São Paulo – As disputas internas entre os países do Mercosul são ameaças ao bloco, mas ele deve continuar existindo formalmente, mesmo com poucas chances de acordo entre Brasil e Argentina sobre a redução da Tarifa Externa Comum (TEC) e com a perspectiva de o Uruguai assinar acordos de livre-comércio de forma independente, disse o professor de Economia do Ibmec, Daniel Sousa. A declaração foi dada durante a Live CMA Mercados, transmitida hoje no YouTube e no Facebook.
“O Mercosul vai continuar existindo”, de acordo com Sousa, acrescentando que o bloco não deve se desfazer formalmente. “Na prática, talvez”, disse o economista. “Na prática, a coisa está sendo desmontada de maneira muito significativa”. O bloco é formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, atualmente suspensa.
O Uruguai tem demonstrado seu interesse de fazer acordos comerciais de forma independente com outros países. Ao mesmo tempo, não sinaliza intensão de sair do Mercosul, e nem o bloco sinaliza penalidades, como retirar o Uruguai por descumprir as regras. Segundo Sousa, tudo indica que o Uruguai deve assinar em breve um acordo com a China.
“É uma claríssima violação do que é o Mercosul”, afirmou. Sousa disse que o Uruguai tem realidade diferente dos outros países do bloco, é agropecuária, pequeno, com cerca de 3 milhões de habitantes, não tem e não almeja ter indústria e quer caminho parecido com Chile e Peru, que tem acordos de livre comércio com vários países, como Reino Unido, Estados Unido e China.
Já o Paraguai depende do Brasil e Argentina, enquanto para os dois maiores países do bloco o custo de sair é muito alto. Sousa afirmou que a indústria brasileira e Argentina são muito interligadas, com forte vendas de produtos industriais entre os dois países, o que cria um impasse.
“Há um super custo de saída de perder acesso privilegiado ao mercado ao lado. As indústrias nacionais do Brasil e Argentina são muito articuladas politicamente, tem capacidade de pressionar o governo com força”. Para Sousa, o Mercosul “se empurra com barriga. Os países não saem e não avançam”, disse.
“O Mercosul foi formado a 30 anos com um objetivo muito claro”, afirmou Sousa, citando um cenário de em mundo que se globalizava e era esperado que o comercio global seria a grande alavanca do crescimento dos países, o que se confirmou. A proposta do Mercosul era uma “inserção em grupo, negociar com mais força, conseguir acordos melhores”, disse.
“De lá para á, Mercosul frustrou muitas expectativas”, disse. “Se por um lado aumentou muito o comércio intrabloco, fora do Mercosul o comércio não se ampliou. O Mercosul foi fracasso, não há como classificar de outra forma, em buscar acordos comerciais e acesso a mercados”.
Em 30 anos, o bloco fez pouquíssimos acordos e com países pequenos, como Egito, Israel e Autoridade Palestina. Recentemente assinou um protocolo de intenções por um acordo com a União Europeia (UE), que depende da ratificação dos Parlamentos de todos os países do bloco europeu e talvez demore muito a siar do papel, disse Sousa.
Ele destacou que o Brasil e a Argentina discordam sempre em rodadas de negociações, o que inviabilizou várias tentativas de acordo.
TARIFA EXTERNA COMUM
A disputa mais recente se deve a desacordos sobre a TEC, a tarifa de importação que os países do Mercosul cobram dos produtos vendidos ao bloco. Ela é de 13,4%, em média. O Brasil propôs no início do ano baixar a tarifa em 10% em 2021 e em mais 10% em 2022, mas a Argentina recusou.
Para Sousa, as chances de um acordo são baixas. “Duvido, acho difícil, o Mercosul não se entende há 30 anos”, disse. “Isso já poderia ter sido feito em outros momentos, o Brasil e a Argentina já tiveram governos mais liberais juntos ao mesmo tempo em outros momentos e isso não foi feito, porque havia uma pressão das indústrias locais muito forte. As federações industriais do Brasil e da Argentina são muito contra a redução da tarifa externa comum”.
“Politicamente seria embaraçoso, por mais que os governos queiram, conseguir este acordo. Possível é, mas acho improvável, dependeria de um alinhamento ideológico entre Brasil e Argentina e uma força política grande para atropelar as contrariedades das federações”, acrescentou.
Com relação ao acordo de livre-comércio com a UE, Sousa destacou a oposição muito forte da França na Europa, falando inclusive em autonomia proteica. “O Brasil tem passivos na área ambiental, mas a França não está preocupada com isso, ela está preocupada em proteger seu produtor local”.
Sousa reconheceu que o Brasil tem se desgastado na questão ambiental, e há países europeus sensíveis a este tema. “Brasil tem crescimento da devastação da Amazônia”, disse, acrescentando que se o país tivesse números para apresentar melhorias nesta frente, isso enfraqueceria os argumentos de grupos contrários ao acordo.