Fim da era Merkel expõe fragilidades da maior economia europeia

761

São Paulo – Com a era Merkel chegando ao fim, o resultado das eleições federais na Alemanha, marcadas para 26 de setembro deste ano, terá implicações importantes para as políticas econômicas e fiscais nos próximos anos. Como a maior economia da eurozona, respondendo por quase um terço da atividade da região, a Alemanha não só tem influência nas perspectivas de crescimento da Europa, mas também desempenha um papel fundamental na definição das discussões de política europeia.

Há muito tempo, a Alemanha resume o quadro de estabilidade política e continuidade da liderança na Europa. No entanto, com a saída da chanceler Angela Merkel, a eleição deste ano lançará a política alemã a um território desconhecido. A maior fragmentação política e o notável aumento da popularidade do Partido Verde tornam provável que uma mudança política esteja no ar.

“O Partido Verde será o criador de reis em qualquer coalizão governamental futura, abrindo o potencial para uma postura fiscal mais relaxada no futuro. No entanto, o ‘freio da dívida’ ainda limitará as políticas fiscais expansionistas. Um chanceler alemão do Partido Verde deixa o maior potencial para perturbação política”, disse a analista sênior do Danske Bank, Aila Mihr.

Embora a expectativa seja de que o novo governo mantenha uma posição pró-europeia clara, um vácuo de liderança europeia está se abrindo com a saída de Merkel, o que deixa para mais incertezas políticas no cenário europeu nos próximos anos.

“Qualquer decisão em nível europeu não será tomada antes das eleições presidenciais francesas, marcadas para 2022. Até lá, outras reformas ou integração da eurozona permanecerão suspensas até pelo menos meados do próximo ano”, afirmou o chefe global de macro da ING Research, Carsten Brzeski.

Segundo ele, espera-se que todos os partidos alemães – exceto o Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemã) – sejam pró-europeus, entanto, isso não significa automaticamente que um partido é a favor de uma integração mais profunda.

“Ao ouvir os políticos alemães, não os julgue por serem pró ou anti-europeus, mas sim por serem a favor ou contra uma integração mais profunda da união monetária”, acrescentou Brzeski.

Para Mihr, há o risco de a Alemanha perder parte de seu papel como âncora de estabilidade europeia e construtora de consenso com a era Merkel chegando ao fim.

“Independentemente de quem será o novo chanceler alemão, o chefe do novo governo não terá o mesmo espectro diplomático que muitas vezes permitiu Merkel agir como importante negociadora em situações difíceis – da crise da dívida grega à criação do fundo de recuperação da União Europeia [UE]. Dito isso, enquanto um novo chanceler alemão terá de ‘crescer no cargo’, esperamos que a Alemanha permaneça um ator ativo no cenário europeu com uma postura política pró-europeia clara”, disse a analista do Danske Bank.

Na semana passada, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse que a saída de Merkel do cenário político não deve retirar a Alemanha do centro das decisões da Europa.

“Merkel sempre exerceu um papel decisivo não só na política alemã como na política europeia e acredito que, mesmo sem ela, a Alemanha manterá seu papel central na Europa”, disse Lagarde na ocasião.

A DANÇA DAS CADEIRAS

As eleições alemãs de setembro serão as primeiras em décadas em que a atual chanceler não se candidatará à reeleição. Angela Merkel ainda é uma das figuras políticas mais populares do país, e seu partido, o União Democrata Cristã (CDU), há muito se beneficia do chamado “amtsbonus”, a vantagem do mandato.

Com Merkel não concorrendo à reeleição e com a crescente frustração com a má gestão do governo na atual fase da pandemia de covid-19, a CDU caiu significativamente nas pesquisas. A última controvérsia sobre quem vai liderar o partido nas eleições parece ter contribuído para o enfraquecimento do apoio eleitoral.

No final do mês passado, o presidente da CDU e ministro-presidente da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, foi escolhido como candidato ao posto de chanceler alemão pela aliança conservadora do partido e da União Social Cristã (CSU), da Baviera.

