São Paulo – O ano se encaminha para o último trimestre, mas a situação parece cada vez mais desafiadora. Por aqui, a economia superaquecida volta a ligar o alerta para a inflação, fazendo o mercado precificar um novo ciclo de altas na Selic (taxa básica de juros). Já nos Estados Unidos, em meio a ruídos de uma recessão, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) se prepara para finalmente iniciar o corte dos juros. Concomitante a isso, o cenário fiscal doméstico permanece ruidoso e as eleições presidenciais norte-americanas se aproximam.
Para o analista da Ouro Preto Investimentos Sidney Lima, o cenário de um Comitê de Política Monetária (Copom) hawkish (severo, propenso à alta dos juros) e Fed dovish (suave, propenso ao corte dos juros) pode beneficiar a moeda brasileira, aumentando o diferencial de juros e o fluxo de capitais para o Brasil: “O aumento dos juros no Brasil torna os ativos domésticos mais atrativos para investidores estrangeiros, que buscam maior rentabilidade, ao mesmo tempo que o corte nos Estados Unidos reduz o apelo dos ativos em dólar, criando uma pressão para valorização da moeda brasileira no curto prazo”, avalia.
“Para que o investidor estrangeiro compre ativos aqui no Brasil, ele ingressa com dólares, aliviando a pressão sobre o câmbio e derrubando a cotação frente ao real. Sempre gosto de salientar que a visão Macro deve ser levada em conta, sendo muito difícil indicar apenas o fator juros para uma previsão de recuo do câmbio, mas é inegável que favorece a moeda brasileira sim”, complementa o especialista em mercado da Star Desk Felipe SantAnna.
O superaquecimento da economia, com a projeção de Produto Interno Bruto (PIB) sendo
constantemente revisada para cima, em um primeiro momento parece positiva, mas isso começa a gerar preocupação.
“O Brasil tem um problema histórico de capacidade instalada e falta de visão de longo prazo. Quando a economia vai bem, o consumo tende a acelerar, principalmente nas camadas de baixa renda, que não tem educação financeira ou estímulos para poupar. O primeiro choque é o de demanda, o cidadão consome, utiliza crédito, se endivida e pressiona as cadeias produtivas. É o cenário perfeito para a inflação chegar. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, expressou alegria com a leitura do PIB brasileiro mais forte, mas ponderou, justamente, sobre a pressão na capacidade instalada para suprir a demanda, deixando nas entrelinhas a preocupação com o IPCA”, contextualiza Sant’Anna.
Tanto Lima quanto Sant’Anna concordam que o ajuste fiscal e controle do gasto público seriam benéficos para a moeda brasileira.
“Se o governo brasileiro seguir adotando uma política fiscal expansiva, com aumento de gastos, isso pode gerar desconfiança no controle da dívida pública e pressão para desvalorização do real”, opina Lima.
Até agora, Haddad buscou aliviar o rombo fiscal com aumento considerável da arrecadação, criando e aumentando tributos, sem indicar cortes robustos que levem o governo a uma visão mais realista das contas públicas. A moeda de um país está intimamente ligada à confiança de suas instituições, sua capacidade de pagamento e responsabilidade fiscal, como exemplo recente e negativo, temos o peso argentino e a lira turca, ambos os países descontrolaram suas finanças e caíram em descrédito internacional, que sirva de aviso ao real”, alerta Sant’Anna.
Recessão e eleições
Historicamente a divisa estadunidense, devido à pujança econômica dos Estados Unidos, é utilizada como proteção a eventuais crises. Sant’Anna e Lima entendem que caso isso se concretiza, o real tende a perder força.
“Em momentos de aversão ao risco, como uma recessão, investidores globais costumam buscar ativos mais seguros, como o dólar. Mesmo com cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos, o dólar pode continuar a se valorizar, já que é considerado um ativo de refúgio durante crises econômicas globais, já que uma possível recessão nos Estados Unidos seria altamente nociva para qualquer economia que possua relações comerciais com eles, principalmente os países emergente”, explica Lima.
“Se a maior economia do mundo entra em recessão, o investidor pode correr para renda fixa ou mesmo para outros países, trocando seus reais por dólares e mandando embora, isso pressiona muito o câmbio e puxa a cotação para cima”, complementa Sant’Anna.
A dicotomia Donald Trump x Kamala Harris, nos Estados Unidos, também pode gerar volatilidade e incertezas no mercado, que ainda busca entender o efeito prático dos hipotéticos resultados.
“O debate desta terça (10), mostrou que a pior coisa que poderia acontecer ao candidato Trump foi a entrada da atual vice Kamala, e isso não é um juízo de valor, mas uma reação do mercado.
A eleição com Biden parecia ter contornos de jogo jogado, sem surpresas, contudo, Kamala trouxe certa incerteza sobre o resultado do pleito, e tudo que o mercado financeiro não gosta, é de incertezas. Donald Trump adota uma postura mais liberal, corta impostos, seleciona mais claramente os aliados, enquanto os Democratas costumam gastar mais com assistência, com subsídios e com as camadas mais pobres do eleitorado. Nos últimos dias, o mercado está de olho no dólar e no Iene japonês, já que o Banco Central do Japão (BOJ) sinaliza que pode subir suas taxas de juros, o que seria um grande problema para os Estados Unidos e o dólar, visto que muito dinheiro japonês está alocado na América e pode voltar para casa”, analisa Sant’Anna.