Eleição não impedirá desaceleração da economia britânica

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Por Julio Viana

São Paulo – As eleições do Reino Unido, programadas para 12 de dezembro, não devem impedir a desaceleração econômica britânica nos próximos anos. Segundo especialistas consultados pela Agência CMA, tanto a reeleição de Boris Johnson, do Partido Conservador e favorável à saída da União Europeia – Brexit -, quanto a vitória de Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista e opositor ao divórcio, devem desencorajar a permanência de investimentos no país.

Johnson lidera a maioria das pesquisas de opinião até o momento, mas sua reeleição não é garantia de um cenário economicamente vantajoso para as empresas britânicas. A preferência do atual primeiro-ministro por retirar os britânicos do bloco europeu com ou sem acordo representa uma ameaça aos negócios locais.

“Isso trará sérios reajustes em curto prazo dadas as fortes relações comerciais entre o Reino Unido e a União Europeia”, afirma o analista do ING especializado na economia britânica, James Knightley.

“Poderá haver muitos negócios movendo-se para o continente, com o medo de que algumas empresas do Reino Unido considerem o comércio com a Europa muito mais desafiador no futuro com as prováveis barreiras e tarifas que virão junto com a separação”, acrescenta Knightley.

PARLAMENTO DIVIDO

Apesar de Johnson aparecer com quase 50% de intenção de votos nas pesquisas de opinião, alguns analistas acreditam que o mais provável é que o primeiro-ministro britânico vença as eleições, mais uma vez, sem maioria no parlamento.

“Há a possibilidade de que mesmo após as eleições, o divórcio seja, mais uma vez, postergado. Não porque o Partido Trabalhista ganhe, mas porque seus representantes devem bloquear a continuidade do processo em meio a uma Câmara dos Comuns dividida, favorecendo a garantia de um acordo suficientemente positivo”, afirma o economista chefe da Capital Economics para o Reino Unido, Paul Dales.

Além disso, segundo Dales, com divisões dentro de seu próprio partido, Johnson precisará buscar coalizões com o partido do Brexit e outros membros mais radicais na questão da separação, como já vem ocorrendo. “Nesse caso, para conseguir emplacar as próprias propostas, o primeiro-ministro pode ter que ceder às vontades desses membros, o que deverá dificultar uma relação harmoniosa com a União Europeia”, diz o economista da Capital Economics.

CONCRETIZAÇÃO DO BREXIT

Caso Johnson vença com a maioria na Câmara dos Comuns, é consenso entre os analistas de que o Brexit deve ocorrer como prometido. No entanto, para o analista chefe do Rabobank para o Reino Unido, Stefan Koopman, “a crença de que uma vitória dos conservadores trará certezas para os negócios é equivocada”.

Segundo Koopman, o modelo de acordo entre Reino Unido e União Europeia proposto por Johnson, que segue os moldes do tratado feito entre o bloco europeu e o Canadá, “nunca foi propriamente examinado ou debatido”.

O acordo elimina 98% das tarifas sobre bens comercializados entre os dois lados. No entanto, não remove barreiras regulatórias, já que o Canadá, e, em breve, o Reino Unido, não comercializam exclusivamente com a União Europeia e sim com todo o mundo.

“A ideia de que esse tipo de tratado possa ser um substituto à altura para a atual relação entre britânicos e europeus é sem sentido”, afirma o analista do Rabobank. “O Reino Unido está arriscando elevar as barreiras comerciais com um dos maiores blocos econômicos mundiais, localizado bem ao seu lado, em troca de ter toda liberdade possível para fazer negócio com países distantes. Economicamente, não faz muito sentido”.

Koopman também considera uma possibilidade ainda mais pessimista: é possível que Johnson se negue a pedir outra extensão de prazo do Brexit para a União Europeia caso a Câmara dos Comuns – mesmo com uma maioria votante apoiando o primeiro-ministro – precise discutir melhor os termos do acordo.

Nesse caso, segundo o analista do Rabobank, há o risco, ainda mais prejudicial, de um divórcio sem consenso.

Já na perspectiva do analista da Capital Economics especializado no mercado europeu, Jonas Goltermann, a vitória do Partido Conservador irá, em um primeiro momento, impulsionar os investimentos. “A situação do Brexit se arrasta há anos e os investidores desejam ver a situação resolvida logo para pensar nos próximos passos”, afirma.

