Por Caroline Aragaki
São Paulo – O Irã deve ganhar mais poder de barganha no cenário internacional em meio à escalada das tensões com os Estados Unidos, segundo analistas consultados pela Agência CMA, que não esperam um engajamento maior de Rússia e China – tradicionais aliados de Teerã – neste conflito.
“Não vejo uma resposta bélica por parte da China e da Rússia, o que vejo é que o Irã tem um poder de barganha agora. O país teve um líder assassinado e agora possui maior empatia nas relações internacionais”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Roberto Uebel.
Uebel se refere à morte do comandante das forças Quds – uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã – o general Qassem Soleimani na semana passada. Ele foi morto em um ataque aéreo dos Estados Unidos quando seu comboio estava nas proximidades do aeroporto de Bagdá, no Iraque.
A visão de Uebel compartilhada pelo professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), Vinícius Rodrigues Vieira, que afirma que China e Rússia fazem “um trabalho de bastidor para tentar apaziguar os ânimos, porque não possuem interesse em ter um conflito prolongado na região”.
“Isso decorre do risco de um conflito regional gerar impactos globais, principalmente por conta do Oriente Médio ser um grande produtor de petróleo e, consequentemente, ter peso econômico acentuado”, disse Vieira.
A ação dos Estados Unidos foi resultado de uma ordem direta do presidente norte-americano, Donald Trump, com a justificativa de que serviria para dissuadir futuros planos de ataque do Irã.
No mesmo dia, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, expressou solidariedade ao povo iraniano, interpretando o ocorrido como “um passo aventureiro que levará ao aumento de tensão em toda a região”. O comunicado russo ainda colocou Soleimani como um defensor nacional do Irã.
Do lado chinês, o porta-voz de Relações Exteriores, Geng Shuang, pediu que “as partes relevantes, especialmente os Estados Unidos, mantenham a calma e exercitem restrições para evitar novas tensões”.
O professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Maurício Fronzaglia, afirma que Rússia e China servem de aliados estratégicos pontuais ao Irã na geopolítica, pois “na questão de segurança e guerra, apenas Rússia e China conseguem se contrapor aos Estados Unidos”.
UNIÃO DE FORÇAS MILITARES
Os especialistas acreditam que a influência russa e chinesa se dará nos bastidores e não em um conflito direto de forças.
“O apoio não será por meio de um conflito direto, mas feito a partir de um treinamento militar conjunto de forças na região”, disse Uebel, da ESPM.
Em 27 de dezembro – antes do ataque norte-americano – Rússia, Irã e China começaram um exercício naval conjunto no norte do Oceano Indico e no Golfo de Omã. Chamado de Naval Security Belt, os países testaram o combate ao terrorismo e à pirataria, além da segurança regional. Na ocasião, o ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammed Javad Zarif, afirmou que o treinamento não era direcionado contra outros países.
POSICIONAMENTO DA EUROPA
A Europa, peça importante no equilíbrio global de forças, também se pronunciou. Alemanha, França e Reino Unido pediram pelo fim do conflito entre Washington e Teerã.
“É simbólico que o Reino Unido, principal aliado dos Estados Unidos, se pronunciou contra a ideia de guerra com o Irã”, afirma Uebel, da ESPM, justificando a cautela europeia com a proximidade geográfica com o Oriente Médio.
Vieira, da Faap, explica que o continente não tem uma vasta capacidade militar. “É uma potência pós-moderna que tenta ser cosmopolita, mas não necessariamente consegue”, disse.
PODER BÉLICO IRANIANO
Do lado do Irã, o professor de Relações Internacionais da ESPM acredita que o país não irá revidar por não ter poder bélico. “O Irã pode até enriquecer urânio para fazer um serviço militar, mas não há conhecimento de bomba atômica, por exemplo”, afirmou Uebel.
Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse em sua conta do Twitter que “o Irã nunca terá uma arma nuclear”. A mensagem foi publicada após o governo iraniano anunciar que não cumprirá os limites de enriquecimento de urânio estabelecido pelo acordo nuclear de 2015.
“O último ataque norte-americano foi o estopim para encerrar de vez essa negociação”, que desandou desde que os Estados Unidos deixaram o acordo, em maio de 2018.
“O Irã está sendo muito pragmático, mas também é um recado para os partidos Democrata e Republicano, para o candidato que será eleito presidente dos Estados Unidos ter um posicionamento diante disso”, acrescentou.
Mesmo que o acordo nuclear firmado em 2015 envolva Rússia e China, “ambos vão continuar observadores e não tomarão novos passos por enquanto, pois há muitos interesses no petróleo da região e, assim, agirão com prudência até esses interesses não serem contrariados”, afirmou Fronzaglia, do Mackenzie.
Na visão de Vieira, da Faap, a situação servirá de incentivo para que mais partes se envolvam pela busca de paz. “Se o Irã mover armas nucleares, os Estados Unidos irão bombardeá-lo, o que será uma declaração de guerra.
Isso pode fazer com que a Rússia e a China se sintam obrigadas a intervir na questão, mas é algo que nenhum dos dois quer.”