São Paulo – O aplicativo TrateCOV, desenvolvido pelo Ministério da Saúde para agilizar o diagnóstico de covid-19 e que está sendo testado em Manaus (AM), sugere tratar a doença com cloroquina. O código do aplicativo também inclui diversos trechos em que é mencionado o “tratamento precoce”, algo que o próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, reconheceu ser tecnicamente incorreto, visto que não existe tratamento comprovado contra a covid-19.
O ambiente de simulação do TrateCOV, disponível na página do Ministério da Saúde da plataforma Redcap, mostra que em alguns casos o aplicativo recomenda o Difostato de Cloroquina 500mg, prescrevendo tomar um comprimido de 12 em 12 horas no primeiro dia e, depois disso, “1 comprimido ao dia, até completar 5 dias.”
Também aparece nas sugestões de tratamento a Hidroxicloroquina 200mg, com dois comprimidos de 12 em 12 horas no primeiro dia e posteriormente “2 comprimidos ao dia, até completar 5 dias”.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que o TrateCOV “orienta opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada e oferece total autonomia para que o profissional médico decida o melhor tratamento para o paciente”, mas não especificou que estudo embasou a recomendação de uso da cloroquina. Também disse que “a lista de medicamentos sugeridos na plataforma pode sofrer alterações de acordo com os estudos científicos em andamento”.
Na quinta-feira passada (14), quando divulgou o lançamento do TrateCOV, o governo disse que “a plataforma traz ao médico cadastrado um ponto a ponto da doença, guiado por rigorosos critérios clínicos, que ajudam a diagnosticar os pacientes com mais rapidez.”
Um dia depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ao decidir em prol do uso emergencial de duas vacinas contra a covid-19 no Brasil, contestou a informação de que a doença é tratável com medicamentos – algo que o governo convencionou chamar de “tratamento precoce”.
“Até o momento, não contamos com alternava terapêutica, aprovada e disponível para prevenir ou tratar a doença causada pelo novo coronavírus”, afirmou a relatora da análise das vacinas e diretora da Anvisa, Meiruze Sousa Freitas, em seu voto, que foi apoiado pelos demais diretores.
Na segunda-feira à noite, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse nunca ter recomendado o uso de nenhum medicamento contra a covid-19 e afirmou que, nas ocasiões em que o governo pregou o “tratamento precoce” da doença, quis dizer “atendimento precoce” – a busca por auxílio médico logo no início do sintomas.
“Eu nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos. Não gostaria que ficasse a ideia errada”, disse Pazuello durante uma entrevista coletiva concedida ontem.
TRATAMENTO PRECOCE EM LIVE
Na quinta-feira (14), mesmo dia em que o TrateCOV foi lançado, o ministro Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro, numa transmissão ao vivo, falaram sobre a necessidade do “tratamento precoce” contra a covid-19. O presidente Bolsonaro, em seguida, comentou que defendeu, no início da pandemia, que o Ministério da Saúde liberasse os médicos para prescrever hidroxicloroquina contra a doença.
“Quero repetir aqui a história. Guerra do Pacífico. O soldado chegava ferido, não tinha sangue, não tinha doador. Pessoal começou a tocar o que na veia do cara? Água de côco, e deu certo. Se fosse esperar uma comprovação científica, teria morrido quantas pessoas na Guerra do Pacífico, que não morreram? É a mesma coisa o tratamento precoce da covid com hidroxicloroquina, com ivermectina, com a tal da annita, mais azitromicina, mais vitamina D. E não faz mal isso aí. Se lá na frente for comprovado que não fez surtir efeito – o que não vai acontecer, porque repito: neste prédio que eu estou mais de 200 pessoas contraíram covid e foram tratados precocemente. Nenhuma foi para o hospital”, disse Bolsonaro.
Pazuello estava sentado ao lado do presidente. Não endossou nenhum dos medicamentos, nem impediu Bolsonaro de defender a prescrição.