Falta de transparência e rombo de R$ 20 bilhões na Americanas espanta mercado

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São Paulo – A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) disse que acompanha com preocupação o conteúdo e os desdobramentos de inconsistências contábeis detectadas pela Americanas e considera que houve falta de transparência na divulgação das informações.

“Chama atenção que, diante da urgência e importância do tema, outros esclarecimentos sobre os fatos tenham sido feitos em call privado e com restrição e limitação de acesso”, diz o presidente-executivo da Amec, Fábio Coelho, em comunicado.

“Em prol da devida transparência, a AMEC entende que há necessidade de manifestações tempestivas e mais objetivas dos órgãos de governança da companhia, em especial, do seu Conselho de Administração. Além disso, o acompanhamento atento e próximo dos fatos e seus desdobramentos por acionistas e pela CVM se faz essencial para eventual apuração de responsabilidades”, destaca.

De acordo com o fato relevante divulgado pela varejista na noite de ontem (11/01), em análise preliminar, a área contábil da companhia estimou inconsistências da ordem de R$ 20 bilhões na data-base de 30 de setembro de 2022, não sendo ainda possível determinar todos os impactos na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da companhia.

“À luz desse contexto, os associados da AMEC e o mercado em geral restam apreensivos, em especial, quanto à quantificação dos impactos, bem como pela conclusão das apurações por parte do comitê independente constituído para tal finalidade”, diz.

“Adicionalmente, a AMEC externaliza sua perplexidade quanto à atuação das instâncias de governança da companhia e dos seus respectivos gatekeepers, principalmente auditorias, à luz da magnitude estimada da inconsistência contábil”, observou a entidade, no documento.

AÇÃO DA COMPANHIA DESABA

O mercado reavalia o investimento em Americanas no pregão desta quinta-feira após a conferência de seu ex-presidente Sergio Rial, realizada pelo BTG Pactual, nesta manhã. Segundo analistas, os títulos de dívida da Lojas Americanas desvalorizaram após a varejista anunciar inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões e a saída do diretor-presidente Sergio Rial.

Perto do encerramento, às 17h48 (horário de Brasília), a ação da companhia (AMER3) caía 77%, a R$ 2,77 e foi várias vezes a leilão ao longo do pregão, refletindo nas quedas 6% da Méliuz (CASH3), Via (VIIA3) e Magazine Luiza (MGLU3).

Em meio ao rombo das Americanas AS (AMER3), o grande vendedor do pregão de hoje das ações da companhia é o Credit Suisse, segundo um gestor de investimentos do mercado. A fonte que não quis se identificar disse que a instituição financeira se desfez de 50 milhões dos papéis da varejista, o que equivale a R$ 30 milhões.

O Banco Inter destaca que os principais pontos discutidos foram a necessidade da Americanas se recapitalizar nos próximos meses (estimas que seriam necessários para o curto prazo algo em torno de R$ 8 bilhões em dívida/follow on);efeito caixa imaterial (caixa aprox. R$ 8,5 bi 3T22); qual será a posição dos credores com a linha de risco sacado e eventualmente uma aceleração da dívida (o que colocaria a companhia em um grau elevado de risco).

Rial também reafirmou o compromisso dos acionistas de referência nos desdobramentos futuros, bem como acenou com a possibilidade da companhia operar mais leve e eficiente no futuro.

“Em nossa visão, a Americanas vinha com dificuldades relevantes antes mesmo do Fato Relevante. A ineficiência das lojas físicas, o nível de ruptura e a fraca performance do canal online 1P são pontos de atenção há vários meses. A chegada do Sr. Rial, executivo renomado, era um alento para os investidores de que a operação aceleraria a rentabilidade. Não mais. Agora Americanas tem um desafio ainda maior, pois os velhos problemas continuam, além da visibilidade limitada sobre a extensão dessas inconsistências contábeis e da perda de um CEO ímpar”, comentou o Inter, em relatório após a reunião em que manteve a recomendação para outros segmentos dentro do varejo e/ou em outros setores à exposição ao ecommerce de sua cobertura.

