Dívida externa também deve ser alvo de calote argentino

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São Paulo – A crise financeira e social provocada pela pandemia do novo coronavírus deve levar o governo argentino a dar um novo calote, dessa vez na dívida externa de US$ 83 bilhões, segundo analistas consultados pela Agência CMA, que acreditam que o país não deve conseguir sequer apresentar um plano de reestruturação sustentável até que esse cenário seja superado por completo.

Nesta semana, a Argentina decidiu adiar pagamentos de até US$ 10 bilhões em dívidas emitidas em dólares sob a lei local até o final do ano por causa do novo coronavírus, em uma tentativa de aliviar a pressão sobre pagamentos iminentes em moeda estrangeira.
O decreto de necessidade e urgência não afeta a dívida em moeda estrangeira emitidas sob a lei internacional e que a Argentina está atualmente negociando para reestruturar com os credores.

De acordo com o economista da Capital Economics para América Latina, Quinn Markwith, a Argentina é um dos países emergentes que deve mais sofrer com a pandemia.

“A Argentina se encontra em uma das mais longas negociações de dívida pública da história e a crise atual com certeza irá fazer esse problema se agravar e se arrastar por mais tempo do que já era esperado”, afirma Markwith.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), “não existe praticamente nenhum escopo” para o pagamento do serviço da dívida em títulos no médio prazo. O total devido pelo país resulta em quase 90% do Produto Interno Bruto (PIB), e é “insustentável”, afirma o FMI em nota.

O órgão publicou um documento no fim de março afirmando que, de acordo com sua análise, a Argentina precisaria aumentar os gastos para evitar o impacto da pandemia do novo coronavírus, alcançando um superávit primário de 0,8% do PIB até 2023.

“A situação da dívida externa já era insustentável mesmo antes do FMI finalmente admitir isso”, afirma o economista de mercado global do Rabobank, Hugo Erken. “Agora, deve se tornar cada vez mais difícil já que a maior parte da dívida argentina é denominada em dólares, que ficaram supervalorizados devido à crise que atinge todo o mundo”, acrescentou.

Esse fator, segundo Erken, mostra que a pandemia irá prejudicar a economia argentina mesmo que as medidas restritivas mais severas sejam impostas no país.

“Como exportadora de grãos e detentora de uma dívida externa ridiculamente grande, a Argentina acabou ficando na mão da economia global muito mais do que outros emergentes”, afirma ele.

PACOTE DE APOIO

Uma possível reestruturação da dívida argentina esbarra nas medidas de estímulos apresentadas pelo governo de Alberto Fernández para mitigar os efeitos da pandemia.

“Enquanto luta com a própria dívida, a Argentina precisará cuidar para que suas próprias empresas não saiam de forma irreparável dessa crise, já que a maioria também possui dívidas em dólares”, disse o estrategista de macroeconomia do Wells Fargo, Erick Nelson.

Segundo ele, com a rápida desvalorização do peso argentino em relação à moeda norte-americana, a capacidade de pagamento de qualquer dívida sofre rápida erosão.

Na semana passada, o ministro da Economia argentino, Martín Guzmán, afirmou que a reestruturação da dívida de US$ 83 bilhões, programada para ter ocorrido até o fim de março, será negociada nas próximas semanas com os credores.

“A Argentina precisa reestruturar a dívida porque aplicar um default agora pode fechar as portas do mercado externo para o país bem no meio de uma das piores crises dos últimos tempos”, afirma Markwith, da Capital Economics.

Entre as propostas de Guzmán e de Fernández dentro do pacote de reestruturação da dívida estariam medidas que incluem pagamento sobre atrasos no vencimento, pagamento de cupons vinculados ao desempenho econômico do país, e possíveis cortes dos principais, de acordo com uma declaração do Ministério da Economia.

Essas medidas, porém, precisarão ser repensadas após o pacote de apoio anunciado por Guzmán em meio à pandemia. Entre as medidas estão a isenção de impostos para empresas atingidas pela crise, pagamento de renda básica a trabalhadores prejudicados e um aumento de quase US$ 1,55 bilhão em obras públicas.

Para Nelson, do Wells Fargo, quanto mais empresas locais apresentarem calote, mais dependerão do governo. Caso isso ocorra, os planos para aumentar as reservas do banco central para US$ 65 bilhões até 2024, acima dos US$ 43,585 bilhões atualmente, irão por água abaixo, o que forçará o país a reestruturar mais uma vez sua dívida ou então apresentar default.