz o analista da Guide Investimentos, Luis Salles.
“Salvador não vai ser. O papel dos bancos privados não é salvar ninguém. Bancos públicos podem ter papel um pouco mais de ajudar. Os privados são bastante criteriosos no crédito, como forma de serem salvadores. Continuarão desempenhado mesmo papel”, analisa Salles.
Para ele, a inadimplência deve ter impacto mais forte nos primeiros dois trimestres de 2020 e depois começa a recuperação no quarto trimestre do ano e em 2021. “Terão que fazer papel de abrir a torneira, mas não vão sair emprestando dinheiro para todo mundo. Bancos sempre ganharam dinheiro em cima de juros altos”.
Como exemplo, Salles cita certa frase do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que os bancos já ganharam muito dinheiro, então socialmente eles precisariam ter um papel mais importante, depois de tudo o que eles ganharam de dinheiro.
“O risco maior deles deve ser a inadimplência. Vai ter empresário que vai quebrar. Boa parte deve dinheiro no banco e pode não conseguir pagar as contas, mas os bancos não vão morrer por causa disso”.
Em relação a recuperação da economia, todos os analistas consultados pactual da mesma opinião de que será necessário um esforço coletivo de todas as outras as áreas, principalmente dos bancos.
“Para sair dela é necessário um esforço coletivo das áreas. As empresas não demitir é uma forma de manter. Vai ser um fluxo conjunto. A questão de repagamento. O sistema tem vontade de continuar pagamento e evitar queda de contrato”, garante o diretor sênior da Fitch.
Para Gallina, o banco está ciente do papel dele. “A recuperação vai depender da conversa como um todo e não só dos bancos. Tem que ter sinergia e cabeça aberta para entender como a gente consiga sair”.