A Ativa Investimentos disse que fará uma uma revisão de seus modelos e destacou que no final do ano passado divulgou um relatório de e-commerce que já mostrava visão pessimista sobre o setor, rebaixado para neutro em suas recomendações.

“Os R$ 20 bilhões são uma estimativa de Rial e o mesmo disse que precisou tomar uma decisão de anunciar ao mercado antes dos números serem auditados. O ex-CEO também disse que os níveis de transparência não estavam claros como deveriam e que a empresa precisará fazer uma capitalização, mas que não consegue estimar de quanto. Ele também reafirma que a empresa está crescendo o número de vendas e que já estão 15% superiores a janeiro de 2022, mas que o desempenho operacional desse ano será muito importante para os desdobramentos da atual situação”, comentou a Ativa.

Jansen Costa, sócio fundador da Fatorial Investimentos, disse que existe a operação de “risco sacado” em várias empresas e que a grande questão era saber se já tinha pago os bancos com relação às antecipações que foram feitas aos fornecedores.

“O problema é ter uma reclassificação. A Americanas vai ter liquidação antecipada as suas dívidas, que causaria aí um problema gigantesco para a companhia. Temos que ver como será feito esse processo para que se evite essas antecipações, dessas debêntures. A sobrevida da companhia é muito importante. Existe muita dívida na mão do mercado, obviamente está pulverizado. Precisamos acompanhar o desenrolar do dia e como vai ser a marcação dos títulos de renda fixa de crédito privado”, comentou.

O analista aponta que além de olhar as ações, o maior impacto são para os fundos de crédito privado que tem participações nas Loja Americanas.

João Lucas Tonello, Analista de Investimentos da Benndorf Research (CNPI-P) e Advogado especialista em Direito Tributário, comenta que “a notícia de hoje eh um banho de água fria nesse projeto de reestruturação que estava se iniciando onde a tese de investimento dos compradores passava grande parte pela capacidade do Rial de montar um time muito capaz de executar o turnaround. Isso acabou, portanto entendemos que não há motivos para continuar posicionado.”

Para o Bradesco BBI, o evento é muito negativo, pois ainda não é possível mensurar como e por quanto tempo isso vai impactar o balanço e o P&L da companhia. A magnitude do valor equivale a 1,3x valor contábil ou 0,6x vendas brutas LTM, sugerindo que a empresa acumulou muitos erros ou muitos anos de más práticas contábeis.

“O anúncio levanta preocupações importantes sobre a credibilidade da empresa e, eventualmente, sobre sua capacidade financeira. Diante da magnitude do evento e da falta de informações, estamos colocando a ação da companhia em análise por enquanto”, concluiu a corretora.

O Itaú BBA também divulgou sua análise apontando que o mercado tinha boas expectativas para a companhia depois do anúncio de Sergio Rial na presidência. Mas, diante das notícias desfavoráveis, disse que vai reavaliar sua cobertura até que a situação fique mais clara.

Em conferência com investidores nesta manhã, o Rial disse que a empresa vai precisar se capitalizar para enfrentar problema contábil, provavelmente por meio de um follow-on ou por meio de aportes de seus acionistas, e que não é possível estimar a necessidade de capital. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de milhões”, disse Rial.

Por fim, a Genial Investimentos afirmou que a saída de Rial com menos de duas semanas de casa transparece que as extensões do ocorrido terão graves impactos na geração de valor da companhia.

“Acreditávamos que a figura do Rial como cabeça no managment trazia uma confiabilidade em relação à capacidade de execução dos projetos de expansão da Americanas para os próximos anos, como as franquias da Vem Conveniência e Uni.co e Ame Digital. Com sua saída, além dos próprios impactos negativos em termos de resultados e da falta de confiabilidade na governança corporativa que investidores terão no case, vemos esse brilho se apagando”, ponderou a Genial, que alterou sua recomendação para dos papéis Americanas para “vender”.

Com Emerson Lopes e Soraia Budaibes / Agência CMA.