São Paulo – O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo disse ter sido notificado pela embaixada do Brasil nos Estados Unidos a respeito da carta que a Pfizer enviou em setembro do ano passado incentivando o governo a responder às propostas de contratos de vacinas contra a covid-19 feitas pela companhia um mês antes.
Durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga erros e omissões do governo no combate à pandemia de covid-19, Araújo confirmou que a embaixada do Brasil nos Estados Unidos recebeu a carta da companhia e que enviou ao Itamaraty um telegrama para informá-lo do documento
“Sim, embaixador fez telegrama em data próxima a 12 de setembro”, disse ele, ao ser questionado sobre o assunto. “O telegrama da embaixada em Washington mencionava que tinha sido dado conhecimento direto ao Ministério da Saúde, a quem no nosso entendimento cabia toda a centralização da estratégia de vacinação”, disse o ex-chanceler.
As primeiras ofertas da Pfizer ao Brasil para a entrega de vacinas contra a covid-19 aconteceram em agosto, segundo o presidente da companhia para a América Latina, Carlos Murillo. A empresa apresentou duas propostas à época: uma para a entrega de 30 milhões de doses e a outra de 70 milhões de doses, ambas com início da entrega ainda em 2020.
Em depoimento à CPI, Murillo afirmou que a Pfizer começou a conversar com o Ministério da Saúde em maio e em junho para apresentar a vacina que estava desenvolvendo.
Ele classificou estas reuniões como “iniciais, exploratórias”, e disse que em 16 de julho foi apresentado ao Ministério da Saúde uma expressão de interesse. “Nesta expressão de interesse, resumimos as condições deste processo que a Pfizer estava realizando em todos os países do mundo. Começamos ao mesmo tempo este tipo de negociações”, disse Murillo.
“Como consequência dessa expressão de interesse, tivemos outras reuniões no mês de agosto, onde aprofundamos alguns dos detalhes. Numa reunião em 6 de agosto o Ministério da Saúde manifestou possível interesse em nossa vacina.”
“Fornecemos em 14 de agosto nossa primeira oferta, que era oferta vinculante. Eram na verdade duas ofertas, porque era exatamente a mesma oferta, as mesmas condições, mesmo preço, mas uma de 30 milhões de doses e outra de 70 milhões de doses”, disse Murillo.
“Essa oferta tinha possível cronograma de entrega entre o final de 2020 e 2021. Em 18 de agosto nós voltamos a fazer a oferta de 30 milhões e 70 milhões de doses, mas tínhamos conseguido quantitativo adicional para o Brasil no final de 2020. Em 26 de agosto fizemos terceira oferta, também por 30 milhões e 70 milhões de doses, e tínhamos conseguido um pouco mais de quantidade para o primeiro trimestre de 2021”, afirmou.
Segundo Murillo, a melhor proposta feita ao Brasil pela Pfizer em agosto permitiria que o Brasil recebesse 1,5 milhão de doses da vacina da companhia no quarto trimestre de 2020 e 3,0 milhões de doses no primeiro trimestre de 2021, 14 milhões de doses no segundo trimestre deste ano, 26,5 milhões de doses no terceiro trimestre e 25 milhões no último trimestre.
O presidente da Pfizer na América Latina acrescentou que o governo não respondeu nem positiva nem negativamente à proposta, apresentada em 26 de agosto, e que ela tinha duração de 15 dias. Isso foi o que motivou o envio da carta da companhia ao presidente Jair Bolsonaro e a outros membros do governo em 12 de setembro.
A carta fora endereçada ao presidente Jair Bolsonaro, ao gabinete do presidente, ao vice-presidente Hamilton Mourão, ao ministro da Economia, Paulo Guedes, ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao então ministro da Casa Civil, Braga Netto, e ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster.
COORDENAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
As ações do Ministério das Relações Exteriores relacionadas à pandemia eram tomadas em resposta a demandas do Ministério da Saúde, afirmou o ex-ministro Ernesto Araújo à CPI.