“A decisão do comitê executivo da CDU de apoiar o impopular e sem carisma Armin Laschet como o candidato a chanceler deixa o resultado das eleições federais de setembro parecendo ainda mais incerto, e sugere que a Alemanha agora está diante de um poço sem fundo político no pós-Merkel, precisamente no ponto em que a necessidade de uma reforma fundamental para manter uma posição competitiva na economia global, acima de tudo pós-pandemia, é tão aguda”, disse o economista-chefe e estrategista global da ADM Investor Services, Marc Ostwald.

Pelos Verdes, o partido ambientalista alemão, a indicada foi Annalena Baerbock. Simultaneamente, o Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) já havia nomeado o atual ministro das Finanças Olaf Scholz como candidato a chanceler.

“Tudo indica que o próximo governo incluirá o Partido Verde, que é o segundo maior partido da Alemanha há mais de dois anos. No entanto, vemos diferenças políticas importantes, especialmente entre a CSU e os Verdes, e resta saber se a CDU/CSU de tendência mais conservadora pode fazer uma coalizão com um Partido Verde ainda bastante esquerdista trabalhar no nível federal. A continuação da Grande Coalizão não pode, portanto, ser excluída”, disse o economista sênior para a Europa do Société Générale, Anatoli Annenkov.

Enquanto a aliança CDU/CSU estava claramente à frente dos outros partidos no ano passado, quando a pandemia de covid-19 foi considerada altamente favorável à popularidade do executivo, as pesquisas recentes viram um declínio dramático no apoio eleitoral do partido, que governou a Alemanha nos últimos 16 anos.

Seis das dez pesquisas publicadas nas últimas duas semanas mostram uma vantagem para os Verdes, que caíram para o quinto lugar quando a Alemanha foi às urnas pela última vez em 2017. Uma pesquisa publicada pelo pesquisador Kantar e pelo jornal Bild am Sonntag ontem dá aos Verdes com uma vantagem de três pontos, 27%.

“Depois de começar a se beneficiar do tratamento rápido da crise novo coronavírus, as avaliações dos conservadores CDU/CSU chegaram a cair para o mínimo de 21%. Um escândalo envolvendo a compra de máscaras, comunicação caótica de restrições durante a segunda e terceira ondas da pandemia, um lançamento lento de vacinas, bem como obstáculos burocráticos e atrasos no pagamento de medidas de apoio para as empresas contribuíram”, disse Mihr, do Danske Bank.

Avançando para setembro, muito ainda pode acontecer no cenário político alemão. “Até certo ponto, o resultado das eleições dependerá do sucesso ou fracasso da campanha de vacinação e se os alemães se encontram em um período pós-pandemia ou ainda no meio dele. Tópicos econômicos como mudança climática, educação, investimentos com certeza também farão diferença – como sempre fizeram”, afirmou Annenkov, do Société Générale.

AS ELEIÇÕES DO BUNDESTAG

Como não podia deixar de ser, as eleições da Alemanha são complexas. O sistema eleitoral parlamentar alemão é uma combinação de um sistema de votação proporcional e de primeira posição com duas votações diferentes, que ocorrem no mesmo dia.

A primeira votação (erststimme) elege um membro específico do partido em cada um dos 299 distritos na Alemanha. Cada partido pode apresentar um candidato em cada distrito. Com a segunda votação (zweitstimme), um partido político específico é escolhido e dependendo de quantos votos ele obtém, os candidatos de uma lista partidária pré-determinada para cada estado federal ocuparão os 299 assentos restantes no Bundestag, o parlamento alemão.

Os estados com uma população maior podem enviar mais parlamentares ao Bundestag do que os menores.

A segunda votação é essencialmente a mais importante, pois determina a representação proporcional no Bundestag. Historicamente, o primeiro e o segundo votos têm sido proporcionalmente idênticos, mas se um partido ganhar uma proporção maior de cadeiras por meio da primeira votação do que deveria de acordo com a segunda votação, ele pode manter as chamadas “provisões” adicionais assentos (überhangmandate).

Como isso tendia a beneficiar os grandes partidos, como CDU/CSU e SPD, que são mais propensos a apresentar candidatos em todos os distritos, o tribunal constitucional decidiu em 2012 que os outros partidos receberiam cadeiras de compensação (ausgleichsmandate) para equilibrar esses mandatos e restabelecer a representação proporcional original do segundo voto. Isso levou a um aumento no número de membros do Bundestag para 709 em 2017.