É natural que o BC busque uma taxa de juros restritiva o suficiente para atingir a meta, diz Galípolo

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São Paulo – O diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo disse que o papel do Banco Central (BC) é manter a taxa de juros restritiva o suficiente para que a meta de inflação determinada pelo governo federal seja atingida. O professor respondeu às perguntas dos estudantes da Liga de Mercado Financeiro da FGV, sobre sua trajetória e perspectivas do Brasil no começo da tarde desta sexta-feira.

“Esse incômodo da desancoragem existia desde antes. Porque as vezes a gente fica comentando a desancoragem adicional que ocorreu, para além dos 50 bps, mas na verdade dos 50 vezes points já era um ponto de incômodo bastante relevante para a gente. Eu já tratava quase sempre nas minhas falas públicas e nas reuniões que eu tinha, dos desafios de a gente acessar essas desancoragens 50 bps e como é que era possível a gente conseguir a reancoragem”, relata.

“E surgiam vários temas como algum receio de que o impulso fiscal que foi feito no primeiro ano do governo teria algum tipo de repercussão para a questão da inflação. Existia também um pouco de dúvida sobre as mudanças que podem acontecer em função das indicações e mudanças da diretoria do Banco Central. Existia também um questionamento sobre a viabilidade da meta, se a meta era baixa demais, ou se era viável.”

“É claro que esse terceiro ponto é um ponto de não discussão para quem está no Banco Central. Você recebe a meta e tem que perseguir a meta e alcançar a meta. Não há espaço para discussão nisso. Inclusive com fatores que possam ser exógenos, ou seja, fora do controle da autoridade monetária, mas ainda que esses outros fatores possam impactar ou não, cabe a você perseguir a meta com mais ou menos esforços. É isso, o governo democraticamente eleito estabelece a meta, cabe à autoridade monetária manter a taxa de juros no patamar restritivo suficiente, pelo tempo que for necessário para alcançar esta meta.”

Galípolo disse, ainda, que o novo Sistema de Metas deve eliminar incertezas sobre as futuras decisões do CMN (Conselho Monetário Nacional) a respeito da meta de inflação.

“É sabido que a autoridade monetária tem que ser conservadora, inclusive, na mudança das suas práticas, mas ela está a todo momento questionando o quanto ela está alinhada com o que são as melhores práticas e a fronteira que está se produzindo. E quando você olhava para a política de metas, o Brasil era um dos únicos países que continuava trabalhando com uma meta de ano-calendário. Fazia pouco sentido a gente continuar com isso porque, ao final do dia, você está sempre colocando e praticando a política monetária a partir do horizonte relevante, que é um resultado da prática da política monetária”, explica.

“O mercado sabe, por exemplo, de que a gente está em 2024, mas a política monetária já está num horizonte relevante que já extrapola o ano de 2024.”

Sobre o encontro com o presidente Lula e o Ministro da Fazenda Fernando Haddad no Palácio do Planalto na última quarta-feira, bastante especulado durante a semana, Galípolo disse que a reunião não teve objetivo de tomar nenhuma decisão, “porque a decisão já estava tomada.”

“Não cabe ao Banco Central, mesmo participando do CMN [Conselho Monetário Nacional que decide a meta de inflação], votar nesses processos de decisão das metas que ele vai ter que cumprir. Nesse caso específico, não era uma reunião para tomar uma decisão sobre algo que a decisão já havia sido tomada – envolvendo os integrantes do CMN:O presidente do Banco Central, a ministra do Planejamento [Simone Tebet] e o ministro da Fazenda [Fazenda Haddad]. Era simplesmente um esclarecimento que havia sido solicitado a partir de um ponto que havia sido levantado, e o meu ponto de participação estava mais envolvendo isso”, esclareceu.

“Tanto que eu acho que a saída da publicação do decreto [sobre o sistema-de metas] veio a atender aquilo que já se havia comunicado há algum tempo e já estava dentro da expectativa daquilo que todo mundo esperava para a questão do decreto, ou seja, ela só reforçou e corroborou aquilo que já estava dentro do esperado.”

Galípolo lembrou que de uns dias pra cá, houve mudança na política monetária dos Estados Unidos e outro adiamento do ciclo de cortes dos juros norte-americanos, elevando as taxas de juros e todo o prêmio de risco em vários dos países – não só emergentes, mas especialmente emergentes -, como o Brasil.

“Em um cenário muito ativo, países emergentes moedas, taxas de juros logo começam a sofrer um pouco mais, e o Brasil entre esses países tem sofrido mais do que os seus pares, tem uma performance pior , por N razões que podem ser elencadas: até pelo fato de que o Brasil detém realmente um mercado mais líquido e historicamente é comum que se use o Brasil por ser uma porta de saída mais larga pela questão da liquidez, que faz com que o nosso ativo sofra um pouco mais. Existem também ruídos e idiossinncrasias domésticas que foram geradas aqui, que contribuem para essa performance pior: a própria divisão que a gente teve no Copom durante a reunião, ainda que as razões para ela tenham sido todas técnicas, a gente tenha esclarecido, a gente tenha fundamentado as explicações.Importa menos o que a gente realmente intencionou fazer e importa mais para a formação de preço, como aquilo foi lido”, avaliou.

Perguntado sobre a independência do BC pelos estudantes, ele fez suas ressalvas. “Não é como se a autonomia do Banco Central fosse à revelia da sociedade, ou à revelia do processo democrático – até porque a autoridade monetária segue explicando em comunicações como atas, comunicados e relatórios de inflação (RTI) suas decisões e busca trabalhar da maneira mais transparente possível.”

CÂMBIO

Galípolo explicou que o BC analisa como os efeitos de como a alta do dólar se dá para a inflação corrente e expectativas. A gente não tem uma meta de câmbio, o câmbio flutuante está aí para absorver justamente mudanças que podem ocorrer de reabilitação, que podem ser provocadas por questões de idiossincrasias locais ou por questões estrangeiras. A gente vai estar sempre olhando se existe algum tipo de disfuncionalidade no mercado de câmbio, se há algum tipo de descolamento muito fora daquilo que está acontecendo com os nossos pares ou com o resto do mercado global, se existem algumas janelas, alguns slots ali, alguma questão de disfuncionalidade na curva ou na própria liquidez”, explica.

Esses são os temas que a gente olha para entender a questão da disfuncionalidade ou funcionalidade do mercado de câmbio. E do outro lado, os impactos são sempre aqueles que o mercado já conhece, a academia também, de estimativas, de como é que se dá um test-through para preços e para expectativas e com relações também com as taxas de longo prazo e outros ativos, o que eu acho que há de novo. A gente está assistindo um cenário de uma evolução rápida na desvalorização do real perante o dólar e tentando sempre fazer uma comparação para ver quanto que essa performance pior comparado com os pares representa algum sinal adicional de atenção para a gente.”