Mercado liga alerta com economia, Pix e endividamento

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São Paulo – As incertezas relacionadas ao cenário macroeconômico e ao aumento da pressão nos negócios do setor financeiro com a entrada do Pix e a concorrência das fintechs, combinadas com uma expectativa de endividamento das famílias mais acentuada mantém o mercado em alerta relação aos bancos. As recentes avaliações dos especialistas refletem um otimismo cauteloso, ancorado na resiliência e liquidez do setor.

Essa tendência vem sendo observada pela agência de classificação de risco Moody’s, que classificou os baixos níveis dos spreads de empréstimos dos bancos como negativo para o crédito à medida que restringem as margens de juros líquidas e a rentabilidade das instituições na ausência de forte crescimento e do surgimento de novos empréstimos.

Para o analista da Moody´s, Farooq Khan, a queda nas taxas de empréstimos impulsionou a queda dos spreads que, por sua vez, foi mais de quatro vezes maior que a redução dos custos médios de financiamento e, ao mesmo tempo, não foi acompanhada por um aumento compensatório nas concessões de empréstimos. Essa combinação sinaliza desafios para as margens líquidas de juros e lucro dos bancos.

Outro ponto destacado pela agência de risco é que a principal origem dos novos empréstimos concedidos pelos bancos no meio da pandemia são as medidas especiais de empréstimos obrigatórias subsidiadas pelo governo para apoiar pequenas e médias empresas e outros tomadores de empréstimos corporativos.

Em relação ao Pix, a Moody’s avaliou como negativa para o crédito dos bancos, uma vez que o novo sistema de transferências financeiras não vai taxar transações em dinheiro e compras realizadas por pequenas empresas e indivíduos. “A gratuidade e a agilidade do novo sistema vão competir diretamente com as transações eletrônicas (TED) e pagamentos em débito dos bancos e podem causar uma perda de até 8% da receita obtida com as taxas cobradas nessas transações”.

No caso da TED, o número de transações nessa modalidade cresceu 37% na média desde 2017, representando uma receita mensal de mais de R$ 10 milhões aos bancos, ou 8% do lucro sobre taxas nos últimos 12 meses, de acordo com dados do Banco Central (BC) e da B3.

A expectativa, porém, é de maior competição no ambiente com taxas de juros baixas e de maior desafio para as taxas de empréstimos. Ou seja, com a Selic a 3% em 2021, os preços dos depósitos sofrerão reajustes e as taxas de financiamento aumentarão, o que afetará negativamente as margens e a concorrência. A Moody´s também espera um aumento do provisionamento dos bancos no quatro trimestre para atender uma possível elevação de pressão gerada pelo desemprego e maior endividamento sobre os ativos dos bancos.

“O principal risco é a inadimplência. Há bancos provisionando mais, outros menos. Ainda é cedo para avaliar se a provisão foi suficiente. É importante identificar quem paga esse crédito e a capacidade dos bancos de gerar novos negócios, o que deve ser melhor identificado no quarto trimestre”, disse o diretor sênior da área de instituições financeiras na América Latina da Fitch Ratings, Claudio Gallina, em evento promovido pela agência sobre os riscos da pandemia para os bancos brasileiros, realizado no início de setembro.

Segundo o analista de investimentos da Mirae Asset, Pedro Galdi, o momento de transformação e maior competição deve revolucionar o setor bancário, principalmente com a chegada do Pix.

“A crise do covid-19 trouxe a necessidade de provisões bilionárias e, aparentemente, um juro baixo, que deve ficar por um bom tempo. Para os bancos, não importa a taxa de juro, eles ganham com o spread de suas operações de captação e empréstimo e não perdem dinheiro em cenário nenhum. Mas a chegada do Pix e a competição com as fintechs pede ajustes profundos para que as instituições mantenham a rentabilidade”, analisa Galdi.

CARTEIRA DE CRÉDITO

Um levantamento realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com 19 instituições, entre 23 e 30 de setembro, mostra que a expectativa de crescimento da carteira total de crédito em 2020 na comparação com o ano anterior, passou de 6,3% em agosto para 9,4% no mês passado, refletindo a revisão para cima do desempenho do crédito direcionado – os empréstimos concedidos a taxas subsidiadas.