“Um governo conservador deve cortar mais impostos e aumentar os gastos, o que dará um impulso tanto à economia como ao capital injetado no país”, diz Goltermann.

Johnson vem prometendo corte de impostos para empresas de pequeno e médio portes, além de um maior investimento na área de infraestrutura, incluindo a construção de imóveis. Ele, no entanto, anunciou que não deve diminuir as taxas sobre grandes corporações tão cedo, já que deve concentrar parte dos ganhos no sistema de saúde britânico, que vem sendo alvo de críticas há algum tempo pelos eleitores.

AS CHANCES DA OPOSIÇÃO

Embora seja mais provável que Johnson venças as eleições de 12 de dezembro, os analistas ainda consideram possível a vitória do Partido Trabalhista, e de seu líder, Jeremy Corbyn. “Os Conservadores estão liderando a maioria das pesquisas, mas [a ex-primeira-ministra] Theresa May também estava – em um momento com vantagem de até 24% – e mesmo assim perdeu o pleito na ocasião”, afirma Knightley, do ING.

Segundo ele, o problema enfrentado por Corbyn é a divisão de votos entre os eleitores contrários ao Brexit. “Essas pessoas se dividem entre liberais democratas, nacionalistas escoceses, verdes e trabalhistas. Esse cenário torna o ambiente ideal para os conservadores”, acrescenta Knightley.

Koopman, do Rabobank, também destaca que a vantagem eleitoral de Johnson tem origem em uma debandada de eleitores do Partido do Brexit para o Partido Conservador. “A crescente nas pesquisas veio quase toda graças ao apoio do partido [do Brexit] de Nigel Farage. Está claro que uma estratégia explicitamente ligada ao divórcio da União Europeia é o mais efetivo”, afirma. “Já os trabalhistas aparentam muita ambiguidade para a população”.

Caso as pesquisas não acertem e Corbyn ganhe, os economistas ainda assim não acreditam em um final feliz garantido para o Reino Unido. “A situação é menos clara com Corbyn. Ele irá negociar um novo acordo e pode chegar a convocar um novo plebiscito”, afirma Knightley, do ING.

“No entanto, Corbyn propõe a nacionalização de várias indústrias chave, além de querer aumentar consideravelmente os impostos, o que deve ser muito desfavorável para a maioria dos negócios presentes no Reino Unido”, conclui o analista.

Koopman, porém, acredita que, embora o candidato trabalhista tenha “muita ideias econômicas radicais”, ele representa um cenário melhor para o comércio exterior do Reino Unido.

“Corbyn planeja permanecer na união aduaneira da UE, o que significa que o Reino Unido também pode manter as relações comerciais existentes com países terceiros. Johnson irá renegociar todos esses relacionamentos”, afirma o economista do Rabobank.

UM NOVO PLEBISCITO

A possibilidade de um novo plebiscito do Brexit é considerada pelos analistas, mas, segundo eles, o mercado não tem pensado muito na questão. “A liderança de Johnson nas pesquisas fez com que a maioria dos investidores praticamente descartasse essa opção”, afirma Koopman, do Rabobank. “No entanto, no caso de uma vitória dos trabalhistas, um novo plebiscito é quase certo”, acrescenta.

Knightley, do ING, acredita que o Reino Unido ainda assim votaria por deixar a União Europeia. “Caso os trabalhistas negociem um novo acordo, é provável que defendam essa ideia durante o plebiscito, o que faria com que a população ainda assim apoiasse a saída”, afirma.

“Parece impossível para o mercado ter o melhor dos dois mundos, ou seja, permanecer na União Europeia e ter uma política amigável aos negócios no país”, diz Dales, da Capital Economics.

Para ele, a única possibilidade disso ocorrer seria se os liberais democratas ganhassem a eleição, mas, segundo o cálculo da consultoria, há apenas 1% de chance desse cenário se materializar.

“Em vez disso, a economia e o mercado deverão lidar com um Brexit difícil, sob um governo conservador com políticas empresariais amigáveis ou com um Brexit suave sob um governo trabalhista que deve implementar políticas desfavoráveis ao lucro”, conclui Dales, da Capital Economics.