“No caso da vacina houve estratégia definida basicamente pelo Ministério da Saúde que foi apoiada pelo Itamaraty onde necessário”, afirmou. “[As ações vinham] sempre a partir de orientações de quem centralizava a estratégia de vacinação, o Ministério da Saúde, portanto não de forma autônoma. Em janeiro de 2020 instruímos postos exteriores para que prospectassem pesquisas que estivessem surgindo sobre medicamentos e vacinas”, acrescentou.
Ele negou ter recebido instruções diretas do presidente Jair Bolsonaro sobre ações e articulações relacionadas á pandemia.
“Se houve orientações do presidente imagino que tenham sido passadas ao Ministério da Saúde. Não tenho conhecimento das orientações passadas diretamente ao Ministério da Saúde. O Itamaraty praticamente em todos os momentos atuou por coordenação com o Ministério da Saúde”, afirmou.
Araújo também disse à CPI que se reuniu com todos os ex-ministros da Saúde, mas que não havia um regularidade de encontros com estas autoridades. “A coordenação se dava de maneira diária basicamente entre equipes dos ministérios”, afirmou.
Ele ressaltou que o Ministério das Relações Exteriores atuou no acordo da compra de vacinas da AstraZeneca “apenas em apoio logístico, mas não participamos na negociação do conteúdo do acordo”.
ATAQUES À CHINA
Araújo negou que ele ou o governo tenham adotado uma postura hostil à China e disse considerar que nenhuma das declarações dadas por autoridades federais tenha deixado os países fornecedores de insumos e de vacinas contra a covid-19 menos dispostos a colaborar com o Brasil no combate à pandemia.
“Não vejo hostilidade em relação à China, certamente não de minha parte, e acho que isso se reflete em dados muito concretos”, disse ele à CPI.
Ele acrescentou que a Índia e a China são os países que mais contribuíram com o Brasil em relação respectivamente ao envio de vacinas e de insumos para estes imunizantes, e que o Brasil foi o país que mais recebeu insumos chineses para vacinas contra a covid-19 em todo o mundo – algo que, segundo Araújo, demonstra a falta de efeito negativo de declarações do governo potencialmente hostis à China.
Araújo foi questionado sobre um artigo que escreveu em abril do ano passado em que comenta o livro “Vírus” de Slavoj Zizek, e associa a pandemia de coronavírus à disseminação do comunismo. No texto, ele diz que “o coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista. Chegou o Comunavírus”.
Ele continua, no artigo: “Zizek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade.”
Sobre isso, Araújo falou à CPI que o texto é uma interpretação dele a respeito do livro escrito por Zizek.
O ex-ministro também foi questionado sobre episódios em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou mensagens acusando a China de omitir informações sobre a covid-19 e de espionar países via equipamentos de telecomunicações. Em ambos os casos a embaixada da China no Brasil respondeu aos ataques, e posteriormente sofreu críticas do Ministério das Relações Exteriores, à época chefiado por Araújo.
“Eu não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito como antichinesa. Houve determinados momentos em que por notas oficiais o Itamaraty, eu, tomei a decisão de nos queixarmos de comportamentos da embaixada da China china ou do embaixador da China em Brasília, mas não houve nenhuma declaração que se possa qualificar como antichinesa. Não há impacto de algo que não existiu”, disse o ex-ministro.
Ele disse à CPI que escreveu ao chanceler da China “com queixas em relação ao embaixador” por causa dos episódios “em nome das boas relações entre Brasil e China”.
Araújo disse que nem estes nem outros episódios menos polêmicos em que autoridades federais entraram em atrito com a China tiveram efeito nas relações entre o Brasil e a China. “Entre 2019 e 2020, houve aumento de 9% nas exportações à China, e nos quatro primeiros meses de 2021 houve aumento ainda mais significativo”, afirmou. “Não se pode ver no comércio nenhum indício de piora na relação”.
“Outro indício é de que o Brasil é o país que mais recebeu insumos de vacinas num momento de escassez mundial. Não fomos de nenhuma forma discriminados. Dentro deste mecanismo, o Brasil tem conseguido ser um dos países que mais recebe insumo da China”, afirmou.
