Brasília – A pauta de projetos do Legislativo em 2020 ainda deve centrar-se em reformas, especificamente a administrativa e a tributária. Os dois projetos exigirão poder de articulação do parlamento semelhante ao observado este ano, uma vez que a janela para aprovação das propostas será limitada pelas eleições municipais, encurtando o prazo de tramitação para agosto, segundo especialistas ouvidos pela Agência CMA.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a reforma administrativa, responsável por eliminar a estabilidade dos servidores públicos, assim como dificultar a progressão salarial destes trabalhadores, deve ser tratada como prioridade no Congresso Nacional. Junto ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em dezembro, os parlamentares anunciaram a criação de uma comissão especial mista para elaborar um texto consonante da reforma tributária.
Os especialistas acreditam, no entanto, que seria possível a aprovação de apenas uma reforma no período enxuto de 2020 em decorrência das eleições.
Alguns congressistas participarão diretamente das disputas por prefeituras, mas a mobilização afetará o conjunto das forças políticas por causa da construção de alianças – ainda que regionais – e da preparação para as eleições presidenciais de 2022.
“Acho complexo conseguir aprovar as duas reformas (administrativa e tributária) no primeiro semestre. São votações bastante truncadas. O governo federal e as lideranças no Congresso na Câmara e no Senado podem possivelmente aprovar uma das reformas. Eu creio que em questão de timing, de qual posição já foi encaminhada, a reforma administrativa deve ir primeiro”, afirma o cientista político e fundador da Dharma Political Risk and Strategy, Creomar de Souza.
O professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, acredita que a atividade parlamentar de 2020 dependerá de duas frentes.
“A primeira é como vai estar o Executivo em sua relação com o parlamento. Outra é de qual prioridade será definida pelo parlamento. As duas [Casas Legislativas] terão tecnicamente quase metade de um ano para avançar a tributária mas pode ser que administrativa ganhe protagonismo, já que ela já foi defendida diversas vezes pelo Maia”, diz.
O cientista político da consultoria Hold, André César, afirma que “se o governo de fato enviar a reforma administrativa e se empenhar, vai ser um norteador dessa agenda legislativa do ano que vem”. Apesar disso, ele vê falta de convicção do Ministério da Economia e acredita em pressão contrária dos servidores públicos – o que não contribuiria para o já difícil processo de aprovar a medida, formatada como emenda constitucional.
Souza explica que é mais provável aprovar uma reforma administrativa por causa da organização prévia da máquina pública neste sentido, e que isso explica a defesa da matéria por Maia. “Ao invés de aumentar impostos e onerar mais a sociedade, você tem que, ao contrário, dar instrumentos quanto ao governo para que possa diminuir custos que hoje são fixos dentro da estrutura administrativa. Aí vem a ideia de que caso o governo não consiga arrecadar ele pode dispensar o funcionário, dificultar progressão, etc.”, diz.
O porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros, sinalizou um possível posicionamento do governo em relação ao tema ao dizer que uma eventual reforma administrativa seria aplicada apenas a futuros servidores públicos que venham a ingressar no sistema.
A aprovação de reformas após as eleições municipais, que estão previstas para outubro, seria difícil tanto por uma questão de calendário, visto que os congressistas teriam apenas alguns meses para aprovar o orçamento de 2021 – quanto por questões políticas.
“Municípios são oportunidade de ter maior capilaridade política e consequentemente o ‘preparo do terreno’ de 2022”, disse Fleischer. André César afirma que um quarto dos deputados, no máximo, deve disputar alguma prefeitura. “Mas eles têm que se posicionar. Ou seja, a campanha tem de ser mobilizada, o que pode gerar desgaste.”
Creomar de Souza considera que “de um lado, para os parlamentares da base do governo, as eleições municipais se tornam um termômetro acerca da popularidade; de outro, para os parlamentares de oposição, as eleições municipais acabam tendo uma espécie de medidor para se construir algum tipo de lógica e ajuste de estratégia para as eleições 2022.”
Souza destaca, entre outros pontos, algumas variáveis que podem influenciar o tempo hábil para a aprovação de textos no decorrer do ano que vem.
A primeira diz respeito à capacidade de articulação dos agentes que se interessam pela pauta. “A segunda é a capacidade de esse interesse gerar convergência. O que a gente tem percebido é que no caso específico da reforma tributária, por exemplo, como o governo federal desistiu de enviar um projeto e o próprio Maia já deixou muito claro que ideias ventiladas pelo Paulo Guedes, como a retomada de uma CPMF, são descartadas, já se dá uma ideia que tem um espaço de manobra”.
André César faz um paralelo com a reforma da Previdência e acredita que outras matérias devem aparecer na pauta: “(Tributária) a exemplo da Previdência certamente vai ser bastante desidratada para atender setores diversos. Como já está sendo discutida faz um ano, está mais avançada. Tem questões microeconômicas: talvez Banco Central pode entrar, é uma agenda ainda a ser construída e também depende muito de como vai estar a dinâmica do parlamento.”
SENADO
O líder do governo no Senado Federal, Fernando Bezerra, (MDB-PE), afirmou este mês que o foco do Planalto em 2020 deve ser dividido em três propostas de emenda à Constituição (PEC) que atualmente encontram-se em fase de discussão no Senado Federal: a PEC emergencial, a PEC do pacto federativo, além da reforma tributária.
O texto da chamada “PEC emergencial” institui, entre outros pontos, mecanismos de ajuste fiscal para os casos em que as operações de crédito excedam a despesa de capital da União ou os estados e municípios tenham despesas correntes que superem 95% das receitas correntes.
A proposta prevê uma lei complementar para dispor sobre a
“sustentabilidade da dívida pública”, limites para despesas e medidas de ajuste. Além disso, um dos pontos propostos na matéria é de que seja suspensa a correção pelo IPCA dos limites às emendas individuais ao projeto de lei orçamentária.
A PEC do pacto federativo (PEC 188/2019) prevê a descentralização de recursos para o repasse aos estados, DF, e municípios algo em torno de R$ 400 bilhões nos próximos 15 anos. O líder a fim de atingir essa meta o governo trabalha em duas frentes: a divisão das receitas e a flexibilização orçamentária.
Um dos pontos do texto prevê a unificação dos gastos mínimos em educação e saúde: hoje os estados destinam para a saúde pelo menos 12% da receita corrente líquida e 25% da receita líquida de transferências para educação. No caso dos municípios, os percentuais são 15% e 25%, respectivamente. A PEC agrega os valores percentuais, neste caso o total de 40%, permitindo que um prefeito possa, por exemplo, aplicar 20% em saúde e os outros 20% em educação.
Álvaro Viana / Agência CMA