A previsão de expansão para os empréstimos neste segmento mais que dobrou, passando de 3,0% em agosto para 7,1% em setembro, fruto, principalmente, do sucesso dos programas de crédito público implementados pelo setor bancário, segundo a entidade. A projeção para o crédito livre avançou de 8,6% para 10,7% em 2020.

Em relatório, o BB Investimentos aponta que o crescimento da carteira de crédito dos bancos vem compensando a queda nos spreads. Apesar da perspectiva de inadimplência em alta, a corretora avalia que as provisões constituídas pelos bancos no primeiro semestre devem se mostrar adequadas para o estágio da crise.

“Vimos nos meses mais críticos um crescimento da carteira de crédito, ainda que a seletividade tenha se elevado. Tal crescimento nos volumes tem compensado a queda no spread, que se encontra em franco declínio acompanhando cenário de juros”, diz o analista do BBI, Victor Penna.

Em termos de inadimplência, o analista aponta um recuo artificial, principalmente em função da rolagem de vencimentos de empréstimos por conta da pandemia, mas, que, a partir deste mês, será possível observar os sinais da “verdadeira” inadimplência, quando os vencimentos forem chegando e as famílias e empresas forem chamados ao pagamento dos compromissos.

Para os analistas do Bank of America (BoFA), Mario Pierry e Giovanna Rosa, o apetite por lucros dos bancos deve aumentar no curto prazo, com a possibilidade de os encargos de provisões terem atingido o limite no segundo trimestre e uma melhora no ambiente macroeconômico que resulta em melhores resultados.

No entanto, os especialistas recomendam cautela com a manutenção de possíveis abalos estruturais no setor no longo prazo e a necessidade de monitorar riscos regulatórios elevados e as tendências de inadimplência com o término do apoio financeiro do governo.

A visão mais otimista levou os analistas do BoFA a atualizarem as recomendações para os papéis do Banco do Brasil de neutro para compra e Santander de baixo desempenho para neutro. Já para Bradesco e Itaú Unibanco, mantiveram as recomendações para compra e neutra, respectivamente.

CRÉDITO, JUROS E SPREADS

Dados da Febraban mostram ainda que com o aumento do risco nas operações de crédito e a expectativa de alta na inadimplência, que já se refletiu na forte elevação das provisões, as taxas de juros e os spreads bancários recuaram entre fevereiro e agosto deste ano.

Nesse período, a taxa de juros para o conjunto das operações de crédito recuou de 23,1% para 18,7% ao ano, uma queda de 4,4 pontos percentuais (pp), sendo de 7,5 pp no crédito livre, que passou de 34,2% para 26,7% em agosto, e de 0,4 pp no direcionado (7,6% para 7,2%).

Já o spread médio das operações de crédito caiu 3,6 pp no mesmo intervalo, de 18,6% em fevereiro para 15,0% em agosto, sendo o maior recuo (6,6 pp) no livre, de 28,9% para 22,3%, enquanto o direcionado subiu 0,2 pp, de 4,2% para 4,4%.

Entre 1 de março a 18 de setembro, as concessões de crédito pelas instituições somaram R$ 2,2 trilhões, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas.

Os dados consolidados pela entidade incluem recursos livres (que não estão atrelados a programas específicos) para pessoa jurídica, que já somam 204,5 bilhões. Na pessoa física, os números de agosto consideram o crédito imobiliário, mas não as operações de rotativo.

A entidade também destacou a renegociação de 15,0 milhões de contratos com operações em dia, com saldo devedor total de R$ 858 bilhões, no período de 16 de março a 18 de setembro. A soma das parcelas suspensas dessas operações repactuadas totaliza R$ 118,6 bilhões, o que traz um alívio financeiro imediato para empresas e consumidores, que passaram a ter uma carência entre 60 a 180 dias para pagar suas prestações.

A Febraban atribui o crescimento do volume de concessões de crédito à elevação de 15,1% das operações para pessoa jurídica entre março e agosto. Com a inclusão dos dados gerenciais da entidade, a alta registrada nas concessões para PJ no segmento livre foi de 35,9% na comparação com março e setembro de 2019 com o período de 16 de março a 18 de setembro deste ano.