Araújo também negou que sua atuação como chanceler resultou no atraso do envio de insumos da China para a fabricação de vacinas contra a covid-19 no Brasil.
“Como ministro entendo que nada que eu tenha feito possa ter levado a qualquer percalço no recebimento de insumos”, afirmou, acrescentando que o Ministério de Relações Exteriores “acompanhou processo burocrático de liberação de insumos na China e jamais foi identificada nenhuma correlação entre o atraso que houve e qualquer atuação da minha parte ou qualquer elemento político oriundo do governo”.
AMAZONAS
O ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil Ernesto Araújo confirmou que o oxigênio enviado a Manaus (AM) pela Venezuela foi uma doação do governo do país, e disse que não telefonou para autoridades venezuelanas para falar sobre o assunto nem agradeceu o envio do material. Ele também indicou que o governo do Amazonas deixou de enviar informações necessárias ao ministério para o transporte de oxigênio por um avião vindo dos Estados Unidos.
As declarações de Araújo foram feitas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga erros e omissões do governo no combate à pandemia da covid-19. Enquanto o assunto era discutido, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), acusou o ex-ministro de não tomar medidas para agilizar o envio do oxigênio venezuelano a Manaus.
“Enquanto estava morrendo gente sem oxigênio em Manaus, o oxigênio estava vindo da Venezuela de estrada. Um voo da FAB, se Ministério das Relações Exteriores tivesse interferido, em uma hora voltava. Não fizeram isso”, disse Aziz.
“Enquanto a gente não conseguia um voo – e o desespero era grande, porque eu estava lá -, o voo para buscar oxigênio na Venezuela e voltar, o tempo para levar oxigênio da Venezuela até Manaus, morreu muita gente. Poderia ter evitado estas mortes se vossa excelência tivesse agido”, disse Aziz a Araújo, acusando o ex-ministro de não ter feito contato com a Venezuela “por questões ideológicas”.
Após a manifestação de Aziz, o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), questionou se Araújo tinha telefonado ou agradecido a Venezuela pelo oxigênio, e o ex-ministro disse que não.
Mais à frente na reunião, Araújo disse que o ministério não agia de forma autônoma em temas relacionados à saúde porque não tinha condições de avaliar como era necessário “proceder a esta ou aquela ação em relação ao sistema de saúde, no caso ao suprimento de oxigênio”.
“Em relação ao oxigênio vindo da Venezuela, assim que chegou a notícia de que havia disponibilidade de doação, eu determinei que se fizesse tudo o que cabe ao Itamaraty, que são alguns procedimentos burocráticos”, disse Araújo. “Me lembro que coloquei colegas, funcionários de alto nível, para monitorar inclusive durante a noite se houvesse algum problema na passagem da Receita Federal na fronteira”.
Ele disse que houve outra ocasião em que o ministério foi acionado em relação à obtenção de oxigênio – quando ele foi procurado pelo pelo governador do Amazonas, Wilson Miranda de Lima, para tentar viabilizar a vinda de avião com capacidade para transporte de oxigênio dentro do território nacional.
“Pedi que informasse Ministério da Saúde, mas saí em atuação para tentar localizar este avião. O Chile e os Estados Unidos teriam capacidade para transportar grandes quantidades de oxigênio. O que me chegou do governador do Amazonas foi de que haveria oxigênio disponível em outros pontos do território nacional e se tratava simplesmente de ter o avião”, afirmou.
Araújo disse que o Chile não dispunha do avião, mas que os Estados Unidos tinham a aeronave. O Ministério da Saúde entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores para dizer que só interessaria o envio do avião norte-americano se ele trouxesse oxigênio, em vez de recolher o material em outras regiões do Brasil.
“Contatamos com toda urgência governo do estado do Amazonas para que nos desse as especificações do oxigênio, que tipo de cilindro, especificações mínimas das quais não dispúnhamos e que Estados Unidos precisavam para proceder. Passados dois a três dias, não recebemos especificações”, afirmou.
Assista a íntegra da reunião abaixo: