Mercado desafia tom suave do Copom e cenário traçado pelo BC

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São Paulo, 29 de outubro de 2020 – A reação do mercado de juros futuros ao comunicado que acompanhou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic em 2% ontem, pela segunda vez seguida, reflete a desconfiança dos investidores com o cenário traçado pelo Banco Central. A insistência da autoridade monetária em deixar um espaço para um corte adicional na taxa básica, ainda que “pequeno”, e a avaliação de choque “temporário” da inflação e de manutenção do regime fiscal foram colocadas em dúvida.

“Eu li o comunicado do Copom como uma ‘negação’, o que é perigoso: ou eles são os reis ou estão correndo riscos desnecessários – o que, aliás, está ficando claro nos últimos meses”, diz um diretor da tesouraria de um banco estrangeiro. “O mercado está peitando o BC, isso está bem na cara”, comenta um operador de derivativos de um banco nacional. Para ambos os profissionais, essa postura é observada tanto nos negócios com câmbio quanto na curva a termo local.

Segundo o operador da Renascença Corretora Luís Felipe Laudísio, o acúmulo de riscos fiscais e inflacionários somado à crise política em Brasília, que trava o andamento da agenda de reformas, e às incertezas quanto aos impactos econômicos de uma segunda onda de coronavírus no exterior impedem o ajuste ao tom suave do Copom no comunicado. Como resultado, o mercado questiona a linguagem adotada pela autoridade monetária e põe em dúvida o cenário traçado pelo BC.

O estrategista-chefe do modalmais, Felipe Sichel, explica que o Copom foi mais dovish que o esperado, ao manter a chance de novos cortes na Selic, mesmo com uma redução significativa dessa possibilidade, e ver como satisfatória as condições para a chamada “prescrição futura” (forward guidance). “Mesmo com o balanço de riscos alertando para o aumento dos riscos fiscais no cenário, o tom foi mais ameno que o antecipado”, avalia.

O economista da Necton Corretora, André Perfeito, explica que parte do mercado financeiro discorda dessa visão do BC, ao vincular a manutenção do estímulo monetário a três condições: as projeções de inflação abaixo da meta; a ausência de mudança no regime fiscal e a ancoragem das expectativas inflacionárias no longo prazo.

“Mas dada a evolução recente do câmbio e os efeitos de segunda ordem na inflação ao consumidor via IGPs, as condições um e três devem sofrer mudanças”, prevê o economista. Além disso, Perfeito observa que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não conseguirá “disciplinar” o mundo político. “E uma eventual segunda onda da covid-19 no Brasil irá forçar mais gastos, o que pode comprometer a condição dois”, emenda.

Ainda assim, o diretor financeiro da TAG Investimentos, Dan Kawa, observa que não cabe aos analistas avaliar o trabalho do Banco Central. “Acredito que se o BC está adotando essa postura, é porque acredita em seu cenário. Todavia ele pode sim ter um ‘erro de avaliação’ e optar por ser reativo e não proativo”, esclarece. Para Kawa, os riscos em torno do cenário são crescentes. “Particularmente, eu acredito que o Brasil não tem estrutura para suportar uma Selic em 2% por muito tempo”, conclui.