Estratégia do Tesouro para financiar dívida realça risco fiscal

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São Paulo, 28 de janeiro de 2021 – Dias após o Banco Central indicar, na ata da primeira reunião de 2021, que deve em breve começar a retirar os estímulos monetários, o Tesouro Nacional adotou uma postura mais cautelosa e realista. Ao divulgar ontem o Plano Anual de Financiamento (PAF) deste ano, a decisão de reduzir a oferta de títulos públicos atrelados à taxa Selic (LFT), dando mais espaço aos papéis prefixados (LTN e NTN-F) ofertados ao mercado, além de manter o prazo mínimo de três anos da NTN-B (atrelado ao IPCA), mostra que o quadro fiscal no Brasil é preocupante.

Para o estrategista-chefe da Renascença Corretora, Fernando Ferez, o PAF de 2021 evidencia os desafios fiscais do país. “Essa estratégia baseada na emissão de títulos de curto prazo tende a gerar menos custos, porém, aumenta o risco de refinanciamento, dado que os títulos emitidos terão de ser rolados quando vencerem”, explica. “E isso em meio à estratégia de encurtar a dívida pública”, emenda.

Ferez explica que essa dinâmica gera uma necessidade de financiamento não apenas maior, mas também mais frequente. Segundo o Tesouro, a necessidade de financiamento neste ano é de R$ 1,6 trilhão, sendo que há uma reserva de liquidez de seis meses. Ao final de 2020, a disponibilidade de caixa para honrar a dívida somava R$ 881,3 bilhões, que foi reforçada pelas emissões e por repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do BC.

“É algo que gera alguma tranquilidade na rolagem”, avalia o economista-chefe do modalmais, Álvaro Bandeira, lembrando que os vencimentos até abril somam R$ 705,2 bilhões. Ele chama a atenção para o fato de a dívida pública federal (DPF) ter encerrado o ano passado em R$ 5 trilhões, com o prazo médio da dívida caindo para cerca de três anos e meio. “Por isso a orientação de reversão no endividamento com alongamento de prazo”, observa.

Nesse sentido, o economista da CM Capital Corretora, Alexandre Almeida, explica que o Tesouro concentra atenção nos vencimentos curtos, ao mesmo tempo em que apresenta diretrizes para uma substituição gradual dos títulos remunerados com taxas flutuantes (LFT) por títulos com rentabilidade prefixada (LTN e NTN-F) e papéis remunerados por índices de preços (NTN-B) – algo já observado no exercício de 2020. “Agora, [merece atenção o fato de que] esse cenário é desenhado em meio a incertezas relacionadas à pandemia”, observa.

Por isso, o economista da Guide Investimentos, Victor Beyruti, destaca as declarações do secretário do Tesouro, Bruno Funchal, na divulgação dos dados ontem, ao alertar que o espaço para novos gastos do governo federal “é extremamente reduzido”. “Ele também enfatizou a importância de reformas fiscalistas para ajudar a conter o crescimento do endividamento público”, acrescenta. Para Beyruti, é aí que mora o perigo, diante da crescente pressão pelo retorno do “custoso programa” de auxílio emergencial.

Por isso, o próprio Tesouro destacou, no PAF, que a persistência de déficits primários nas contas públicas desde 2014 e o consequente crescimento do endividamento têm dificultado a convergência da dívida aos indicadores referenciais (benchmark) almejados no longo prazo. Conforme o plano, a composição desejada para a dívida no horizonte à frente estabelece uma proporção de 40% para títulos prefixados, 35% para papéis remunerados pela Selic, 20% para títulos atrelados à inflação e 5% para papéis ligados ao câmbio.

Atualmente, grande parte do estoque da dívida pública (34,72%) segue concentrado em LFTs, seguido por LTNs (24,70%) e NTN-Bs (22,87%). Por causa disso, uma parte da dívida pública segue indexada, majoritariamente, à taxa Selic e ao IPCA. “O maior desafio do Tesouro é conciliar as necessidades de financiamento do governo com um perfil de dívida que não traga elevados níveis de risco para administrar os prêmios”, avalia um consultor de
investimentos de uma corretora local. “Ou seja, é uma estratégia complicada”, conclui.